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PARTE I Enquadramento teórico

Capítulo 2 Promover Comunidades Saudáveis

3. ESTILOS DE VIDA E SUAS IMPLICAÇÕES NA SAÚDE E BEM-ESTAR DA POPULAÇÃO

3.1. A SAÚDE DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES

3.1.4. Consumo de tabaco

Dados obtidos a partir do European Health Report de 2005 revelam que o consumo de tabaco é um hábito habitualmente estabelecido durante a adolescência, pelo que cerca de 80% dos adultos consumidores iniciaram o consumo antes dos 18 anos.

número de raparigas fumadoras tem vindo a aumentar gradualmente. Aos 15 anos, as percentagens de fumadores nos vários países europeus variam entre os 11 e 57% nos rapazes e 12 e 67% nas raparigas, sendo que a grande maioria fuma diariamente (WHO, 2005a). Em Portugal, um estudo realizado com 6903 alunos entre os 11 e 16 anos indica que 30,9% dos inquiridos tinham já experimentado tabaco, sendo maior a prevalência nos rapazes (50,9%) relativamente às raparigas (49,1%), pelo que os jovens com 15 ou mais anos afirmam mais frequentemente consumir tabaco (Matos, Gaspar, Vitória & Clemente, 2003). Um outro estudo realizado com 173 adolescentes portugueses (Nunes, 2004) revela que 46,2% dos inquiridos já haviam fumado tabaco (pelo menos um cigarro), sendo a idade média de experimentação de 11,79 anos, com uma prevalência de consumo actual de 22%.

O consumo de tabaco é responsável por cerca de 20% de mortalidade anual nos países desenvolvidos, sendo a principal causa evitável de morbilidade e mortalidade (DGS, 2002). Causa pelo menos 5 milhões de mortes todos os anos (WHO, 2005c), pelo que, apesar da maioria das doenças relacionadas com o tabagismo se revelar na idade adulta, através da associação que estas têm ao efeito cumulativo do tabaco, existem, no entanto, elevados riscos de saúde imediatos que se fazem sentir na saúde e bem-estar da criança e adolescente como, por exemplo, as infecções respiratórias, reacções alérgicas, dispneia, tosses e asma (Health Education Authority, 1991, cit. por Lima, 1999; WHO, 2005b). A OMS estima que em 2020/30 morrerão anualmente cerca de dez milhões de pessoas, caso nada seja feito para controlar esta epidemia (Nunes, s.d.). Em Portugal, este problema é igualmente grave, uma vez que cerca de 20% da população com mais de dez anos é fumadora (Ibidem).

As idades compreendidas entre os 11 e os 13 anos são consideradas por Precioso (2002) como as de maior risco para consumo de tabaco. De acordo com a OMS, são poucas as pessoas que iniciam o consumo de tabaco depois da adolescência (WHO, 2005a; 2005b), pelo que a intervenção durante a infância tardia ou início da adolescência se torna pertinente e essencial.

Para que o planeamento de intervenções neste contexto possa ser maximizado e eficaz, torna-se essencial conhecer o desenvolvimento e a evolução de um comportamento relacionado com a saúde ao longo do ciclo vital do indivíduo. Neste sentido, o conceito de Carreira de Saúde (Tones, 1987) constitui um instrumento particularmente útil no âmbito do consumo de tabaco (cit. por Lima, 1999). Este permite identificar os factores que influenciam o processo de desenvolvimento do comportamento de fumar e assim antecipar futuras influências na carreira do indivíduo, conforme se pode verificar pela Figura 6.

Figura 6. Modelo de uma carreira tabágica e das influências mais significativas no

estatuto do individuo

a)O eixo horizontal

representa a idade/estádio de desenvolvimento de um indivíduo específico

b) O eixo vertical representa as várias influências que afectam o comportamento de fumar dos jovens

Fonte: Adaptado de Williams e col., (1990, cit. por Lima, 1999)

Deste modo, torna-se possível delinear estratégias de intervenção que abranjam a globalidade de contextos de socialização do indivíduo, ou um contexto em particular como, por exemplo, a escola (Ibidem).

