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A construção de mapas mentais

No documento Camila Portella Neves.pdf (páginas 60-63)

01. REFLETINDO SOBRE A QUESTÃO DA CEGUEIRA

1.2. CEGUEIRA E SEUS EFEITOS NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO

1.2.4. A construção de mapas mentais

Para o vidente, a percepção visual é o principal canal de veiculação e acesso às informações que serão posteriormente utilizadas na construção das representações do mundo. A pessoa cega, por não conseguir elaborar diferenças entre semelhanças dos objetos do ambiente através da visão, compreende o mundo em sua volta pelos códigos sonoros de suas características ou mesmo pela percepção tátil.

Os mapas, portanto, permanecem armazenados na memória. Desta maneira, sempre que for solicitada a imagem de uma palavra, busca-se nos registros mentais as informações anteriormente apreendidas referentes a tais mapas.

Essas informações explicam a capacidade do homem evocar imagens mentais de um acontecimento ocorrido há muito tempo atrás e, ao mesmo tempo, experimentar os sentimentos ligados a tal situação como se ela estivesse ocorrendo naquele exato momento.

Como se verifica, a memória do homem pode realizar uma série de operações, dentre as quais a identificação e classificação de sons, sinais, cheiros, sensações, gostos, etc.

Neste sentido, como parte do processo estar consciente, o cérebro humano é capaz de criar padrões neurais que organizam as experiências vividas sob a forma de imagens.

Sabemos que todos temos ou que possuímos imagens, que elas vivem em nossos corpos ou em nossos sonhos e esperam para serem convocadas por nossos corpos a aparecer. Algumas línguas, como o Alemão, distinguem um termo para memória como um arquivo de imagens (Gedächtnis) e um termo para memória como uma atividade, como é o caso da nossa lembrança de imagens (Erinnerung). Esta distinção

significa que ao mesmo tempo possuímos e produzimos imagens. Em cada caso, corpos (isto é, o cérebro) servem como uma mídia viva que nos faz perceber, projetar ou lembrar de imagens, o que também permite a nossa imaginação censurá-las ou transformá-las. (BELTING, 2006)

Ou melhor, mapas se constroem quando as pessoas interagem com objetos, com outras pessoas, com um local, ou qualquer coisa que esteja exterior ao cérebro, sendo direcionado para o interior deste.

Sobre esta característica única do cérebro em elaborar mapas discorre Damásio (2010, p. 89-90):

Quando o cérebro cria mapas, informa-se a si próprio. A informação contida nos mapas pode ser usada de forma não- consciente para orientar de modo eficaz o comportamento motor, uma consequência bastante desejável, tendo em conta que a sobrevivência depende da acção correta. No entanto, quando o cérebro produz mapas, também está a criar imagens, a principal moeda corrente da nossa mente. Em última análise, a consequência permite-nos aprender os mapas como imagens e permite-nos manipular essas imagens e aplicar-lhes o raciocínio.

Para Leão (2001, p. 3), “todo pensamento tem sua matriz nas imagens, imagens estas que indicam o tipo de sistema simbólico que permite o ‘ser no mundo’ do pensamento”.

Mas o que seriam esses mapas mentais? DAMÁSIO (2010, p. 97) explica que:

Os padrões mapeados constituem aquilo que nós, criaturas conscientes, apreendemos como sons, texturas, cheiros, sabores, dores e prazeres – ou seja, imagens. As imagens nas nossas mente são os mapas instantâneos do cérebro e mais alguma coisa, dentro do corpo e à sua volta, tanto concreto como abstracto, do presente ou aquilo que foi anteriormente gravado na memória.

Melhor dizendo, as imagens elaboradas pelo cérebro ajudam a expor mentalmente os conceitos que correspondem ao objeto. Os sentimentos que compõem a base de cada momento mental, e que na grande maioria das vezes traduzem aspectos do estado corporal, são igualmente imagens. Assim sendo, a percepção, em qualquer que seja a modalidade sensorial, é resultado da competência cartográfica do cérebro.

