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Capítulo 2. Construção da cultura da paz no contexto escolar

2.4. Construção da paz: família, escola e sociedade

A prevenção do bullying implica a promoção ativa de valores sociais construtivos desde a infância, na família, na mídia, nas escolas, etc. Para tanto, é fundamental considerarmos o outro tão importante

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quanto nós próprios e estimularmos ações em prol do desenvolvimento de valores morais positivos, como justiça, solidariedade, liberdade e igualdade, pilares da ética e da democracia (Valcárcel, 2005; Vallespín, 2005; Vargas-Machuca, 2005).

A prevenção e a intervenção em situações de bullying devem ser realizadas a longo prazo, de forma sistemática e sistêmica, considerando a dinâmica social entre agressores e agredidos. É importante envolver os atores em práticas de cooperação, desenvolver a comunicação interpessoal por meio de diálogos sobre temas que gerem reflexão, reconhecer a alteridade e respeitar as diversidades para fortalecer a identidade pessoal e cultural de todos e estimular o protagonismo e a participação comunitária (Milani, Jesus e Bastos, 2006; Nunes & Branco, 2007).

Observamos, todavia, que nem sempre as escolas estão atentas ao desenvolvimento social e emocional das crianças e o bullying é reflexo da desconsideração desse aspecto. Uma vez que a escola, muitas vezes incentivada pelas famílias, concentra sua atenção em aspectos cognitivos dos alunos, ela frequentemente não intervém em situações de bullying, competição e individualismo, deixando as crianças sofrerem em um ambiente escolar hostil, e isso leva a consequências na vida adulta.

Para prevenir e resolver situações de bullying na escola é necessário, portanto, provocar a mudança do paradigma educacional. Com essa mudança, a educação descompromissada do trabalho dos valores sociais construtivos passa, intencionalmente, a incluir a paz no currículo escolar. A educação para a paz é um processo educativo contínuo e permanente, fundamentado em dois conceitos: paz –– se há paz, há satisfação das necessidades humanas básicas, justiça e respeito aos direitos humanos ––, e resolução pacífica e criativa do conflito –– o conflito ocorre quando pessoas e grupos lidam com valores ou interesses contrários (Jares, 2007).

A educação para a paz prevê a ação ética e cidadã de respeito ao próximo na vida cotidiana da escola e, por isso, se foca no trabalho sério em torno de crenças e valores que permeiam a violência e a paz. A educação para a paz, de fato, significa a disposição de construir a paz de forma permanente, valorizando a criatividade como propulsora do desenvolvimento de estratégias de ensino. Nesse caso, o respeito ao próximo e o conteúdo pedagógico andam articulados. Não há, contudo, receitas nem diretrizes de como promover a paz na escola. O foco não está na aplicação simplista de projetos para a paz, mas no convite à reflexão e à mudança de crenças e valores sociais com a construção criativa de estratégias para a paz pelos professores e pelos alunos (Mitjáns-Martinez, 2008). A construção coletiva de ações em prol da paz poderá, sem dúvida, prevenir casos de bullying na escola, pois a paz, alicerçada no respeito ao outro, é incompatível com comportamentos que agridam física e/ou psicologicamente esse outro (bullying).

Segundo Arocena (2006), a cultura da paz não erradica o conflito, que é inevitável nas relações humanas, mas o maneja de forma construtiva. Como discutimos em seções anteriores, não há receituário para que se resolva todos os conflitos das nossas vidas; ou seja, a cultura da paz

não se trata simplesmente de dizer às pessoas como praticar a negociação, a mediação e a facilitação; a prática efetiva somente chega com o tempo a partir de bom conhecimento teórico

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e uma experiência continuada repensando-se a si mesma e aprendendo com seus fracassos. Um sólido e claro marco teórico é necessário para guiar uma prática efetiva, assim como para ajudar-nos a aprender com ela; mas inclusive mais importante que a teoria e a prática são os próprios valores. Um compromisso sério com valores de paz e com a resolução não violenta das diferenças inevitáveis é o terreno mais firme do qual podemos operar a transformação construtiva dos conflitos (Mayer, 2000) (Arocena, 2006, p. 65-66).