O modelo atrás citado evidencia o papel da família, da escola, dos amigos, dos pares e dos meios de comunicação social como factores importantes na construção do comportamento de fumar do adolescente. Na verdade, vários estudos revelam uma relação positiva entre o comportamento tabágico dos pais e o dos seus filhos (Flay & Conrad, 1989; McNeill, 1989, cit. por Lima, 1999; Matos et al., 2003). Enquanto que as referências dos pais se prendem com decisões que pressupõem consequências a longo prazo como, por exemplo, a religião, política, valores socioeconómicos, cuidados de saúde e hábitos de consumo, as influências dos pares prendem-se com necessidades a nível de identidade e status (Matos, Simões, Canha e Fonseca, 2000). Dados obtidos no estudo de Matos e col. (2003) demonstram que o momento de início de consumo ocorre geralmente com os pares (rapazes e raparigas) e o estatuto/ comportamento de fumador é para eles importante, especialmente para as raparigas.

A necessidade da escola se envolver na prevenção do consumo de tabaco é amplamente reconhecida. Não obstante, um estudo realizado por Precioso, em 1994,

comportamento de fumar dirigido aos adolescentes (Precioso, 2002). As intervenções identificadas não passavam de acções pontuais de transmissão de informação por professores ou profissionais de saúde sobre as desvantagens e malefícios do consumo de tabaco, centradas no modelo biomédico. Verificou, do mesmo modo, que as intervenções focaram essencialmente os alunos do 9º ano com recurso maioritário a metodologias passivas e sem envolvimento dos alunos no processo. O mesmo parece acontecer a nível europeu, onde existe pouca evidência relativamente à eficácia dos programas de prevenção de consumo de tabaco desenvolvidos nas escolas (WHO, 2005a). Um projecto que parece ter produzido resultados positivos intitula-se “Projecto Clube dos Caça-Cigarros”, que está a ser desenvolvido desde 1990 pelo Núcleo Regional do Norte da Liga Portuguesa Contra o Cancro. É originário do Reino Unido, desde 1985, destinando-se a crianças e jovens entre os 8 e 15 anos, pelo que a sua finalidade consiste em ajudá-los a permanecerem não fumadores, através da promoção do seu desenvolvimento psicossocial e estimulando-os a tornarem-se activos na promoção da sua saúde e de um ambiente livre de fumo e tabaco. Em 1999 contava com cerca de 30000 membros distribuídos por 120 escolas do centro e norte do país, assim como das Ilhas da Madeira e Açores (Lima, 1999).

A avaliação deste projecto revelou alguns resultados positivos, nomeadamente uma prevalência do comportamento de fumar significativamente menor entre aqueles que tinham aderido ao clube (3,68%), quando comparada com a dos jovens que não faziam parte deste (14,58%). Do mesmo modo, os jovens do clube revelaram possuir um menor número de crenças positivas em relação ao valor instrumental de fumar (“fumar ajuda a relaxar, a encontrar amigos, a dar estilo e a controlar peso”).

A intervenção precoce, de forma a diminuir o número de novos fumadores, justifica-se uma vez que, depois de estabelecido o hábito de fumar, torna-se difícil voltar atrás. A implementação de medidas políticas sobre este problema têm vindo a demonstrar-se como as mais eficazes. Consequentemente, a OMS (WHO, 2005a) expõe algumas linhas orientadoras na definição de políticas de combate a esta nova epidemia:

- Aumento dos impostos no tabaco;

- Proibição e controlo do consumo em locais públicos;

- Definição de programas de intervenção específicos para adolescentes, de acordo com as idades e o sexo;

- Difusão de campanhas através dos meios de comunicação social; - Incentivo à criação de serviços de apoio à cessação tabágica.

Do mesmo modo, e no que diz respeito às escolas em particular, o recurso a uma politica restritiva de fumar, tanto para alunos como para professores, parece estar associada a um menor número de fumadores e de consumos inferiores entre os alunos,

pelo que este decréscimo é mais significativo quando os professores são igualmente impedidos de fumar na escola (The Royal College of Physicians, 1992; Charlton, Melia & Moyer, 1990; Hea, 1991b, cit. por Lima, 1999; Matos et al., 2003).