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PARTE II – O BERIMBAU DA CAPOEIRA

3.1 A CONSTRUÇÃO DO BERIMBAU E DO CA

O berimbau é composto de uma verga de madeira, um disco de couro, dois pregos pequenos, um pedaço de arame de aço, dois pedaços de barbante, uma cabaça, uma baqueta, um dobrão e o inseparável caxixi.

A verga do berimbau é de madeira flexível e resistente, de aproximadamente oito palmos ou 1,5m de comprimento a 2m, e mais ou menos 4cm de diâmetro na parte mais fina e 6cm de diâmetro na parte mais grossa da verga. Se a verga for retirada diretamente da árvore é indicado que se retire pelo menos três dias depois da lua cheia, ou seja, na lua minguante ou decrescente já que neste período a concentração de seiva é maior nas raízes e por isso a verga secará mais rápido. Na extremidade de maior diâmetro é feito um encaixe e na outra extremidade – bem plana – se fixa, (através de dois pequenos pregos colocados em paralelo; a corda de aço deve passar pelo meio dos pregos) um disco de couro que impedirá que a corda de aço cause algum dano à madeira.

Figura 9 - Encaixe da verga Fonte: Arquivo pessoal, 2011.

Figura 10 - Posição dos pregos no disco de couro Fonte: Arquivo pessoal, 2011.

As cascas da madeira são retiradas e depois disto, a madeira é lixada. É importante citar que a verga deve ser muito bem lixada para não deixar nenhuma marca ou sulco na madeira, pois, caso isso aconteça, a verga começará a quebrar a partir dessas marcas ou sulcos que fragilizam a superfície da madeira. Algumas das espécies de vegetais que têm sua madeira flexível e resistente ao arqueamento e por isso são utilizadas para fazer berimbau são: biriba (eschweira ovata), café (coffea arabica),

goiaba (psidium guajava), araçá (psidium araca raddi) e pau d‟arco (tabebuia impetiginosa).

Sobre as madeiras utilizadas no Pará Mestre Silvério explica:

Nossos primeiros berimbais eram feitos de taboca, o pessoal chama de bambú, era de taboca, eu ia na beira do rio, às vezes até lá no Bosque Rodrigues Alves, eu ia por lá e roubava uns bambus de lá. No Marajó chamavam de taboca, foram os primeiros berimbais que eu fabricava aqui, era madeira fácil de encontrar, é árvore nativa. Aí depois que eu já descobri também que a jeniporana, jeniporana lá no Marajó. Algumas pessoas aqui chamam de jeniparana. Eu usava porque ela é muito flexível e resistente. Se você tira um galho da jeniporana ou jeniparana e deixar secar à sombra, ele não racha. Depois que você tira a casca dele e você enverniza, você diz que é uma biriba. Porque é dura, é resistente e devido à flexibilidade quando você desverga ele (o berimbau), ele volta pro estado natural, normal dele, tranquilo. É só não deixar armado! Café eu já usei, eu já usei verga de café, mas de goiaba eu nunca usei.

Araçá também não, araçá é muito flexível, mas deixa um bocado de carocinhos. Tem gente que usa envireira-preta ou canela-de-velho, tem gente que usa canela-de-velho, tem um madeira que chama canela-de-velho e ela é muito forte.

[...]

Envireira-preta, envireira-preta. Ela é muito forte, a gente usa também pra pescar, pra fazer caniço, pra pescar. Envireira-preta, muito boa e a canela-de-velho que também é muito boa. Aqui no Pará também tem a mata-matá, que [também] dá nome pra um quelônio. Dá nome também pra uma madeira.

Eu nunca usei o pau d‟arco, mesmo porque as árvores que eu encontrei de pau d‟arco eram muito altas e o pau muito grosso (Mestre Silvério, 2013).

O arame utilizado outrora era um arame comum de cerca. Depois que os primeiros veículos motorizados tornaram-se comuns, e quando se fizeram os pneus com arame de aço, é que o arame passou a ser retirado do pneu. A borracha é cortada do centro do pneu até achar o início do arame.

Figura 11 - Arame sendo retirado do pneu Fonte: Arquivo pessoal, 2011.

Depois, desenrolam-no, dando comumente um comprimento de 15 até 17 metros. A borracha que resta no arame é retirada com uma faca e, em seguida, a lixa é passada para limpar completamente o arame. Depois de limpar bem o arame, num dos extremos do mesmo é feita uma laçada de tamanho certo para caber exatamente no encaixe cortado na extremidade inferior do berimbau (SHAFFER, 1977, p.19).

Figura 12 - Laçada para o encaixe Fonte: Arquivo pessoal, 2011.

Figura 13 - Laçada para o barbante Fonte: Arquivo pessoal, 2011.

Importante citar que o arame deve ser cortado 20cm maior do que a verga para que essa sobra do arame dê voltas na verga antes de o barbante começar a ser preso.

A cabaça é a caixa de ressonância que amplia o som do berimbau.

É o fruto da cabaceira. A cabaça, depois de bem seca, é cortada em uma extremidade, na parte menos plana. As sementes são tiradas e a cabaça é limpa por inteiro, por fora e por dentro. É passada uma lixa para a limpeza final e para alisar a boca, que geralmente é chanfrada para o lado do dentro. São perfurados dois buracos na parte superior (o lado da haste), separados pela distância da largura da parte inferior da verga do berimbau (SHAFFER, 1977, p.21). Um barbante é passado pelos orifícios. O barbante deve ser do tamanho suficiente para a cabaça ficar presa à verga e sobrar um pequeno espaço para colocar o dedo ao segurar o berimbau. A cabaça do Gunga tem aproximadamente 60cm de diâmetro, do Médio 50cm e do Viola 40cm.

