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Exposição e análise dos dados

CAPÍTULO 2 — PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

2.3. Exposição e análise dos dados

A interpretação e a sistematização dos dados documentais coletados foram realizadas por meio de análise de conteúdo e séries estatísticas.

No que tange à análise de conteúdo, esta foi utilizada com intuito de “[...] desvendar [...] [as] ideologias que podem existir nos dispositivos legais, princípios, diretrizes etc., que, à simples vista, não se apresentam com a devida clareza.” (TRIVIÑOS, 1987, p. 160) Nas palavras de Bardin (1979, p. 42, grifo do autor), a análise de conteúdo constitui-se em um

[...] conjunto de técnicas de análise das comunicações visando

obter, por procedimentos, sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

As falas dos sujeitos, os textos de cunho acadêmico, os documentos institucionais, as informações contidas em jornais e revistas etc. são, de acordo com a técnica de análise de conteúdo, passíveis de interpretação, pois “[...] os textos, do mesmo modo que as falas, referem-se aos pensamentos, sentimentos, memórias, planos e discussões das pessoas, e algumas vezes nos dizem mais do que seus autores imaginam” (BAUER, 2002, p. 189).

Através da análise de conteúdo, podemos entender melhor as concepções implícitas na “teoria pró-microcrédito” a respeito daquelas categorias-chave já mencionadas anteriormente. Assim, graças a essa técnica, “[...] podemos caminhar na descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo

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A seleção desse material foi feita por meio das três etapas apontadas por Lima e Mioto (2007, p. 41), a saber: 1. “Leitura de reconhecimento do material bibliográfico”; 2. “Leitura exploratória”; e 3. “Leitura seletiva”.

além das aparências do que está sendo comunicado.” (GOMES, 2010, p. 84) A comunicação textual pode ser analisada tanto através de sua fonte, ou seja, a “[...] comunidade que escreve” (BAUER, 2002, p. 192), e que se utiliza do texto como um “[...] meio de expressão [...]” (BAUER, 2002, p. 192, grifo do autor), quanto pelo seu público, no qual o texto pode ser considerado um “[...] meio de apelo [...]” (BAUER, 2002, p. 192), exercendo “[...] influência nos preconceitos, opiniões, atitudes e estereótipos das pessoas” (BAUER, 2002, p. 192).

Em relação à validade da análise de conteúdo, Bauer (2002) entende que ela

[...] deve ser julgada não contra uma ‘leitura verdadeira’ do texto, mas em termos de sua fundamentação nos materiais pesquisados

e sua congruência com a teoria do pesquisador, e à luz de seu objetivo de pesquisa (BAUER, 2002, p. 191, grifo nosso).

Assim, de acordo com o viés teórico adotado pelo pesquisador, o texto oferecerá “diferentes leituras” (BAUER, 2002, p. 191, grifo nosso). Porém, a análise de conteúdo “[...] traça um meio caminho entre a leitura singular

verídica e o ‘vale tudo’ [...]” (BAUER, 2002, p. 191, grifo nosso), constituindo-

se em uma série de procedimentos explícitos de análise de textos para pesquisa social.

Gomes (2010) destaca quatro passos para a operacionalização da análise de conteúdo, a saber: 1. categorização; 2. inferência; 3. descrição; e 4. interpretação.

Em linhas gerais, a categorização constitui-se em

[...] uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o género (analogia), com os critérios previamente definidos. As categorias, [sic] são rubricas ou classes, as quais reúnem [sic] um grupo de elementos (unidades de registro, no caso da análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento esse efectuado em razão dos caracteres comuns destes elementos. (BARDIN, 1979, p, 117)

Por sua vez, a inferência é a dedução lógica do conteúdo analisado, sendo necessário, para tal procedimento, articular “[...] a superfície do material a ser analisado com os fatores que determinaram suas características.” (GOMES, 2010, p. 89) Já a descrição diz respeito à “[...] enumeração das características

do texto, resumida após tratamento analítico” (GOMES, 2010, p. 90). Por fim, a interpretação é o momento de atribuir significações às características do texto (GOMES, 2010). Para Minayo (2006, apud GOMES, 2010, p. 91), no momento da interpretação, relacionam-se as estruturas semânticas com as estruturas sociológicas, ou seja, significantes e significados, presentes nos enunciados das mensagens.

Efetivamente quanto à aplicação desse instrumento metodológico em nosso trabalho, buscamos, com a leitura sistemática do material selecionado, destacar as principais categorias presentes na literatura pertinente ao microcrédito. Percebemos a presença de três grandes eixos: pobreza, informalidade e política social, que, por sua vez, nos deram indicativos de outras informações importantes, que chamamos de subcategorias. Tais eixos aparecem articulados na literatura de maneira simples, sem maiores explicações quanto aos seus significados. No entanto, isso não quer dizer que não estejam carregados de significados: estes apenas não estão explícitos nos textos. Assim, o quadro construído pelo conjunto do material analisado nos deu as seguintes indicações:88

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Trata-se de um quadro relativamente simples, visto que nosso material se mostrou bem homogêneo no que se refere ao microcrédito. Além disso, essa exposição é uma maneira possível — e não a única — de construção de dados por meio da análise de conteúdo.

