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A chave de uma compreensão mais profunda consiste em traduzir os problemas geométricos para a linguagem algébrica. Para isso, considera-se uma reta r, determinada pelos pontos A e B. Adotando a abscissa 0 para A e 1 para B, cada ponto de r determina um único número real e reciprocamente.

Um segmento AP será construtível a partir de AB se o ponto P, ou, equivalentemente, sua abs- cissa x, for construtível. Assim, em vez de segmentos ou guras construtíveis, considera-se números construtíveis. Esses segmentos, aparecem com frequência, como lados de um triângulo, como raios de círculos, ou como coordenadas retangulares de certos pontos.

2.1 Exemplos de Algumas Construções Básicas

Dados os segmentos OA e AB de comprimentos a e b, respectivamente (segundo uma unidade dada), pode-se construir a + b, a − b, r.a (em que r é qualquer número racional) , a

b, ab e √

a.

Adição: Para construir a + b, traça-se uma reta e transporta-se com o compasso as distâncias a e b; então OB = a + b.

Figura 2.1: Construção de a + b

Subtração: Para a − b , transporta-se OA = a e AB = b , mas desta vez AB no sentido oposto a OA, então OB = a − b.

Figura 2.2: Construção de a − b Divisão: No caso a

3, transporta-se OA = a sobre uma reta e traça-se uma segunda reta por O. Sobre esta, transporta-se um segmento arbitrário OC = c, e determina-se OD = 3c. Une-se A com D e traça-se desde C uma reta paralela a AD, que corta OA em B. Os triângulos OBC e OAD são semelhantes, portanto, OB a = OB OA = OC OD = 1 3 e OB = a 3. Figura 2.3: Construção de a 3

Mais geralmente, para se construir a

b transporta-se OB = b e OA = a sobre os lados de um ângulo O, e sobre OB transporta-se OD = 1. Desde D traça-se uma paralela a AB, que corta OA em C. Então, OC será a distância a

b.

Figura 2.4: Construção do caso geral a b

Multiplicação: Para construir 3a soma-se a + a + a, de forma análoga, pode-se construir pa, sendo p qualquer inteiro.

Figura 2.5: Construção de 3a

A construção de ab encontra-se ilustrada na gura abaixo, onde AD é uma paralela a BC desde A.

Figura 2.6: Construção do caso geral ab

Destas considerações resulta que os processos algébricos racionais - adição, subtração, multiplica- ção e divisão de quantidades conhecidas podem efetuar-se por meio de construções geométricas.

Raiz quadrada: Dado um segmento a, pode-se construir também, utilizando só a régua (sem marcas) e o compasso√a. Sobre uma reta transporta-se OA = a e AB = 1, traça-se uma circunferência com diâmetro OB = a + 1. Traça-se uma perpendicular a OB por A, a qual corta a circunferência em C. O triângulo OBC tem um ângulo reto em C.

Logo [OCA = \ABC por serem semelhantes os triângulos retângulos OAC e CAB, e tem-se, para x = AC,a seguinte relação

a x = x 1 ⇒ x 2= a ⇒ x =a. Figura 2.7: Construção de√a 2.2 Polígonos Regulares

Por aplicação das operações básicas tratadas anteriormente, pode-se considerar agora alguns pro- blemas de construção um pouco mais complicados.

Decágono regular: Supondo que um decágono regular de lado x, está inscrito em uma circun- ferência de raio unitário, o ângulo O, vale 36◦ como pode-se notar na gura abaixo. Os outros dois

ângulos do triângulo devem valer cada um 72◦ e, portanto, a bissetriz do ângulo A, divide o triângulo

OABem dois triângulos isósceles, cada um com dois lados iguais de comprimento x. O raio do círculo será dividido assim em dois segmentos x e 1−x. Por ser OAB semelhante ao triângulo isósceles menor temos 1

x = x

1 − x;ver gura 2.8.

Figura 2.8: Decágono regular

Desta proporção deduz-se a equação quadrática x2+x−1 = 0e uma de suas soluções é x =

√ 5 − 1 2 . A outra é − √ 5 + 1

2 que é negativa, por esta razão deve ser desprezada.

Portanto, é possível construir o decágono regular, transportando-se a corda de comprimento x para a circunferência.

Pentágono regular: O pentágono regular pode ser construído, unindo dois a dois os lados do decágono regular.

Figura 2.9: Construção dos lados do decágono e do pentágono regulares

Os matemáticos gregos chamavam a razão OB : AB do problema anterior de razão áurea, pois con- sideravam que um retângulo cujos os lados estivessem nesta relação era mais agradável esteticamente. Seu valor é 1, 62 aproximadamente.