Figura 14 - Cabaça inteira Fonte: Arquivo pessoal, 2011.

Figura 15 - Cabaça cortada Fonte: Arquivo pessoal, 2011.

Figura 16 - Cabaça furada Fonte: Arquivo pessoal, 2011.

Figura 17 - Cabaça com o barbante Fonte: Arquivo pessoal, 2011.

O caxixi é uma cestinha cilíndrica de aproximadamente 10cm de altura, com fundo de pedaço de cabaça e a extremidade superior fechada e com alça por onde é presa a mão que segura a baqueta (SANTOS, 1990, p.91).

Figura 18 - Caxixi Fonte: Arquivo pessoal, 2011.

O caxixi é um objeto representante da percussão afro-brasileira, extremamente popularizado através da capoeira, na qual é parceiro do berimbau. Este chocalho de cesto é um dos instrumentos percussivos que saiu do berço africano, onde era utilizado em contextos cerimoniosos e rituais, atravessou o oceano na memória dos escravos e se recriou no Brasil (GALLO, 2012, p.36).

Esse parceiro do berimbau – o caxixi – é um chocalho, no seu interior contém sementes, conchinhas, pedrinhas ou grãos que geram som ao baterem contra si mesmos, no pedaço de cabaça e na parede de palha. O conteúdo comumente usado nele são as sementes da árvore conhecida como Falso Pau-brasil ou Sibipiruna (caesalpinia peltophoroides). Por ser muito dura e resistente ao choque produz um som forte e, por isso, sua utilização é valorizada na confecção do caxixi.

Na capoeira, onde é usado junto com o arco musical – o berimbau –, o caxixi duplica o padrão rítmico dado pela baqueta na haste metálica do arco, e/ou dá ornamentações rítmicas entre o ritmo básico marcado no arco (MUKUNA, 1977, p.90).

Para fazer um caxixi é necessário:

- pegar um pedaço de cabaça e cortar em formato redondo; - fazer furos em número ímpar, geralmente cinco ou nove furos; - passar verticalmente pedaços de cipó entre os furos;

- passar horizontalmente o cipó alternando por dentro e por fora dos pedaços verticais de cipó;

- deixar uma pequena abertura para colocar as sementes; - colocar um pouco de sementes dentro do caxixi;

- continuar trançando o cipó até fechar por inteiro o caxixi;

- fazer a alça, onde ficam os dedos, com a sobra do cipó em vertical; - completar a alça reforçando com cipó.

O caxixi é um instrumento musical idiofônico. Por instrumento idiofones entende-se aqueles que vibram por si mesmo ou por percussão, como matracas, guizos, chocalhos (como o caxixi utilizado na capoeira em comunhão com o berimbau), maracás, bastões de ritmo etc. Alguns desses instrumentos são tocados, isto é, o som é produzido diretamente (o caxixi, por exemplo), enquanto outros soam devido a movimentos indiretos que os fazem vibrar como colares e cintos de guizos (ALMEIDA, 1942, p.35).

O caxixi é utilizado separadamente do berimbau em outras manifestações culturais brasileiras. Na capoeira, existe a inseparável parceria entre o berimbau e o caxixi.

A baqueta é usada para percutir a corda do berimbau.

Figura 19 - Baqueta Fonte: Arquivo pessoal, 2011.

É uma vareta de madeira de aproximadamente 40cm de comprimento, deve ser de uma madeira de média densidade, não muito leve, tampouco pesada. Deve ser

inteiramente torneada, de forma cilíndrica com o lugar por onde será segurada de maior diâmetro e desse modo afinando até a outra extremidade.

Os barbantes devem ser resistentes e preferencialmente de algodão.

O barbante tem que ter comprimento suficiente para dar várias voltas ao ser amarrado na verga e ser preso na pequena alça, feita na outra extremidade da corda de aço. Deve ser colocado de modo que possa ser facilmente retirado da alça caso o arame quebre e seja necessário substituí-lo. O barbante que prende a cabaça na verga deve ser de fios duplos e enrolados entre si para dar maior resistência.

O dobrão era uma antiga moeda de 40 réis, segurada entre os dedos polegar e indicador para variação sonora através da aproximação e do afastamento no arame, esticando ou soltando a corda. Podemos usar uma pedra em substituição ao dobrão. Também usamos uma peça de cobre, aço ou ferro com a forma parecida com a de uma moeda.

Figura 20 – 40 Réis, 1889, Brasil, Bronze, diâmetro – 30 mm, 12g. Fonte: http://www.brasilmoedas.com.br/cat-816-40-reis-1889.html. Acesso em: 04/04/2013.

Figura 21 - Pedra Fonte: Arquivo pessoal, 2011.

Na exploração sonora dos materiais acima descritos, no uso do berimbau dentro da tradição da capoeira, os principais elementos sonoros levados em conta são:

- as duas notas42 de corda, quando percutida com o vintém (ou pedra, ou arruela, ou dobrão) encostado à corda (produzindo som agudo) e a corda solta (som grave);

- o repique (som de chiado, conhecido como “escracho”), devido ao fato de encostar o vintém de leve contra a corda, uma espécie de enfeite ou adorno destas duas notas principais ou básicas;

- o uso do caxixi;

- também devemos levar em conta que, ao fazer o repique, colamos a cabaça ao corpo, e quando damos a nota grave ou aguda, afastamos mais ou menos o instrumento do corpo, criando diversas variações sonoras (NESTOR, 2000, p.116).