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SOM COMO INSTRUMENTO PARA VENCER A CEGUEIRA

No documento Camila Portella Neves.pdf (páginas 66-69)

02. SOBREVIVENDO AO MUNDO DAS IMAGENS

2.1. SOM COMO INSTRUMENTO PARA VENCER A CEGUEIRA

Felizmente, a maioria de nós é capaz de ver com os ouvidos de ouvir e ver com o cérebro, com o estômago e com a alma. (cineasta Wim Wenders – Janela da Alma).

Tudo o que passamos a conhecer do ambiente acontece através de energias físicas que afetam diretamente os receptores sensoriais das pessoas. Por exemplo, tudo o que ouvimos deriva de um padrão variado de vibrações transportadas pelo ar e conduzidas aos receptores do ouvido interno.

Como anteriormente analisado, todo conhecimento do mundo exterior é decorrente do funcionamento de nossos sentidos, através de uma ponte entre o ambiente físico e a ligação que temos dele.

(...) nossa total consciência da realidade exterior é primariamente um produto da sensação e da percepção. Nossos sentidos funcionam como único mecanismo detector da energia e das substâncias químicas que emanam do ambiente, sendo sobre essa base que construímos e avaliamos a realidade ambiental. Em suma, o conhecimento que tivemos do mundo exterior e a nossa sensação interna da realidade física derivam da coleta de informações sensoriais”. (SCHIFFMAN, 2005, p. 3)

O sentido da audição fornece ao indivíduo uma fonte sem igual de informações vitais acerca do que ocorre em nossas imediações. Sobre este sentido, discorre Schiffman (2005, p. 230): “É uma das sentinelas fundamentais de nossos sentidos: sempre vigilante, sempre alerta aos sinais auditivos. E, realmente, vivemos em um ambiente repleto de sons”.

Sensível ao som o responsável pelo equilíbrio do indivíduo, o ouvido humano se divide em três: externo, o médio ou tímpano o e o interno ou labirinto. Quando o canal auditivo é atravessado pela onda sonora, esta incide sobre a membrana do tímpano, fazendo-a vibrar. Os ossos associados ao tímpano formam um sistema mecânico que possui certas frequências de ressonância. O ouvido interno, por sua vez, se divide em duas partes: o labirinto, encarregado do equilíbrio, e o caracol, responsável por receber a sensação auditiva. No labirinto, existem três condutos semicirculares e dois sacos, o sáculo e o utrículo, no interior dos quais há uma terminação denominada mácula. Tal mácula é formada de fibras sensíveis as quais estão submersas em substâncias gelatinosas e que possuem forma de pelo. No extremo de tais pelos existe uma conexão com fibras nervosas as quais se comunicam com o cérebro. Assim, os nervos auditivos estão diretamente ligados ao cérebro.

Os sons fornecem às pessoas informações que permitem a percepção de características espaciais, como a localização e fontes emissoras de tais sons. Além do mais, a emissão e recepção de sons possibilitam uma forma importante de comunicação. No homem, essa captação de sons leva à percepção da música e da fala.

Assim, “os tipos de estímulos que associamos com o ouvido incluem sons tais como a fala, as notas musicais e os ruídos” (MUELLER, 1966, p. 68).

Quando ouvimos um som, imediatamente o localizamos; ouvimos um grupo de sons e reconhecemos a melodia; assim como quando ouvimos uma

série de fonemas, percebemos a fala. Em grande parte das situações do dia-a- dia, estamos em contato com um ambiente acústico vastamente complexo, a uma superexposição de sons simultâneos.

Entretanto, mesmo diante desta “cena auditiva” complexa, geralmente conseguimos captar fatos auditivos distintos e isolados. Em outras palavras, somos capazes de separar e reconhecer as diferentes fontes auditivas como fatos individuais fazendo uma análise perceptual do contexto auditivo.

Esta capacidade apurada em reconhecer os sons é que vem ajudando os deficientes visuais na construção de conceitos e consequentemente no estabelecimento da comunicação.

Como se sabe, a realidade é sempre mediada por conceitos que integram uma rede de significados e constrói o indivíduo. Assim, tais conceitos são capturados e estruturados na rede cognitiva como uma maneira de representar a realidade. Tais conceitos, portanto, tornam viável a comunicação entre as pessoas, já que são representados por signos construídos dentro de nossa cultura.

Os deficientes visuais, desde crianças, aprendem, como qualquer um, a formular conceitos e utilizá-los para compreensão do que têm acesso no dia-a- dia. Isto é, a deficiência em si não afeta na capacidade de aprendizagem, mas como a pessoa deficiente irá aprender. Desta forma, para atingir o mesmo nível de desenvolvimento da pessoa dita normal, é porque o deficiente conseguiu alcançar de outro modo, por outro caminho, e para isso contou, essencialmente, com os sentidos da audição e tato.

Os sujeitos com deficiências visuais são heterogêneos, se levarmos em conta duas características importantes: por um lado, o resíduo visual que possuem, e por outro, o momento de aquisição de sua deficiência, pois um sujeito cego de nascimento não é igual àquele que adquire essa condição ao longo da vida. Em função desse momento, seus condicionantes pessoais e suas aprendizagens serão totalmente diferentes. (GONZÁLEZ, 2007, p.102)

Como reforça MORAIS (2009, p.7): “Uma das principais dificuldades que estas crianças cegas congênitas enfrentam no que se refere ao desenvolvimento cognitivo, diz respeito à lacuna na apreensão dos estímulos devido à ausência da percepção visual” e complementa:

A percepção visual é o principal canal de veiculação e acesso às informações que serão, posteriormente, utilizadas para construção das representações da criança sobre o mundo. A criança cega, em função de não poder alcançar as semelhanças e diferenças dos objetos do ambiente através de imagens visuais, deverá compreender o mundo que a cerca pela indicação verbal das suas características, ou pela percepção tátil (...). MORAIS (2009, p.7)

A memória humana consegue realizar uma grande variedade de operações como, por exemplo, a identificação e classificação de sons, sinais, cheiros, gostos e sensações.

A imagem mental, portanto, não depende somente do sentido da visão, mas também, de todas as outras experiências sensoriais decorrentes dos estímulos que recebemos. Em outras palavras, no caso da ausência de um dos sentidos, a imagem mental é gerada por meio dos outros sentidos de percepção, a exemplo da audição.

Reforçando este pensamento, explica Vigotski (p. 10) que: “precisamente a linguagem, i.e., o uso da fala, é o instrumento para vencer as consequências da cegueira”.

No documento Camila Portella Neves.pdf (páginas 66-69)