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A rotinização do trabalho jornalístico instala-se numa redação informativa muito por influência dos valores-notícia. Estes são previamente definidos por cada órgão de informação e possuem uma importância extrema para o trabalho noticioso, uma vez que auxiliam os jornalistas a identificar se um acontecimento é ou não suscetível de ser transformado em notícia. Mas este é um assunto que será analisado particularmente no seguinte capítulo.

Todo este processo está envolto numa das teorias mais importantes do jornalismo: o newsmaking, que tem a ver com a existência de rotinas, a seleção de notícias e a produção das mesmas. Como salienta Vizeu (2002), “atualmente a investigação científica sobre o jornalismo e as notícias constitui um dos campos de investigação que vem apresentando um grande crescimento no campo mais amplo do media research ou mesmo communication research” e

quer que seja. A identificação como jornalista é a regra e outros processos só podem justificar-se por razões de incontestável interesse público.”; “O jornalista deve assumir a responsabilidade por todos os seus trabalhos e actos profissionais, assim como promover a pronta rectificação das informações que se revelem inexactas ou falsas. O jornalista deve também recusar actos que violentem a sua consciência.” 6. “O jornalista deve usar como critério fundamental a identificação das fontes. O jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação, nem desrespeitar os compromissos assumidos, excepto se o tentarem usar para canalizar informações falsas. As opiniões devem ser sempre atribuídas.”; 7. “O jornalista deve salvaguardar a presunção da inocência dos arguidos até a sentença transitar em julgado. O jornalista não deve identificar, directa ou indirectamente, as vítimas de crimes sexuais e os delinquentes menores de idade, assim como deve proibir-se de humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor.”; 8. “O jornalista deve rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas em função da cor, raça, credos, nacionalidade ou sexo.”; 9. “O jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos excepto quando estiver em causa o interesse público ou a conduta do indivíduo contradiga, manifestamente, valores e princípios que publicamente defende. O jornalista obriga-se, antes de recolher declarações e imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas.”; 10. “O jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios susceptíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional. O jornalista não deve valer-se da sua condição profissional para noticiar assuntos em que tenha interesses.” (Sindicato dos Jornalistas)

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nessas pesquisas destacam-se os estudos sobre os “efeitos dos mass media e a forma como eles constroem a imagem da realidade social” (p. 76).

João Carlos Correia (2012) sustenta que, “nesta perspetiva, mais do que simples espelhos de uma realidade pré-existente, os jornalistas e os enunciados por eles produzidos intervêm na construção das condições e do modo em que a realidade é percecionada” (p. 83). Significa isto que, quando os jornalistas dão a conhecer ao telespectador um determinado acontecimento, não conseguem reproduzir uma representação fiel do acontecimento em si, acabando, assim, por noticiar uma construção do mesmo, ou seja, uma construção da realidade assimilada. Para Jean Jacques-Jespers (1998), todo o discurso sobre o real é uma interpretação do real: “o simples facto de tomar a palavra para descrever uma situação é um acto profundamente pessoal” (p. 54).

As notícias são quase sempre produto de uma dupla interpretação: a do jornalista e a dos telespectadores. Como refere Eco (2007), citado por Gustavo Cardoso e Pedro Pereira Neto, “(…) se todos os factos são conhecidos através da nossa interpretação” significa, de acordo com Silverstone (2006), citado pelos mesmos autores, que “todo o processo de mediação, onde os factos sejam descritos, analisados e transmitidos a terceiros, através de um processo de mediação” possui duas interpretações: a do jornalista e a do destinatário (p. 33).

Também Nuno Goulart Brandão (2006) acredita que os meios de comunicação social, através dos seus discursos, constroem representações e relatos da realidade. São, segundo o autor, os principais construtores da realidade, tendo em conta o poder que têm em determinar “os acontecimentos a transformar em notícias” (p. 16). Contudo, frisa Brandão, o papel principal de construtor da realidade social é atribuído ao meio televisivo, mais especificamente aos telejornais que são emitidos em horário nobre da televisão generalista portuguesa, uma vez que:

Muitas das crenças hoje existentes sobre o mundo derivam das leituras efectuadas nos media e, principalmente, na televisão. Mais precisamente, na visualização sobre a realidade que é feita na informação e sobretudo nos seus noticiários televisivos. Os telejornais são poderosos instrumentos de cognição social, sendo por isso decisivos na valorização das diferentes singularidades de vozes e interesses sociais perante os cidadãos (Brandão, 2010, p. 131).

Por essa razão, e como sustenta João Carlos Correia (2011), já se verifica “um certo consenso científico na aceitação da ideia de que as notícias não reflectem a realidade social, antes activamente a constroem” (p. 195). Significa isto que os jornalistas não são meros observadores da realidade, eles próprios, através das interpretações que fazem dos acontecimentos, da forma como escrevem a mensagem informativa e a apresentam ao espectador, ajudam a construí-la. Assim, não consideramos que seja indicado atribuir-lhes a designação de transmissores da realidade, mas sim de construtores da mesma, ainda que não o sejam de uma forma intencional.

