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Reestruturação produtiva e flexibilização das relações de produção e

CAPÍTULO 3 — MICROCRÉDITO E INFORMALIDADE

3.1. Informalidade no Brasil: as transformações do mundo do trabalho no pós-

3.1.1. Reestruturação produtiva e flexibilização das relações de produção e

A informalidade não é um fenômeno novo. Aliás, já foi apontada por Marx, no século XIX, na forma de “superpopulação excedente estagnada” (SABADINI; NAKATANI, 2002, p. 267). Muito provavelmente, quando pensamos em informalidade, vêm-nos à mente — por oposição — carteira de trabalho assinada, Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), férias remuneradas, 13o salário etc. Ou seja: pensamos justamente no que foi construído em termos de garantias e segurança no mundo do trabalho. No entanto, uma sociedade com tais características — que Castel (2003, p. 415) denomina “sociedade salarial”, típica do período no qual, em termos socioeconômicos, houve, em países de capitalismo avançado, o que se chamou de Estado de Bem-Estar Social, caracterizado por algumas conquistas da classe trabalhadora nas relações de trabalho e no que tange a suas condições de vida — foi e continua sendo significativamente desmantelada, entre outros fatores, pelo processo que podemos chamar de reestruturação produtiva e pelo advento do ideário neoliberal. A crise do capital deflagrada na década de 1970, manifesta na queda do crescimento econômico obtido pela regulação fordista/taylorista do trabalho, com políticas econômicas de cunho keynesiano, exigiu mudanças na regulação da produção e do trabalho em direção a outro padrão, um padrão “flexível” (CACCIAMALI, 2001; SABADINI; NAKATANI, 2002). Para Harvey (2009, p. 135), “[...] o período de 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as contradições inerentes ao capitalismo [...]”, demonstrando a clara relação entre o método fordista e sua rigidez. A superação da crise e a retomada do crescimento econômico e dos lucros foram possíveis graças a uma série de medidas de flexibilização da produção e das relações de trabalho (CARLEIAL; MALAGUTI,

2003), além de mudanças nas políticas econômicas, como a desregulamentação destas pelo Estado. Este, particularmente em países da América Latina, passou a focar sua ação em políticas de ajuste, como foi o caso do Brasil, com políticas de controle da inflação, acumulação de superávits para pagamento da dívida externa, abertura para o mercado financeiro, abertura comercial e privatizações (CARLEIAL; MALAGUTI, 2003). Quanto à acumulação flexível, Harvey (2009) entende que ela

[...] é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia [sic] na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. (HARVEY, 2009, p.140)

Para Valencia (2002), as políticas de ajuste neoliberal para a “superação” da crise e a mudança do padrão fordista/taylorista para um padrão flexível instituíram novas modalidades de exploração da classe trabalhadora. O autor aponta para as várias formas que expressam a flexibilização, ou seja, o toyotismo japonês, especialização flexível, just in time, equipes de trabalho nas fábricas, círculos de produção e controle de qualidade, emprego intensivo de tecnologia no processo produtivo etc. A flexibilização, como novo mecanismo adotado na produção, influencia diretamente as relações de trabalho, ou seja, flexibiliza-se também a “[...] organização do trabalho [...]” (ANTUNES, 2008, p. 33). Capelas, Huertas Neto e Marques (2010, p. 217) entendem que foi a partir dos anos 80 do século passado que os Estados nacionais deixam de participar da regulação da economia e do mercado de trabalho. Mostram que, no Brasil, na década seguinte, foram tomadas várias medidas para “[...] flexibilizar o mercado e as relações de trabalho [...]”. É válido notar que entendem o processo de flexibilização como “[...] medida que deixa o trabalhador à disposição da empresa quanto a sua jornada de trabalho e tempo de contratação e quanto à estipulação de sua remuneração.” (CAPELAS; HUERTAS Neto; MARQUES, 2010, p. 217) Os autores entendem ainda que, no Brasil, o argumento da flexibilização como forma de promover o aumento de empregos — dados os menores custos das empresas na contratação,

manutenção e desligamento do trabalhador — pode ser contraposto pela consideração de que o

[...] desemprego não era causado pela rigidez das leis trabalhistas, mas pela falta de investimento, privado e público, em razão da política de juros altos, da abertura indiscriminada da economia e do esgotamento da capacidade desenvolvimentista do Estado, dadas as restrições impostas pelo pagamento das dívidas externa e interna. (CAPELAS; HUERTAS Neto; MARQUES, 2010, p. 223)

Em relação ao período do governo Fernando Henrique Cardoso, Capelas, Huertas Neto e Marques (2010) destacam várias medidas para flexibilizar as relações de trabalho, quais sejam: participação nos lucros ou resultados, desindexação salarial, contrato por tempo determinado, banco de horas, trabalho em tempo parcial e suspensão do contrato de trabalho.

Como resultado das mudanças ligadas à política econômica de cunho neoliberal, da reestruturação produtiva e da flexibilização das relações de trabalho e produção, temos um aumento das taxas de desemprego, precarização das relações de trabalho, desmantelamento dos benefícios sociais garantidos pelo contrato formal de trabalho e ampliação do chamado setor informal (SABADINI; NAKATANI, 2002). Capelas, Huertas Neto e Marques (2010) mostram, com dados obtidos pela Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), o aumento da taxa de desemprego nas regiões metropolitanas de São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Distrito Federal, entre 1990 a 2006. Por outro lado, tornaram-se mais frequentes também as formas de contratação “flexível” (trabalhadores assalariados sem carteira assinada, terceirizados e autônomos), passando de 19,3%, em 1990, para 33,7%, em 2006, os trabalhadores em tais situações, somente na região metropolitana de São Paulo. Para completar o quadro, a remuneração real média também sofreu queda significativa, ou seja, de R$ 975,00 em 1996 para R$ 792,00 em 2003, tendo havido recuperação para R$ 888,00 em 2006, segundo o IBGE (CAPELAS; HUERTAS Neto; MARQUES, 2010).

Antunes (2008), por sua vez, argumenta que a classe trabalhadora vivencia um momento de profunda precarização, no qual o trabalho estável, formal,

baseado nos direitos sociais, está em declínio: “Estamos vivenciando [...] a erosão do trabalho contratado e regulamentado, dominante no século XX [...]” (ANTUNES, 2008, p. 108).

Em linhas gerais, podemos, então, estabelecer, entre os autores mencionados, pelo menos três pontos de concordância sobre o período pós-1970: crise do modelo fordista de regulação da produção e das relações de trabalho, advento de medidas neoliberais para o balizamento da economia mundial e frequência crescente das formas flexíveis de produção e das relações de trabalho como suposto instrumento para promover o crescimento econômico. O mesmo vale quanto aos resultados apresentados anteriormente: aumento do desemprego, queda dos rendimentos médios reais, aumento da informalidade e, no geral — concordando com Cacciamali (2001), Ramos (2002) e Ramos e Ferreira (2006) —, precarização das relações de trabalho.