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CAPÍTULO 2. ATRAVESSAMENTOS COMUNICACIONAIS E POLÍTICOS DA

2.5. CONSUMO E HEDONISMO

O prazer desempenhou um papel central na edificação do capitalismo. Sombart15 apud Leite Junior (2006) faz um contraponto com Weber colocando o prazer como um dos pilares do capitalismo e não a ascese puritana protestante. Weber em A ética protestante e o

15 Cabe aqui destacar uma informação acerca do autor Sombart. Como é de amplo conhecimento da academia, trata se de autor que respaldou o projeto do nazismo alemão. Neste sentido, claudicamos na inclusão do mesmo neste trabalho. Não obstante, entendemos que feita esta ressalva e com certa limitação, algumas ideias e teses do mesmo podem vir a auxiliar nas reflexões sobre consumo e hedonismo nesta dissertação.

espírito capitalista argumenta que o puritanismo e a ascese protestante influenciaram o modelo econômico capitalista. Em contraponto com a ascese protestante, Sombart também analisa as influências do capitalismo, porém ele afirma que teria sido o prazer pelo luxo a força motriz. Villas Bôas (2001) faz uma comparação entre ambos:

É do excesso, do transbordamento, da ostentação que ele fala, opondo uma estética voluptuosa à estética pietista que Weber menciona ao final de A ética protestante e o espírito do capitalismo, sóbria, econômica pela simplificação das formas, voltada para a utilidade, sem veleidades artísticas.

O luxo entretanto pretende a recriação dos sentidos. Está imediatamente relacionado com o refinamento que para Sombart pragmaticamente quer dizer: aumento de gasto no trabalho vivo necessário para a produção da coisa; significa que a coisa está mais integramente trabalhada em todas as suas partes, bem fabricada com materiais raros e custosos. Filho do amor ilegítimo ou a-legitimo como prefere Sombart, o luxo acentua a valorização cada vez maior da sensualidade e do refinamento (...) Para Sombart decididamente não é o afã aquisitivo que gera manufaturas, mas o consumo de um bem, a ser utilizado talvez por poucas horas, para suprir um capricho e prazer passageiro. Este consumo, sim, leva à proliferação das fábricas em torno das cortes das cidades, a começar pela importante indústria da seda, o melhor exemplo de uma manufatura que servia ao luxo. Se o ascetismo, a retenção, o ganhar mais e ser mais rentável tornam-se uma virtude para o burguês protestante em Sombart, em visível contraste com Weber, é na futilidade, na vain ostentation, no supérfluo, que se encontra o valor que engendra o grande crescimento da ordem capitalista (VILLAS BÔAS, 2001, p. 191)

Os argumentos de Sombart são interessantes para pensar o papel que o hedonismo desempenha na sociedade de consumo ocupando desde o começo um papel central. Sombart também chama atenção para o papel central da mulher nesse processo, com a figura da cortesã, pois seria através dela que o “universo ligado aos prazeres do corpo, aos deleites dos sentidos indissocialmente unidos a gastos enormes que vão contribuir de maneira essencial para originar o moderno capitalismo” (Sombart apud Leite Junior 2006, p.45).

Outro autor que faz um paralelo com Weber é Campbell (1989) destacando uma ética romântica como central para o espírito do consumismo da mesma forma que a ética protestante foi central para o espírito do capitalismo. Cabe aqui uma ressalva: ainda que abordemos a "cultura do consumo", Campbell não o faz, dando maior peso à ideia de sociedade de consumo. Com efeito, a partir do conceito de daydreaming Campbell coloca a elaboração imaginativa como central para a sociedade do consumo, sendo o ingrediente romântico na cultura responsável por uma parcela crucial do desenvolvimento da sociedade de consumo. A fantasia e a auto-projeção negociadas pela pornografia, entendemos, são essenciais para a cultura do consumo. Para Campbell (2006):

Deixem-me apenas enfatizar minha crença de que o processo de querer e desejar está no cerne do consumismo moderno. Isso não quer dizer que questões referentes a necessidades estejam ausentes, ou que outras questões, como estruturas institucionais e organizacionais significativas, não sejam importantes. Quero apenas afirmar que o dínamo central que impulsiona tal sociedade é o da demanda do consumidor, e que isso, por sua vez, depende da habilidade do consumidor de exercitar continuamente seu desejo por bens e serviços. Nesse sentido, são nossos estados emocionais, mais especificamente nossa habilidade de querer, desejar e ansiar por alguma coisa, sobretudo nossa habilidade de repetidamente experimentar tais emoções, que na verdade sustentam a economia das sociedades modernas desenvolvidas (CAMPBELL, 2006, p.48).

