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Construção teórica marxista do setor informal

CAPÍTULO 3 — MICROCRÉDITO E INFORMALIDADE

3.1. Informalidade no Brasil: as transformações do mundo do trabalho no pós-

3.1.2. Algumas conceituações do setor informal

3.1.2.2. Construção teórica marxista do setor informal

Pamplona (2001) aponta, no âmbito da concepção marxista, alguns autores que abordam a informalidade, destacando, dentre eles, Kowarick, Singer, Prandi e Oliveira. Menciona, ainda, autores como Portes e Castells, chamados de neomarxistas. Ainda no campo marxista, podemos citar também autores já referidos no presente trabalho, como Sabadini e Nakatani (2002).

No geral, os autores marxistas entendem a informalidade como integrante da estrutura econômica capitalista, sendo a existência do setor informal determinada pela acumulação de capital. Nessa concepção, o crescimento da informalidade não se relaciona com o excedente da força de trabalho, pois ela “[...] é parte integrante do modo capitalista de produção e varia, em maior ou menor escala, em função do estágio de acumulação capitalista e do tipo de política econômica adotado em cada país [...]” (SABADINI; NAKATANI, 2002, p. 272), mesmo que tal setor não participe diretamente da produção de mais- valia. Para Oliveira (1981, apud PAMPLONA, 2001), o setor informal tem sua expansão determinada pelo desenvolvimento do capitalismo e não se constitui em resquício pré-industrial. Por sua vez, Pamplona (2001, p. 23) destaca alguns termos e expressões utilizados em relação ao setor informal e aos trabalhadores que nele atuam: “modalidades produtivas ‘arcaicas’”, “‘novas’ formas ‘tradicionais’ na divisão social do trabalho”, “setor autônomo”, “categoria dos conta própria”, “atividades não-capitalistas [sic] no interior do capitalismo”, sempre enfatizando seu caráter de funcionalidade ao capital. Por seu turno, Prandi (1978, p. 25) utiliza a expressão “trabalhador por conta própria” para enquadrar todos aqueles trabalhadores que atuam no mundo do trabalho utilizando “[...] dispêndio da força de trabalho própria [...]”. Situam-se nesta condição os

“[...] artesãos, os pequenos vendedores, notadamente os ambulantes, os ocupados em serviços de reparação e pequenos consertos, os prestadores de serviços pessoais e muitos outros conhecidos da paisagem das cidades brasileiras, pequenas e grandes.” (PRANDI, 1978, p. 25)

Tavares (2002) argumenta que o setor informal vem sendo repensado sempre no âmbito da lógica da acumulação capitalista:

Quando o capitalismo partilhava a idéia [sic] de que a sua organização produtiva, regulada pelo livre mercado, se expandiria de forma equilibrada, homogênea e amplamente integradora, o ‘setor informal’ era visto como sinônimo de atraso. Assim, o desenvolvimento do capital acabaria por eliminá-lo. Mas quando a mesma economia de livre mercado se revela incapaz da integração prometida, o ‘setor informal’ é reivindicado, não porque o seu desempenho contribua de algum modo com a acumulação capitalista,

mas como uma ação complementar à proteção social.

Assim, para a autora, a explicação do setor informal deve necessariamente partir da sua relação própria de funcionalidade para com o capital. Ainda fazendo referência a essa funcionalidade e, ao mesmo tempo, distanciando-se de explicações que passam pela expansão e inchaço do número dos trabalhadores, bem como pelo pequeno crescimento da oferta de trabalho, Santos (2008) entende o crescimento da informalidade a partir do próprio desenvolvimento do capital, que se redesenhou para ser mais competitivo e aumentar suas taxas de lucro a partir dos anos 70 do século XX:

A intensificação desse processo [informalidade] decorre, principalmente, das formas de redução de custos adotadas pelas empresas, em virtude do acirramento da competitividade promovida principalmente pela entrada de produtos importados no País. As empresas, para ampliar seus espaços produtivos e sua margem de lucro [sic] adotaram novas alternativas que afetam diretamente os empregados. Demitem centenas de trabalhadores, terceirizam outros e recontratam alguns com remuneração bem inferior, inviabilizando a criação de empregos regulares e regulamentados. Convém também lembrar que as grandes empresas adotaram uma nova conduta de desnacionalização, fusão e incorporação, com intuito de tornarem-se mais competitivas. (SANTOS, 2008, p.157)

Para a autora, são essas as condições que alteram a composição do mundo do trabalho, ou seja, que orientam as relações capital/trabalho na atualidade.