Para Damásio, esses padrões mentais são provenientes de várias modalidades sensoriais: visual, auditiva, olfativa, gustatória e sômato-sensitiva. Em outras palavras, a formação das imagens mentais não depende apenas da visão, mas também de todas as atividades sensoriais provenientes dos estímulos que recebemos. Caso ocorra a ausência de um dos sentidos, a imagem mental é criada através dos demais sentidos de percepção.

A modalidade sômato-sensitiva (a palavra provém do grego soma, que significa “corpo”) inclui várias formas de percepção: tato, temperatura, dor e muscular, visceral e vestibular. A palavra imagem não se refere apenas a imagem “visual”, e também não há nada de estático nas imagens. A palavra também se refere às imagens sonoras, como as causadas pela música e pelo vento, e as imagens sômato-sensitivas que Einstein usava na resolução mental de problemas – em seu inspirado relato, ele designou esses padrões como imagens “musculares”. As imagens de todas as modalidades “retratam” processos e entidades de todos os tipos, concretos e abstratos. As imagens também “retratam” as propriedades físicas das entidades e, às vezes imprecisamente, às vezes não, as relações espaciais e temporais entre entidades bem como as ações destas. Em suma, o processo que chegamos a conhecer como mente quando imagens mentais se tornam nossas, como resultado da consciência é um fluxo contínuo de imagens, e muitas delas se revelam logicamente inter-relacionadas. O fluxo avança no tempo, rápido ou lento, ordenadamente ou aos trambolhões, e às vezes segue não uma, mas várias seqüências. Às vezes as seqüências são concorrentes, outras vezes convergentes e divergentes, ou ainda sobrepostas. Pensamento é uma palavra aceitável para denotar esse fluxo de imagens.” (DAMÁSIO, 2000, p. 402-403)

Neste mesmo sentido:

A medialidade das imagens transcende a esfera visual propriamente dita. A linguagem permite uma imageria verbal quando transformamos palavras em imagens mentais próprias. As palavras estimulam nossa imaginação, enquanto a imaginação, por sua vez, transforma as palavras nas imagens que elas significam. Neste caso, é a linguagem que serve como um meio para transmitir imagens. Mas aqui também ela necessita do nosso corpo para preenchê-las com experiências pessoais e significado; esta é a razão pela qual a imaginação tem geralmente resistido a qualquer controle público. (BELTING, 2006)

Johnson–Laird (1988, p. 99) exemplifica: “I say ‘table’ and as a result you have an image (or some less tangible representation) of a table”. As representações, segundo o autor, ocorrem através de um estímulo associativo

e, para ele: “an association is not a meaning. It is merely a link from the representation in memory to another: it leads from one thing to another”.

Ademais, como defende Damásio (2010, p. 99):

(...) as imagens baseiam-se em alterações que ocorrem no corpo e no cérebro durante a interacção física entre um objeto e o corpo. Sinais enviados por sensores localizados um pouco por todo o corpo criam padrões neurais que mapeiam a interação do organismo com o objecto.

Para Sperber, (1996, p. 61/77 apud QUINTAIS, 2009, p. 82):

Uma representação envolve uma relação entre estes três termos: um objecto é uma representação de algo, para um dispositivo de processamento de informação. (...) Podemos falar de representações como objectos físicos concretos no espaço e no tempo. Neste nível concreto, devemos distinguir dois tipos de representações: há representações internas ao dispositivo de processamento de informação, isto é, representações mentais; e há representações externas ao dispositivo e que o dispositivo pode processar como inputs, isto é, representações públicas.

Quando o cérebro constrói mapas, está se informando. O mapa mental é um leitor, formando uma interação com o que vem de fora (exterior) em relação ao corpo. São, portanto, representações de algo que já experiencializamos e vai se reproduzir na mente do indivíduo. É para a formação de mapas mentais que os neurônios se organizam no objetivo de formar as representações.

Neste sentido, através da percepção do som, o DV constrói mapas mentais no intuito de se manter informado. Sua mente se organiza no sentido de transformar o som em imagens neurais.

No documento Camila Portella Neves.pdf (páginas 60-63)