Quadro 1: Principais categorias e subcategorias obtidas por meio de pesquisa bibliográfica Categorias Significados encontrados na

literatura (subcategorias) Soluções/ações propostas

Pobreza

1. Problema ligado à falta de rendimentos

1. Geração de oportunidades de obtenção de rendimentos via acesso ao mercado de créditos por meio de programas de microcrédito

2. Problema ligado às

incapacidades individuais para competir no mercado

2. Capacitação via inclusão no mercado de créditos

3. Falta de oportunidades de acesso ao mecanismo de mercado gerador de renda

3. Inclusão no mercado competitivo via montagem de pequenos negócios geradores de renda

Informalidade

1. Benéfico ao desenvolvimento econômico

1. Incentivo à abertura de pequenos negócios informais

2. Setor passível de apoio por

meio de políticas sociais 2. Incentivo ao “negócio” informal 3. Empreendedorismo,

oportunidade de geração de renda e redução da pobreza

3. Incentivo ao “empreendedorismo”

Política Social

1. Focalizada nos mais pobres e miseráveis

1. Aos situados acima da linha de miséria, programas de crédito 2. Orientada para o acesso aos

mecanismos de mercado

2. “Porta de saída” da pobreza e de entrada no mercado competitivo 3. Distribuidora de ativos

geradores de renda 3. Geração de capacidades Fonte: elaboração própria

É válido notar que esse quadro pôde ser construído com o auxílio da pesquisa bibliográfica empreendida e com o uso do referencial teórico adequado — já citado anteriormente —, tornando possível a compreensão da realidade contemporânea, visto que expressa a historicidade dos fenômenos abordados na literatura pertinente ao microcrédito. Esse percurso permitiu-nos identificar as características implícitas da “teoria pró-microcrédito”, que não se mostravam tão claras nas leituras iniciais do material bibliográfico utilizado. Partindo da identificação, do entendimento e da problematização mais detalhada dessas características implícitas, buscamos, em seguida,89 resgatar sua origem, pois julgamos serem compartilhadas por/conectadas a visões de mundo específicas.90 Tudo isso levou-nos ao “arsenal” teórico liberal, representado por

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Momento marcado pelas duas etapas restantes da pesquisa, ou seja, a leitura reflexiva e a leitura interpretativa (LIMA; MIOTO, 2007).

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Conexão que não deve ser simplesmente desconsiderada ou tratada como se fosse algo de menor importância, visto que as “visões de mundo” e os valores, no que tange, por exemplo, a produção e execução de uma política social, permeiam as ações dos gestores e profissionais que atuam nessa área. Segundo Leite (2008, p. 91-92, grifo do autor), “[...] ao tratarmos de políticas sociais (quaisquer que sejam elas), devemos nos referir tanto ao ser quanto ao dever

ser, pois, nessa área, estão irremediavelmente presentes valores assumidos pelos

estudiosos como Hayek, Friedman (KERSTENETZKY, 2007; MAURIEL, 2008; MORAES, 1999; UGÁ, 2008) e Sen (MAURIEL, 2008; SEN, 2000, 2001; UGÁ, 2008).91

Já com relação às séries estatísticas, elas foram utilizadas tendo em vista a organização e a apresentação de dados quantitativos. Adotamos o seguinte entendimento de séries estatísticas: “[...] toda e qualquer coleção de dados estatísticos referidos a uma mesma ordem de classificação: quantitativa.” (TOLEDO; OVALLE, 2008, p. 26) Realizamos uma série de aproximações à realidade do objeto e às categorias correspondentes. Ou seja: por meio de uma coleção de dados coletados e apresentados, em sua maioria, em forma de tabelas, buscamos demonstrar o quão eficaz/ineficaz o microcrédito é no que tange a seu objetivo maior, segundo a “teoria pró-microcrédito”: o enfrentamento da pobreza.

Assumimos essa tarefa confrontando os dados quantitativos concernentes a cada categoria pesquisada, principalmente a pobreza, a informalidade e o microcrédito. Dado nosso objetivo maior — tentar fazer uma reflexão sobre o alcance do microcrédito para o “combate à pobreza” —, estabelecemos algumas estratégias que tornaram possível problematizar a abrangência dessa modalidade de “política social”. Por um lado, levantamos informações importantes sobre os volumes de microcrédito concedido por três programas: o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), o Crediamigo e o Nossocrédito. Além disso, buscamos dados relativos à natureza dos negócios atendidos, finalidade dos empréstimos e quantitativo de pessoas beneficiadas pelos programas. Selecionamos aquelas informações que pudessem mostrar de maneira clara as dimensões do microcrédito no País. Por outro lado, dedicamo-nos a expor, adiante, as dimensões da pobreza e da informalidade no Brasil. Para tanto, apresentamos dados relativos à

conscientes — orientam escolhas acerca de diversos assuntos”. Retomaremos essa ideia nos próximos capítulos.

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A seleção desses autores não é a única possível quando se busca o entendimento dos referenciais teóricos que permeiam as políticas e programas de microcrédito. É possível levar em conta, também, os escritos de Rawls, North, Dworkin e Roemer quando se trata dessa temática, como exposto por Estrella (2008) e Kraychete (2006).

pobreza absoluta, à pobreza relativa, aos índices de desigualdade, referentes ao Programa Bolsa Família etc. Assim, através do confronto entre tais campos da realidade, procedemos a algumas problematizações quanto à capacidade dos programas de microcrédito de afetar significativamente o contingente formado pela população que vive na condição de pobreza no Brasil, considerada esta em termos tanto absolutos quanto relativos.92

Expostos os procedimentos metodológicos e o percurso seguidos na pesquisa que fundamenta o presente trabalho, passemos para as considerações sobre o microcrédito em suas relações com a informalidade e a política social.

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Não se trata de mostrar se este ou aquele tomador de microcrédito, considerado individualmente, tem ou não melhoradas suas condições de vida mediante o acesso ao empréstimo, mas compreender qual a magnitude do microcrédito no País em relação às dimensões da pobreza brasileira, tendo em vista traçar um cenário no qual possamos visualizar a amplitude desses programas no que diz respeito a um efetivo “combate à pobreza”. Para uma leitura sobre o microcrédito enquanto instrumento capaz de aumentar o bem-estar de pessoas pobres, ver Estrella (2008).