Por seu turno, Tavares (2002, p. 51) compreende que, na lógica do capital, a força de trabalho sujeita-se às relações de produção, “[...] sendo ora reivindicada, ora rejeitada, como qualquer bem que é produzido para a venda.” Afirma que, com a reestruturação produtiva, o aumento da produtividade e a crescente flexibilização das relações de trabalho e produção (desregulamentação das relações de trabalho), o trabalho dito formal, com jornada integral, reconhecido, no geral, pela carteira assinada e pelos direitos que se enquadram nesta relação, tende a ser uma “[...] categoria do passado [...]” (TAVARES, 2002, p. 51). Desta maneira, o setor informal deve ser encarado não como espaço de sobrevivência dos pobres, pois, para a autora, trata-se de um setor que se relaciona produtivamente com o capital, com compra e venda de força de trabalho, apesar de essa relação de assalariamento ser dissimulada por mecanismos que dão a impressão de compra e venda de mercadorias entre sujeitos iguais. A autora vai além,

entendendo que, se o setor formal, como o conhecemos, tende a encolher cada vez mais, a contraposição entre formal e informal perde sentido:

Como as referências conhecidas para regular o emprego estão perdendo sua pertinência, a tipologia formal/informal se torna insustentável, a não ser que se tenha um conceito de formalidade, cuja base para ser trabalhador formal seja tão-somente estar diretamente empregado por meios de produção [sic] tipicamente capitalistas, embora submetido à mesma desproteção social que o trabalhador informal. (TAVARES, 2002, p. 52)

Em Prandi (1978), temos uma síntese do entendimento da informalidade pelo viés marxista, como fenômeno vinculado e funcional ao capital e que, no plano da totalidade, é um setor constituído de trabalhadores explorados na dinâmica do modo de produção capitalista:

No sentido teórico assumido, portanto, a oposição fundamental está entre o trabalhador assalariado e o capital, ocupando o trabalhador autônomo o papel de coadjuvante secundário [sic] mas nem por isso descartável, uma vez que preenche, na divisão social do trabalho, as brechas mantidas e abertas pelo desenvolvimento contraditório das forças produtivas sob o capital. (PRANDI, 1978, p. 28)

Fazendo referência às esferas da essência e da aparência, caras ao pensamento marxista, o autor ainda destaca:

[...] o trabalho autônomo, no nível formal e aparente, nem está subordinado ao capitalista nem às classes assalariadas, mas tem sua exploração determinada no todo dinâmico do modo capitalista de produção, que, por ser predominante, historicamente já colocou em plano secundário o trabalhador incapaz de gerar excedente, mesmo que ainda dele faça uso, na finalidade última de se realizar. (PRANDI, 1978, p. 31)

Vale destacar que os autores marxistas apontam relações entre trabalho informal e trabalho precário. Oliveira (1988, apud PAMPLONA, 2001, p. 25) entende que as ocupações no setor informal são as piores possíveis, com rendimentos sempre abaixo das do emprego formal. Singer (1979, apud PAMPLONA, 2001, p. 26) caracteriza o setor informal pelas atividades de “[...] precário nível de produtividade [...]”.

Por outro lado, Pamplona destaca que, para Portes e Castells (1989, apud Pamplona, 2001), considerados neomarxistas, a informalidade é entendida como um fenômeno que cresceu nos países ditos desenvolvidos e subdesenvolvidos como parte do processo de recuperação, pelo sistema econômico capitalista mundial, da crise da década de 1970. Para esses

autores, uma das causas da informalidade é a quebra, por parte das empresas, do relativo controle que os trabalhadores organizados tinham sobre o processo de trabalho. Desta forma, o empresariado veria na informalidade maior liberdade para comandar as relações de produção e trabalho. Outra causa seria a busca de se debilitarem os controles fiscais e legais construídos no período do Welfare State. Assim, procurar-se-ia a informalização para fugir dos mecanismos de controle do Estado. Por outro lado, a crise acirrou a competitividade internacional, exigindo que os capitais buscassem novos mercados de mão de obra, desregulamentados e com custos reduzidos. “As indústrias de bens de consumo, como confecções e calçados, que não podem competir com os produtos baratos importados de países do Terceiro Mundo, deveriam fechar suas plantas ou mover-se para a informalidade.” (PAMPLONA, 2001, p. 28). Portes e Castells (1989, apud Pamplona, 2001) entendem que uma das causas do aumento da informalidade é o próprio movimento de flexibilização das relações de trabalho, de um padrão fordista para um padrão flexível (ou, como também é chamado, um padrão toyotista de produção), buscando-se, assim, uma nova gestão da força de trabalho e a redução dos custos fixos da produção, como os salários.

Vale destacar que, para os autores em questão, setor informal não é sinônimo de pobreza, pois a informalidade abarca segmentos de alta produtividade e rentabilidade. Afirmam: “A economia informal não é um eufemismo para pobreza. Ela é uma forma específica de relação de produção, enquanto a pobreza é um atributo ligado ao processo de distribuição [...]” (PORTES; CASTELLS, 1989, apud PAMPLONA, 2001, p. 30). Consideram, porém, que o aumento da informalidade acarreta, em geral, efeitos negativos para os trabalhadores, pois mina sua organização coletiva, as conquistas trabalhistas e sua influência política, além de tornar cada vez mais heterogênea a classe trabalhadora.