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Capítulo 2. Construção da cultura da paz no contexto escolar

2.3. Repensando os objetivos da escola

Por ser a escola um lugar privilegiado de aprendizagem e desenvolvimento relativos a várias dimensões humanas que envolvem desde a cognição até o desenvolvimento sócio afetivo, o foco deste trabalho é o estudo do bullying na instituição escolar. A educação formal “é uma forma de socialização em que os adultos se envolvem no ensino deliberado dos jovens, para garantir a sua aquisição de conhecimento e habilidades especializadas” (Cole & Cole, 2004, p. 523). Na escola, o adulto se envolve deliberadamente na ação de ensinar determinados conhecimentos e, segundo Lima (2002), no contexto escolar, ao contrário do que ocorre em situações de aprendizagem na vida cotidiana,

não há imediaticidade no conhecimento organizado, ele tem como pressuposto o desenvolvimento do pensamento através da aquisição de processos de trabalho e da construção de conceitos. A importância do conhecimento, na verdade, não se guia por sua aplicabilidade imediata à vida cotidiana, mas pela pertinência dos conceitos e dos processos de construção dos conceitos ao processo global de desenvolvimento. É por esta via, a do desenvolvimento do sujeito, que o conhecimento adquirido na escola atinge a prática do cotidiano, na medida em que a forma pela qual o indivíduo percebe o cotidiano é afetada pelo desenvolvimento provocado pelas aprendizagens na escola (p. 8).

A escola ocupa, portanto, social e historicamente, lugar de destaque em nossa cultura. A família espera que, ao final de treze anos de escolarização, suas crianças atinjam uma série de competências que lhes possibilitem ingressar no mercado de trabalho ou, ainda, de prosseguir os estudos, ingressando no ensino superior. O papel socializador da escola é tão marcante quanto sua função de mediar conhecimentos, pois ambos são, como visto anteriormente neste texto, absolutamente integrados e interdependentes.

Pais, professores, pares mais experientes, mídia etc. estão intrinsecamente envolvidos na canalização do desenvolvimento das crianças ou pessoas menos experientes (Valsiner, 2006). Esses agentes têm, intencionalmente ou não, influência na socialização das crianças, no processo de integração da criança ao grupo social mais amplo. Durante o processo de socialização ou de “pertencer ao grupo social”, a criança internaliza, de forma particular, valores, regras, comportamentos etc., compartilhados pelo grupo do qual faz parte.

É necessário discutir, porém, que papel as instituições educativas vêm desempenhando no desenvolvimento social e afetivo das crianças. Como afirma Barreto (2004), tudo indica que o

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desenvolvimento mereceu destaque em tais contextos, entretanto é urgente que tais informações, de fato, sejam utilizadas para promover o desenvolvimento global das crianças.

Ao se discutir a socialização e o desenvolvimento das crianças, é essencial ressaltar a importância das interações sociais construtivas entre elas. Destaca-se, em especial, o papel das interações denominadas construtivas pela literatura especializada (Branco, 2003, 2009, 2011, 2012). Tais interações, que vão do conflito construtivo à ajuda solidária, são experiências muito importantes para o desenvolvimento global da criança, que inclui múltiplos domínios, como a psicomotricidade, a personalidade e as dimensões sócio-emocional e cognitiva (e.g. DeVries & Zan, 1998).

É necessário repensar as práticas educativas com foco na construção de estratégias de ensino que privilegiem o desenvolvimento da criança em ambiente escolar permeado de experiências e valores construtivos. Sem dúvida, a dinâmica da sala de aula é repleta de crenças e valores culturais, estes considerados crenças mais arraigadas e persistentes ao longo do tempo (Barreto, 2004; Valsiner, Branco & Dantas, 1997). Embora mencionadas pelos educadores quando questionadas a respeito dos objetivos educacionais a alcançar, tais crenças e valores não têm recebido a devida atenção em termos de currículo e metodologias de promoção da aprendizagem e do desenvolvimento dos alunos nos contextos educacionais (Barreto, 2004; Branco, 2009; Branco & Mettel, 1995; Branco & Madureira, no prelo). Considerar seriamente a dimensão motivacional relacionada a crenças e valores humanos, com certeza, potencializará, ou minimizará, as oportunidades de socialização e de desenvolvimento da criança.

