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CONSTRUINDO O OBJETO DE ESTUDO: A AÇÃO DO BRICOLEUR

3. APRESENTANDO A CONFIGURAÇÃO METODOLÓGICA DA PESQUISA

3.3 CONSTRUINDO O OBJETO DE ESTUDO: A AÇÃO DO BRICOLEUR

Na construção do objeto de estudo, nossa primeira ação como bricoleur foi escolher o cenário onde estudaríamos o conhecimento. Resolvemos, então, pela sala de aula por entender que este espaço se constitui num lugar legitimado de circulação do conhecimento. Uma outra razão é que a aula, apesar de ser uma atividade discursiva institucional, se dá num contexto conversacional face a face, e por isso revela-se para nós como um bom recurso para se analisar o conhecimento numa perspectiva sociocognitiva, uma vez que possibilita a observação de ações linguísticas e cognitivas em situação social de produção e socialização do conhecimento. A escolha pelo cenário da aula no Ensino Superior se deu pelo fato desse nível de ensino ser mais apropriado para o trabalho de observação de aula

expositiva em seu modelo mais prototípico, além disso, essa esfera acadêmica opera com a forma oficialmente privilegiada de saber – o conhecimento científico.

É preciso dizer que não consideramos tarefa fácil pesquisar no espaço acadêmico da universidade, pois os professores, em geral pesquisadores, estão habituados a saírem desse espaço em busca dos seus objetos de estudos, mas tornar-se objeto de estudo, sujeito investigado, nem sempre é visto de maneira positiva pelos docentes. Implicitamente há uma preocupação com o olhar do investigador, gerada pelo fato de que, ao se tornar sujeito, se transforma em objeto de análise e exposição, embora o tratamento ético dos dados coletados seja garantia de sigilo da identidade dos informantes em uma pesquisa.

Mesmo que a universidade do século XXI esteja enfrentando uma crise de hegemonia (Cf. SANTOS, 2008), como já foi dito, ela ainda é vista como lugar privilegiado de produção do conhecimento científico, portanto detentora do saber que produz e transmite. Na verdade, o olhar da ciência é intimidador, sobretudo quando se volta para questões de ensino/aprendizagem, em que professores e alunos são protagonistas. Um bom número de pesquisas voltadas para esse foco privilegia a busca pelo erro, o que justifica o comportamento de resistência à investigação por parte dos professores.

Em virtude da dificuldade para encontrar professores que se dispusessem a serem informantes em nossa pesquisa é que resolvemos investigar o nosso próprio campo de atuação profissional, uma faculdade privada, na cidade de Caruaru-PE, o que não significa dizer que ficamos livres dos desafios, mas o fato de conhecer bem o espaço e ter um bom relacionamento com os professores já nos dava garantia de acesso, como pesquisadora, ao espaço da sala de aula. Nossa primeira preocupação foi tornar os informantes - alunos e professores conhecedores dos objetivos, dos procedimentos metodológicos da pesquisa e do nosso compromisso ético no tratamento dos dados. De forma geral, estes informantes se mostraram acessíveis ao trabalho.

Para a de coleta de dados utilizamos a técnica da observação, gravando aulas em vídeo, além disso, recorremos ao procedimento de anotações de campo com o objetivo de auxiliar no processo de transcrição e interpretação dos dados, a até mesmo para indicar e/ou reforçar determinadas situações que não foram focadas, com precisão, pela câmera. Dessa forma, foi constituído um corpus de 30 aulas expositivas, com duração média de 50 minutos cada uma. Foram aulas

ministradas em diversos cursos de graduação: Economia, Ciências contábeis, Engenharia civil, Turismo, Economia, Pedagogia e Letras.

É importante explicar que estes dois últimos cursos não pertencem à mesma faculdade onde a coleta foi predominantemente realizada, eles fazem parte de uma universidade pública. A inclusão desses cursos se deu em virtude da perda de um arquivo com dez das aulas gravadas nos cursos de Jornalismo e Direito, o que nos obrigou a buscar aulas para recompor o nosso corpus. Pela impossibilidade de retornar à primeira instituição, da qual não fazíamos mais parte, estas aulas foram gravadas numa universidade pública em Campina Grande-PB, local de moradia atual. Para explicitar melhor, mostramos no quadro seguinte a composição final do corpus.

Quadro 2 – Composição do corpus

Curso Professor (identificação) Número de aulas observadas

Indicação das aulas Economia PE (Professor de Economia) 5 A1, A2, A3, A4,

A5 Ciências contábeis PCC (Professor de Ciências

contábeis)

5 A6, A7, A8, A9, A10 Engenharia civil PEC (Professor de Engenharia civil) 5 A11, A12, 13,

A14, A15 Turismo PT (Professor de Turismo) 5 A16, A17, A18,

A19, A20 Licenciatura em Pedagogia PP1 (Professor de Pedagogia) PP2 (Professor de Pedagogia) 2 3 A21, A22 A23, A24, A25 Licenciatura em

Letras

PL (Professor de Letras) 5 A26, A27, A28, A29, A30

A opção pelo registro das aulas em vídeo se deu em razão dessa ferramenta tecnológica ser uma fonte documental bem mais completa do que o áudio. Embora o nosso interesse seja pelos discursos, não podemos descartar a linguagem multimodal como um conjunto de modos representacionais que participam da composição de um texto/discurso (Cf. DIONISIO 2005), sendo assim, um gesto, um sorriso pode ser representativo na constituição de um determinado discurso e, neste caso, uma câmera é bem mais funcional que um gravador para a captação desses

elementos, além disso, por seus recursos tecnológicos, a câmera facilita também o processo de transcrição das falas.

Obtido o corpus, passamos ao processo de transcrição. Passamos a analisar os dados que melhor respondiam aos nossos interesses, enquadrando-os nas categorias de análises, com as quais estamos trabalhando, por isso, nem todas as aulas estão evidenciadas nos exemplos. Desse modo, os recortes discursivos que fizemos são representativos em si mesmos e dos nossos propósitos investigativos, na medida em que possibilitam confirmar nossas asserções elaboradas a partir das concepções teóricas que fundamentam o objeto investigado.

Nesse processo de transcrição, as anotações feitas no diário de campo foram muito úteis, pois forneceram muito elementos explicativos para as falas, algumas vezes incompreensíveis, a até mesmo para indicar e/ou reforçar determinados comportamentos gestuais apresentados pelos sujeitos que não foram focados, com precisão, pela câmera.

Além dos aspectos metodológicos já expostos, convém ressaltar as condições sobre as quais os dados foram organizados em categorias de análise. Abordaremos isto no tópico a seguir.