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Longe vai o tempo em que o consumo de informação passava apenas pelas emissões noticiosas de rádio, pelos jornais ou até mesmo pela célebre “caixinha mágica”. Como já havíamos dito, o digital revolucionou, por completo, os meios de comunicação, em geral, e o jornalismo, em particular. E a transformação foi - e é ainda - de tal forma significativa que dizer que as notícias estão patentes apenas nestes três meios não podia estar, de todo, mais desatualizado. Como salienta Michael Schudson (2011), no artigo “As notícias como um género difuso: a transformação do jornalismo na contemporaneidade”, “tudo o que antes parecia um dado adquirido está agora sujeito a mudança” (p. 1). Uma mudança que, na opinião de João Canavilhas (2010), foi, especialmente, impulsionada pelo aparecimento de um dos serviços da Internet: a World Wide Web (WWW).

O aumento exponencial de conteúdos disponíveis, o desenvolvimento de browsers mais intuitivos e o aparecimento do Blogger (1999), do Facebook (2004), do Youtube (2005) e do

Twitter (2006) transformaram a Web no grande motor da Internet que passou de 16 milhões

de utilizadores, em Dezembro de 1995, para cerca de 1,8 mil milhões, em Dezembro de 2009 (Internet World Stats) (Canavilhas, 2010, pp. 2-3).

E se as audiências migraram conscientemente para o digital, os meios de comunicação tinham, obrigatoriamente, que marcar presença nesse meio. Anabela Gradim (2015) explica que todos passaram a estar “online, o tempo todo, para todos”55 (p. 71). Desta forma, a informação deixou de estar sujeita a um horário em específico, no caso da televisão e da rádio, e passou a ser atualizada em permanência nos sites dos diferentes canais de televisão, rádio e jornais. Aos meios de comunicação juntaram-se “ainda os conteúdos produzidos por empresas, instituições e utilizadores que alimentam sites, blogues e redes sociais”, o que provocou um “caudal informativo que os utilizadores não conseguem acompanhar”, destaca Canavilhas (2010, p. 4). Estava, desta forma, dado o primeiro passo para o ‘bombardeamento’ informativo de que os espectadores viriam a ser alvo. Com a multiplicação de ecrãs, a explosão da oferta de canais e o aparecimento de novos suportes esta realidade acentuou-se, ainda mais, e os conteúdos informativos passaram, efetivamente, a estar “em todo o lado”.

Os canais generalistas investem em canais informativos, onde as grelhas televisivas são preenchidas, essencialmente, por conteúdos noticiosos, atualizados por jornalistas a cada instante. A par disso, divulgam os conteúdos – alguns noticiados e não noticiados no canal 24 horas de notícias – nos sites informativos e nas redes sociais, com especial destaque para o Facebook. Rádios e jornais seguem, igualmente, o mesmo processo e, assim, a audiência passa a ser ‘bombardeada’ por uma quantidade imensa de informação, vinda de todos os meios.

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Segundo João Canavilhas (2010), tudo isto fez com que o ecossistema mediático passasse de um ambiente pull – em que são os recetores a procurar as notícias – para um ambiente push, onde é a informação que vai ao encontro dos recetores.

Em “Decidindo o que é notícia”, Alfredo Vizeu (2002) faz referência a uma mediática capa da revista norte-americana Time, publicada já há alguns anos, que tinha como figura central “um menino, vestido como um típico garoto que vendia jornais nas ruas na década passada” e que trazia “na mão uma tela de computador, como se estivesse empunhando um jornal, com uma manchete no vídeo: As Guerras da Notícia” (p. 63). No interior da publicação é feita uma espécie de “discussão” sobre a explosão das notícias, notando a Time que “hoje a sociedade dos Estados Unidos está sendo bombardeada por informação, fofoca e comentário, como nunca havia ocorrido” (Vizeu, 2002, p. 63). O mesmo identifica Adelino Gomes (2012) no que diz respeito ao nosso país: “nunca foi tão abundante a informação disponível. Tão imediatamente alcançável por cada um de nós. Sem necessidade de mediação” (p. 364).

A verdade é que o acesso aos conteúdos noticiosos nunca foi tão simples e facilitado como atualmente. Arriscamos mesmo a dizer que, agora, só quem não quer é que não está minimamente informado sobre o que se passa na sociedade em geral. A informação já não vigora apenas nos meios tradicionais a que a população estava habituada, saltou das páginas dos jornais, da televisão e da rádio para ir, diretamente, e a todo o momento, ao encontro dos cidadãos.

São notórias as grandes e significativas alterações que ocorreram na distribuição das notícias “com blogues e redes sociais transformados em verdadeiros canais de distribuição instantânea”, como destaca Canavilhas (2010, p. 3). Estes novos métodos de partilha terão sido cruciais para o aumento da carga informativa atual, que é de tal forma ampla que se verifica tanto por parte dos meios de comunicação como também da audiência em geral. Em “Jornalismo integrador: o noticiário televisivo na era da abundância informativa”, Sónia Sá (2017) salienta que

(…) as ocorrências mais relevantes, e principalmente inesperadas, passaram a ter o olhar e o registo de um número muito significativo de cidadãos não-jornalistas, agora munidos de dispositivos móveis com recurso de gravação de imagem e som de alta qualidade e partilha imediata e universal (p. 10) 56.