Aprender por meio da cooperação entre os colegas é um caminho importante para o desenvolvimento de sentimentos construtivos, como a empatia e a solidariedade. Por meio da aprendizagem cooperativa, as crianças têm a oportunidade de pensar sob a perspectiva do outro, comunicar e ouvir diferentes pontos de vista, resolver conflitos, realizar a divisão justa do trabalho, coordenar tarefas com os outros e contribuir para o sucesso do colega e do grupo como um todo (Lickona, 1991).

Em um contexto social em que prevalece o respeito pelo outro, a comunicação e a resolução construtiva dos conflitos, sentimentos empáticos e comportamentos pró-sociais têm maior probabilidade de ocorrer. Sentimentos e comportamentos hostis e violentos, como o bullying, terão maior chance de serem discutidos e evitados em sala de aula, e não naturalizados, como acontece em muitas escolas da atualidade.

Da mesma maneira, caso as famílias priorizem em casa sentimentos de respeito mútuo e comportamentos pró-sociais, sem dúvida as crianças, desde muito pequenas, internalizarão a importância do outro e dos valores sociais construtivos. Famílias que priorizam a cooperação e o respeito mútuo tendem a promover uma infância mais feliz e, seguindo o exemplo, as crianças se tornam mais aptas a lidar socialmente com outras de forma respeitosa e pacífica. Beane (2010) sugere, por exemplo, que os pais de vítimas de bullying não estimulem a vingança e a revanche por meio da violência, mas incentivem a criança a lidar com as situações difíceis usando estratégias de assertividade, capazes de fortalecer sua autoconfiança.

A promoção da educação para a paz na escola implica considerar as crenças e os valores do professor e seu papel ativo, capaz de produzir transformações na sala de aula, valorizando a diferença entre os alunos e o respeito ao ser humano durante o processo de aprendizagem. Intervenções feitas junto aos docentes, que valorizem a cultura individual e privilegiem a discussão das emoções e do contexto relacional em que eles estão inseridos, tendem a provocar neles a ação reflexiva, a consciência do seu papel transformador, dos seus valores, de suas motivações e seus afetos no processo de ensinar-aprender. Tudo isso os motiva a promover aulas criativas e permeadas de respeito aos alunos (Branco, 2009; Fante & Pedra, 2008; Miranda & Dusi, 2011; Mitjáns-Martinez, 2003, 2009; Scoz, 2009).

As instituições educativas podem e devem atuar no campo da promoção concreta de interações humanas saudáveis, éticas e respeitosas, promovendo valores relativos à justiça, à dignidade humana e à responsabilidade social. Quanto mais cedo isso for feito, mais os alunos serão beneficiados em seu

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desenvolvimento. Daí o foco deste trabalho no estudo do bullying e na promoção da cultura da paz, baseado nos seguintes pressupostos teóricos:

1) O bullying é um fenômeno derivado das relações sociais de poder, no caso específico deste estudo, das relações encontradas em determinado grupo de pares com cultura específica; 2) Cada escola ou turma possui dinâmica própria e uma cultura de pares específica, ou seja,

algumas podem ter diferentes práticas de bullying e outras praticamente não o apresentarem; 3) O conhecimento teórico do fenômeno bullying pelas equipes administrativa e pedagógica da

escola e pelas crianças não significa que o bullying seja por eles facilmente identificado, analisado, coibido ou evitado;

4) Existe maior probabilidade de as crianças que sofrem preconceito e discriminação fora da escola também serem vítimas de bullying no contexto escolar;

5) Crianças que não são vítimas de preconceito e discriminação fora da escola podem também ser vítimas de bullying no contexto escolar.

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CAPÍTULO 3 - BULLYING ESCOLAR COMO FENÔMENO

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