De todos os polígonos regulares inscritos numa circunferência de raio r, o hexágono é o de cons- trução mais elementar, pois o comprimento do seu lado será igual a r. Assim, o hexágono pode ser construído transportando-se a partir de um ponto da circunferência a corda de comprimento r, obtendo assim os seis vértices.

Figura 2.10: Hexágono

N-ágonos regulares: A partir do n-ágono regular pode-se obter o 2n-ágono regular dividindo-se ao meio cada arco de comprimento 2π

n . Por exemplo, do diâmetro da circunferência (o 2-ágono), pode-se construir os polígonos de 4, 8, 16, . . . , 2n lados. Analogamente é possível obter a partir do

hexágono os polígonos de 12, 24, 48 . . . lados, e a partir do decágono os polígonos de 20, 40, . . . lados. Proposição 2.1. Se sn designa o comprimento do lado do n-ágono regular, inscrito na circunferência

unitária, então o lado do 2n-ágono regular tem comprimento s2n=

q

2 −p4 − s2 n.

Demonstração. De acordo com a gura2.11, sn= DE = 2DC, ou seja, DC =

1

2sn; s2n= BD; AB = 2 e a área do triângulo ABD é

1

2BD AD = 1

2AB CD. (2.1)

Uma vez que AB2= AD2+ BD2 segue que AD2= AB2− BD2, isto é, AD = =AB2− BD2.

Substituindo AB = 2 e BD = s2n e CD =

1

2sn em (2.1), tem-se

Figura 2.11: Representação de sn e s2n 1 2s2n p AB2− BD2= 1 2sn. Portanto, sn = s2n q 4 − s2 2n ou s 2 n = s 2 2n(4 − s 2 2n). (2.2) Fazendo s2 2n= x,tem-se s2n= x(4 − x), ou seja, −x2+ 4x − s2n= 0.

Resolvendo esta equação obtem-se x = 2 − p4 − s2

n. Despreza-se a solução x = = 2 + p4 − s2n, pois sn≤ 2. Como x = s2 2n,então s2n= q 2 −p4 − s2 n. (2.3) Observações:

1. É importante notar que sn

2 < s2n.Por exemplo, no caso do hexágono inscrito na circunferência de raio 1, tem-se s3= s6 q 4 − s2 6= √ 3 ∼= 1, 732051. Portanto, s3 2 = 0, 866026 < 1 = s6. 2. Da fórmula (2.3) e do fato de que s4(lado do quadrado) é igual a

√ 2,deduz-se que s8= q 2 −√2, s16 = r 2 − q 2 +√2, s32 = s 2 − r 2 + q 2 +√2, ou mais geralmente, para n > 2

s2n = s 2 − r 2 + q 2 + · · · +√2 | {z } n−1 raizes quadradas .

3. O perímetro do 2n-ágono regular inscrito é 2ns

2n. Fazendo n tender ao innito, o 2n-ágono

tende a confundir-se com a circunferência do círculo unitário, que por denição é 2π . Obtem-se assim, substituindo n − 1 por m e suprimindo o fator 2 da fórmula

2m s 2 − r 2 + q 2 + · · · + √ 2 | {z } m raizes quadradas → π quando m → ∞.

Relação entre os lados do pentágono, do hexágono e do decágono regulares: Como já foi visto, s5 = s10p4 − s210, em que s5 é o lado do pentágono e s10 =

√ 5 − 1 2 é o lado do decágono. Assim, s5 = √ 5 − 1 2 s 4 −( √ 5 − 1)2 4 = √ 5 − 1 2 s 4 −(5 − 2 √ 5 + 1) 4 = √ 5 − 1 2 s (10 + 2√5) 4 ∼ = 1, 175571. Logo, s5∼= 1, 175571, s10∼= 0, 618034e, portanto, s5 2 = 0, 5877855 < 0, 618034 = s10.

Proposição 2.2. Os lados de um pentágono, de um hexágono e de um decágono regulares, inscritos na mesma circunferência, formam um triângulo retângulo.

Demonstração. Traça-se uma circunferência de centro A0 e diâmetro B0D0 = 2. Determina-se M0, o

ponto médio de A0D0 e traça-se uma circunferência de raio M0E0 por M0,que interceptará o diâmetro

B0D0 em C0,como na gura (2.12). Figura 2.12: s2 5 = s210+ r2 Assim, M0E02 = A0E02+ A0M02 = r + r 4. Logo, M0E0= √ 5 2 r e, portanto, A 0C0= M0C0− M0A0= √ 5 2 r − 1 2r = √ 5 − 1 2 r.