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Sabe-se que o jornalista tem como função ocupar o papel de mediador entre a realidade e os recetores, efetuando, assim, “a selecção de uma entre várias realidades, com a finalidade de a transformar em notícia, e a selecção dos fragmentos representativos da realidade são os momentos nucleares dessa mediação” (Canavilhas, 2001, p. 2). Então, sublinha o autor, ao selecionar, de entre um conjunto diverso de acontecimentos, os que são passíveis de se transformar em notícia, ao destacá-los e alinhá-los, a mediação pode, desde logo, assumir alguns contornos de manipulação. Contudo, parte dessa manipulação pode resultar da vontade de o jornalista “apresentar a informação com clareza e perceptibilidade” (p. 2).

Segundo Mariano Cebrián Herreros (1998), a produção informativa efetua-se de acordo com

duas mediações: a técnica e a humana. “Há tratamentos naturais e artificiais”46, sendo a

manipulação natural provocada pela tecnologia e a artificial “idealizada pela mediação

humana”47. Assim, o autor acredita que as manipulações naturais, ou seja, as que têm a ver

com a parte tecnológica, funcionam como uma espécie de desculpa para as manipulações voluntárias - aquelas que são provocadas pelos jornalistas. No entanto, quer o tratamento da produção noticiosa seja de carácter natural ou artificial, a verdade é que se trata sempre de um processo que altera a realidade, o que significa que a realidade que é transmitida ao espectador nunca é o reflexo da realidade que o jornalista, enquanto contador daquele acontecimento, vivenciou. Primeiro porque, como verificamos, pode ser alterada tecnologicamente e, segundo, porque “não permite que o jornalista se desvincule das suas próprias vivências quando constrói uma notícia sobre o tema (Sá, 2017, p. 181). Por esse motivo, Herreros (1998) salienta que passam a existir três realidades: “uma realidade natural, uma

realidade percebida e uma realidade informativa”48, isto é, aquela que é passada para o

espectador (p. 41).

Por sua vez, João Canavilhas (2001) enumera um conjunto de quatro mediações que podem estar na origem de possíveis manipulações, a saber: mediação com base na organização interna e na ideologia do meio, o que significa que a aceitação ou rejeição de determinadas notícias pode ser condicionada por questões relacionadas com a ideologia ou suporte económico do medium em questão; a mediação baseada nos canais ou fontes de informação, que tem a ver com a necessidade de se criarem rotinas de trabalho de forma a garantirem mais eficácia; mediação baseada no processo de produção, que se relaciona com questões relativamente ao meio em que a informação é divulgada e ao seu formato e, por último, a mediação técnica, que, tal como também salienta Herreros (1998), tem a ver com o trabalho efetuado pelos repórteres e editores de imagem.

46 Tradução do texto original: “Hay tratamentos naturales y artificiales”. 47 Tradução do texto original: “ideologizada por la mediación humana”.

48 Tradução do texto original: “una realidade natural, una realidade percebida y una realidade

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A realidade pode ser construída não só pelo texto jornalístico, mas também através de um conjunto de elementos como o som, a imagem, o cenário, entre outros. Por essa razão, Paquete de Oliveira (1998) atribui um papel duplo à mediação desempenhada pela televisão. O autor destaca que esta ocupa uma “mediação cognitiva”, na medida em que noticia a realidade, oferecendo aos telespectadores uma visão do mundo, e uma “mediação estrutural” pois com o seu discurso, ou seja, com a forma como descreve a história e os elementos que usa para o fazer, está a construir a própria realidade [como referido em Brandão (2010, p. 130)].

Verifica-se, então, que os jornalistas constroem, diariamente, a realidade. Fazem-no através das peças que redigem, das imagens e sons que selecionam para acompanhar os textos, dos cenários em que os exibem, entre outros. Este é, portanto, um trabalho realizado de acordo com os critérios da organização onde trabalham, uma vez que os jornalistas só noticiam aquilo que a organização pretende, isto é, o que, na opinião dos responsáveis editoriais da mesma, é importante para a sociedade. Ora, ao selecionarem esse conjunto restrito de notícias para serem passadas para o espectador, os órgãos informativos já estão a induzir uma construção da realidade, uma vez que só estão a emitir as notícias que, de certa forma, lhes são mais convenientes. Significa, então, que os espectadores, só têm acesso às informações filtradas, não conseguindo, de nenhuma forma, aceder à realidade tal e qual ela é, uma vez que os órgãos de informação só tornam público aquilo que querem. Ao fazê-lo estão, indiscutivelmente, a construir a realidade, passando-a a todos os que consumam aquela informação, uma vez que, como já verificamos, os média têm um papel preponderante na construção da agenda pública. No entanto, cada estação televisiva faz a valorização das diversas notícias que emitem no seu telejornal de acordo com os seus próprios critérios. E, por norma, o que elas julgam que é importante para a sociedade é o que os cidadãos querem, ou seja, notícias-espetáculo e, por isso, essa é uma prática cada vez mais visível nos telejornais portugueses:

(…) o trabalho diário rotineiro da produção jornalística – o newsmaking – ignora hoje determinadas áreas da realidade social em detrimento de um crescente assédio mediático pelo insólito, pelo negativo e pela catástrofe, procurando a todo o custo, mesmo nas notícias referentes à política nacional, a lógica impiedosa da concorrência. Este posicionamento leva os jornalistas a procurarem o lado negativo dos ‘factos políticos’ que se geram no universo político, provocando uma visão simplista e negativa da própria realidade (Brandão, 2010, pp. 151-152).

De acordo com João Canavilhas (2001), “a construção da realidade televisiva exige que se dê uma ênfase especial ao conteúdo dramático e emocional” e que deve cumprir duas regras essenciais. Em primeiro lugar, assegurar a compreensão de todos os telespectadores e, em segundo, ter uma linguagem simples e próxima da linguagem de rua, de modo a permitir “que o telespectador se transporte para o local do acontecimento” (pp. 5-6). A dramatização das imagens é, então, uma forma de a televisão construir a realidade: “a imagem passa a ser uma janela entre o telespectador e o mundo, um filtro que mascara a realidade segundo a sua crescente capacidade de sedução e espectacularização” (Brandão, 2010, p. 132).

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O fluxo de imagens potenciadas pelo meio televisivo é um dos verdadeiros construtores da realidade social e a televisão, “que tem uma participação importante na construção da realidade que nos cerca” (Vizeu, 2002, p. 9) deve lutar contra isso, principalmente a de serviço público, deixando, assim, de apresentar a imagem como um espetáculo. Como sustenta Nuno Goulart Brandão (2010), “a responsabilidade social e pública da televisão perante os cidadãos aumenta conforme procede à selecção dos próprios acontecimentos que transforma em notícia” (p. 148). A responsabilidade acrescida que o meio detém faz, então, com que seja necessário haver um cuidado redobrado no que respeita às notícias emitidas nos telejornais.

Os grandes acontecimentos a transformar em notícias na televisão não devem ser predominantemente os que criam e formam uma massa de incidentes ou de valoração negativa, mas sim os que tragam algo de útil aos cidadãos, de forma a poderem encarar o seu dia-a-dia e ser informados e esclarecidos das grandes questões que acontecem (Brandão, 2006, p. 22).

Também Mariano Cebrián Herreros (1998) defende que a informação televisiva deve ser passada ao espectador “com a honestidade, equilíbrio e dados suficientes para que o receptor chegue

à concepção concreta do sucedido”49(p. 166). O autor acredita que a objetividade com que os

jornalistas narram os factos depende da “personalidade e ética configuradas ao longo da sua

vida”50 (p. 44), mas, que é, também, necessário, que os profissionais tentem deixar “na

mensagem o menos possível da sua subjetividade”51 (p. 166).

É fundamental que os órgãos de informação não priorizem a visão mercantil das notícias, principalmente o meio televisivo, que é, talvez, ainda nos dias que correm, o meio eleito pela audiência. Desta forma, quando selecionam os acontecimentos a noticiar, as estações de televisão não podem somente ter em conta aquilo que vai ou não vender e, consequentemente, trazer mais audiências, mas sim, oferecer aos telespectadores uma visão de diversidade de informação: “no caso específico dos telejornais, a informação deve ser diversificada, contextualizada e integradora de diferentes realidades” (Brandão, 2010, p. 133).

49 Tradução do texto original: “com la honestidade, equilíbrio y datos suficientes para que sea el receptor

quien llegue a la concepción concreta de lo sucedió”.

50 Tradução do texto original: “personalidad y ética configuradas a lo largo de su vida”. 51 Tradução do texto original: “en el mensaje la menor huella posible de su subjetividad”.

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Capítulo 3.

Identificar a informação

Os espectadores são constantemente ‘bombardeados’ por uma quantidade infinita de informações, seja através dos canais de televisão, na rádio ou na imprensa – on e offline. A informação está em todo o lado, e, agora, com a emergência do jornalismo digital, essa presença nota-se ainda mais. Contudo, é importante realçar que nem tudo pode ser considerado notícia e, por isso mesmo, é essencial decifrar todas as informações que chegam às redações dos diferentes órgãos de comunicação social e, assim, perceber quais são as mais importantes, propensas a viajarem até ao espaço noticioso e irem ao encontro do cidadão comum. Assim, pretende-se perceber “porque certos acontecimentos são notícia e outros ficam sem direito a existir em termos públicos? O que são as notícias?” (Traquina, 1993, p. 49), bem como conhecer os responsáveis por esta filtragem informativa, tão importante nos dias que correm.