Contextualizando o Ensino Fundamental em nosso país, desde 2006, a educação nacional obrigatória é orientada pela Lei no 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, que ampliou o Ensino Fundamental para nove anos de duração. A Resolução no 3 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica (CNE/CEB), de 3 de agosto de 2005, indicou a nomenclatura a ser adotada para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental. O Ensino Fundamental, anteriormente dividido em séries, da 1ª a 8ª, com a matrícula de crianças a partir dos 7 anos de idade, atualmente tem a divisão feita em anos, do 1º ao 9º, sendo o 1º ano para as crianças de seis anos de idade (Ensino Fundamental de nove anos: passo a passo da implantação, 2009). A escola analisada neste estudo abrange os anos iniciais do Ensino Fundamental, ou seja, do 1º ao 5º ano –– nossos participantes são crianças dos seis aos dez anos de idade, além da equipe pedagógica e administrativa da escola, dos alunos e dos professores do 5º ano.

A Resolução CNE/CEB nº 2, de 7 de abril de 1998, alterada pela Resolução CNE/CEB no 1, de 31 de janeiro de 2006, dita:

Art. 3º. São as seguintes as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental: I - As escolas deverão estabelecer como norteadores de suas ações pedagógicas:

a) os princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum;

b) os princípios dos Direitos e Deveres da Cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática;

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c) os princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais.

Como observamos, as diretrizes legais do nosso país preveem a inclusão no currículo das escolas do Ensino Fundamental de temas relacionados ao desenvolvimento de valores sociais –– como solidariedade, cidadania, democracia ––, e a valorização da criança em sua singularidade, pois ressalta a importância da manifestação da sensibilidade e da criatividade. Dessa maneira, após repensarmos o currículo oculto das escolas, é importante analisarmos quais são os norteadores da ação pedagógica elencados. Perguntas norteadoras podem ser: Como, as diretrizes das ações pedagógicas podem, na prática, promover valores sociais construtivos e prevenir o bullying? Como as diretrizes estão incluídas nas ações cotidianas na escola?

Com base na legislação brasileira sobre o Ensino Fundamental e nos temas analisados até este ponto do trabalho, fica explícito que ações isoladas e pontuais para o trabalho de valores construtivos entre as crianças, como a solidariedade, podem não ser tão eficazes quanto práticas construídas com as crianças diariamente nos conteúdos escolares, nas práticas sociais cotidianas. Pensamos que estabelecer “O Dia do Amigo” ou o “Dia da Solidariedade” pode ressaltar de forma teórica e pontual o valor do amigo e de se ajudarem as pessoas. Na prática, contudo, o valor de tais temas pode se esvair caso a equipe administrativa, pedagógica e docente da escola, de forma sutil (currículo oculto) ou explícita, coibir ações solidárias entre as crianças ou divulgar textos com mensagens preconceituosas.

Os objetivos da escola, em nossa perspectiva, devem envolver ações práticas voltadas ao desenvolvimento tanto cognitivo quanto emocional e social das crianças. É, portanto, importante, como caminho, a efetiva inclusão de valores sociais construtivos nas práticas educativas. A cooperação, a empatia, a solidariedade, a amizade, a paz, o amor ao próximo etc. devem perpassar todas as atividades pedagógicas e os professores e demais adultos da escola precisam se tornar exemplos de ações construtivas. Sem dúvida, é fundamental que as famílias dos alunos sejam motivadas pela escola a se envolverem com as ações escolares pedagógicas, incluindo a promoção de valores construtivos em casa. Ao observarem os adultos engajados na divulgação de valores, sentimentos e comportamentos construtivos, os alunos poderão ter maior facilidade de internalizá-los e de desenvolver habilidades sociais que os acompanharão mesmo na vida adulta. Crianças hoje motivadas a resolverem conflitos de forma positiva, se estiverem engajadas em ações pró-sociais, sensíveis ao sofrimento do outro, poderão, no futuro, colaborar na construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e pacífica.

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