Como já foi visto, A0C0 é o lado do decágono e A0E0 é o lado do hexágono. Resta então mostrar

que C0E0 é o lado do pentágono, ou seja,

s25= s 2 10+ r

2

,

em que s5 é o lado do pentágono, s10 é o lado do decágono e r é o lado do hexágono.

Figura 2.13: Representação dos lados do pentágono (AE) e decágono (AB) Conforme a gura (2.13), x = OC = s10, AD = 1 2s5 e DB = 1 2(r − s10). No triângulo retângulo ADB tem-se

AD2+ DB2= AB2 ou 1 4s 2 5+ 1 4(r − s10) 2 = s210. Então, 1 4s 2 5+ 1 4(r 2− 2rs 10+ s210) − s210= 0, ou seja, s25= 3s210+ 2rs10− r2.

Como já foi visto, os triângulos OAB e ABC são semelhantes e assim, r

x = x

r − x, isto é, x

2+ rx − r2= 0.

Como x = s10, segue que

s210+ rs10− r2= 0.

Substituindo rs10 = r2− s210 na equação s52= 3s210+ 2rs10− r2,tem-se

s25= s 2 10+ r

2

, o que conclui a demonstração.

Construção de alguns polígonos regulares: Processo prático

1. Triângulo e hexágono: Traça-se uma circunferência de centro O e diâmetro BD e determina- se M, o ponto médio de BO. A seguir, traça-se o segmento AC passando pelo ponto médio M e perpendicular a BD. Assim, AC será o lado do triângulo inscrito na circunferência e o raio OD será o lado do hexágono.

2. Quadrado e octógono: Traça-se uma circunferência de centro O e diâmetro BD e considera- se OA perpendicular a BD. O segmento AB é o lado do quadrado inscrito na circunferência. Considera-se agora, o triângulo OAB. A bissetriz por O do arcodABinterceptará a circunferência no ponto E e ME será o lado do octógono regular.

3. Pentágono e decágono: Traça-se uma circunferência de centro O e diâmetros BD e AC perpendiculares. Determina-se M, o ponto médio de OD e traça-se uma circunferência de raio M Apor M, que interceptará o diâmetro BD em C. Os segmentos AC e OC são respectivamente, os lados do pentágono e do decágono regulares.

Figura 2.14: Triângulo e hexágono

Figura 2.15: Quadrado e octógono

Figura 2.16: Pentágono e decágono

4. Pentadecágono: Traça-se uma circunferência de centro O e raio OC. Como o arco que suben- tende um lado do pentadecágono mede 360◦

15 = 24

,pode-se relacioná-lo aos arcos de 60e 36,

(24◦= 60− 36) que são respectivamente, os relativos aos lados do hexágono e do decágono.

Figura 2.17: Pentadecágono

Após a construção por Euclides dos polígonos regulares vistos anteriormente, não houve progresso nesse assunto, até que em 1796 Gauss concluiu o seu trabalho sobre a construção do polígono de 17 lados. Posteriormente, Gauss demonstrou o teorema, a seguir, que exibe quais os possíveis polígonos regulares que são construtíveis segundo as regras euclidianas.

Teorema 2.3. Um polígono regular de n lados pode ser construído com régua e compasso se, e somente se, n = 2α ou n = 2αp

1p2· · · pr, em que p1, p2, · · · , pr são números primos distintos da forma

p = 22β + 1e α e β são números inteiros não negativos.

Consequências do Teorema 2.3:

1. É possível construir os seguintes polígonos (até 20 lados): de 3, 4, 5, 6, 8, 10, 12, 15, 16, 17 e 20 lados, incluindo todos os construidos por Euclides e com destaque para o polígono de 17 lados, que será apresentado a seguir.

2. Os polígonos regulares de 7, 9 e 27 lados, por exemplo, não são construtíveis, pois 7 = 20.7,

mas 7 não é um primo da forma 22β + 1; 9 = 20.3.3, mas p

1 = p2 = 3; 27 = 20.3.3.3, mas

p1= p2= p3= 3.

3. Os polígonos regulares com um número primo de lados são, portanto, o triângulo e o pentágono, construidos por Euclides e os de lados n = 22β

+ 1. Como se sabe, n é primo para β = 0, . . . , 4, ou seja, n = 3, 5, 17, 257, 65.537. Euler mostrou que para β = 5, n é composto, isto é, 225+ 1 =

641 × 6.700.417e até o momento não foi encontrado outro número primo dessa forma.

3 A construção de Gauss do polígono regular de 17 lados (Heptadecá-