O mesmo observava Jorge Pedro Sousa há já 11 anos, mencionando que:

Nos atentados contra o metro de Londres, em Julho de 2005, os cidadãos que viajavam no metro fizeram de jornalistas, cobrindo os instantes posteriores ao atentado, até porque os

56 Diferentes momentos da história mostram o desejo dos cidadãos divulgarem informações sobre aquilo

que vêm, muitas vezes com a ambição de que seja feito “em primeira mão”. Por exemplo, como nos casos sobre os acontecimentos do “11 de Setembro de 2001, a Guerra no Iraque, o furacão Katrina, os confrontos no Irão ou a recente Primavera Árabe (…)” (Canavilhas & Rodrigues, 2012, p. 271).

49 jornalistas foram impedidos pela polícia de acorrer ao local para não dificultarem as operações de socorro (2006, pp. 162-163).

Com a emergência destas novas ferramentas, os jornalistas deixam de ser os únicos a conseguir dar a chamada notícia “em primeira mão”. É factual a facilidade que a internet criou tanto no acesso à informação como à produção da mesma. Assim sendo, consequentemente, qualquer indivíduo passa a ter a capacidade de difundir informações e opiniões sem que, para isso, tenha de depender de qualquer tipo de intermediário. Deste modo, o cidadão comum detém, agora, um papel considerável na distribuição informativa, assumindo-se como uma espécie de jornalista-cidadão57.

(…) nós enchemo-nos uns aos outros de notícias. Embora aqueles que fazem a sua vida no trabalho jornalístico (repórteres, copy editors, publishers, tipógrafos, etc.) tenham necessidades suplementares de notícias, todos os indivíduos, em virtude dos modos como vêem e relatam aquilo que crêem ser o mundo pré-determinado, são diariamente produtores de notícias (Molotch & Lester, 1993, p. 34).

De acordo com Catarina Rodrigues e João Canavilhas (2012), o chamado “jornalismo cidadão”58

poderá ter sido espoletado pelo facto de os meios de comunicação social terem realizado um incentivo tão grande à participação da audiência na Web. Facto que ocorreu através das mais diversas formas, como “comentar notícias, participar em fóruns, responder a inquéritos, atualizar blogues, contribuir para a realização de entrevistas coletivas, partilhar conteúdos nas redes sociais, enviar fotos, vídeos e textos para publicação no próprio jornal (…)” (p. 270). Essa participação dos espectadores na esfera mediática é algo que continua a acontecer, e de uma forma cada vez mais rápida e efusiva, através do uso das redes sociais mais recentes que,

divulgam, compartilham, comentam, questionam e desacreditam as matérias noticiosas dentro de minutos, e usando plataformas adicionais que possibilitam a colaboração ad hoc rápida e eficaz entre os usuários. Quando centenas de voluntários podem provar dentro de alguns poucos dias que um ministro alemão foi culpado de plágio sério, quando o mundo inteiro fica sabendo de terremotos e tsunamis pelo Twitter – como é que o jornalismo consegue acompanhar tudo isto? (Bruns, 2011, p. 119)

Já em 2011, Alex Bruns encontrava aspetos preocupantes no mundo do jornalismo que o levavam a colocar questões como a última. Com esta “ameaça à credibilidade dos conteúdos jornalísticos” provocada, sobretudo, pela “produção de conteúdos pelo cidadão”, os jornalistas vêm a sua profissão numa fase preocupante, uma vez que passam a circular histórias na esfera mediática, produzidas pelo cidadão comum, e que não têm a “verificação de um jornalista profissional” (Sá, 2011, p. 149). De acordo com a mesma autora (2017), atualmente vive-se “algumas das mais fraturantes mudanças no campo do jornalismo, das quais a sua

57 Pessoa sem qualquer tipo de formação académica na área do jornalismo que tem como intuito participar

ativamente na esfera social. Os conteúdos partilhados exprimem essencialmente novas perspetivas ou acontecimentos que presencia, seja através de de texto, imagem e/ou som.

58 Conceito teve a sua origem alguns anos antes do nascimento da World Wide Web, numa altura em que

o jornalismo norte-americano atravessava uma forte crise de credibilidade, o que resultou na perda de um número considerável de leitores. Ainda assim terá sido com o aparecimento da Internet e de todas as suas ferramentas que o jornalismo do cidadão ganhou a força e a visibilidade que hoje detém.

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permeabilidade à atividade produtora de cidadãos não-jornalistas” é a eleita “como a mais significativa” (p. 15).

Tendo em conta todas estas reconfigurações vividas no campo do jornalismo, é usual ouvir-se

falar, cada vez mais, em fake news59, o que faz com que as audiências fiquem um pouco mais

céticas quanto ao conteúdo informativo que vê, ouve e/ou lê. Ainda assim, um estudo divulgado pela Reuters (2017) salienta que, em Portugal, o nível de confiança depositado na informação é bastante elevado. “Portugal é o terceiro país [da Europa] onde mais se confia em notícias” (p. 24).

Contudo, nem assim os meios de comunicação social ficam indiferentes e despreocupados quanto a estas novas ameaças que assolam o jornalismo. Dado o caudal informativo atual, torna-se necessário criar mecanismos de filtragem de informação para selecionar de forma adequada toda a mensagem informativa que é passada para a audiência, usando, para o efeito, o gatekeeping.