Existe uma miríade de materiais pornográficos e consumos possíveis. Baltar e Sarmet (2015) chamam atenção para o papel privilegiado que a pornografia desempenha na produção de sentido sobre o corpo, a sexualidade e o desejo. Dessa forma, postulam as referidas autoras que os fins da imagem pornográfica excederiam os fins de excitação masturbatória; com efeito, entendem a pornografia como uma forma de disputa contemporânea em torno das políticas de gênero. Sobre o potencial masturbatório da imagem pornográfica, Preciado (2018) sobre a pornopoder afirma:

A pornografia é um dispositivo masturbatório virtual – literário, audiovisual, cibernético... Enquanto indústria cinematográfica tem como objetivo a masturbação planetária multimídia. O que caracteriza a imagem pornográfica é sua capacidade de estimular, independentemente da vontade do espectador, os mecanismos bioquímicos e musculares que regem a produção de prazer.

Destacando esta capacidade da imagem pornográfica para ativar-se no corpo do espectador, Linda Williams define pornografia como imagem

“corporalizada” (embodied image), uma imagem que se incorpora como corpo e capta o corpo no “encontro com um dispositivo tecnológico erotizado”. (PRECIADO, 2018, p. 281)

O prazer possui um papel central tanto para a pornografia quanto para a cultura do consumo, porém o hedonismo a que nos referimos aqui não é o mesmo que o senso comum associa às práticas de consumo, como uma atividade fútil. Rocha (2005) define a visão hedonista de consumo como aquela vista pelo prisma do sistema publicitário.

É uma espécie de discurso central, e quando a cultura de massa pensa o fenômeno do consumo, o faz, via de regra, nos parâmetros de uma ideologia em que possuir produtos e serviços é ser feliz. São cervejas que trazem lindas mulheres, carros que falam do sucesso pessoal, cosméticos que seduzem, roupas que rejuvenescem. Produtos e serviços que, agradavelmente, conspiram para fazer perene nossa felicidade. Consumir qualquer coisa é uma espécie de passaporte para a eternidade, consumir freneticamente é ter a certeza de ser um peregrino em viagem ao paraíso. O discurso publicitário é porta-voz oficial dessa marca (no duplo sentido) hedonista. (ROCHA 2005, p. 127-128)

Esta visão de consumo é associada a um moralismo, quando nos referimos ao papel que o hedonismo e o prazer exerceram na edificação do sistema capitalista não estamos reiterando essa visão. Compreendemos consumo pelo prisma de Douglas (2006), como estruturador de valores que constroem identidades. “O consumo é um processo ativo em que todas as categorias sociais estão sendo continuamente redefinidas”. (DOUGLAS, 2006, p.116) Dentro de um contexto mais amplo que o consumo assume na construção de subjetividades é que chamamos atenção para o papel que o prazer e o hedonismo desempenham na cultura do consumo. Sobre a associação entre hedonismo e capitalismo, Preciado também faz algumas ressalvas:

O que preocupa o capital é a capacidade de todo corpo dotado de subjetividade política sentir prazer e provocar prazer em outros corpos dotados de subjetividade política masturbatória. Mas essa forma de capitalismo não é hedonista. Porque, como afirmam os princípios de Weber-Hilton, o objetivo não é a produção de prazer, mas o controle da subjetividade política por meio da gestão do circuito de excitação-frustração.

A finalidade do pornô, como a do trabalho sexual, é a produção de satisfação frustrante. (PRECIADO, 2018, p. 318-319)

A visão de Han (2017) acerca do consumo se aproximaria de uma visão hedonista do consumo. Sobre o consumo o autor afirma que acarreta na erosão do outro e na narcissificação do si-mesmo. O outro seria atópico, logo negativo, gerando uma retratividade frente ao consumismo. Para haver consumo seria necessária uma nivelação que permite a transformação de tudo em um objeto de consumo, para haver essa nivelação a negatividade teria que desaparecer, e com ela, a alteridade. Nesta sociedade narcisista “a libido é investida primordialmente na própria subjetividade” (HAN, 2017, p. 9) O princípio do desempenho teria se espalhado em todas as esferas da vida, inclusive no amor e sexualidade. Para o autor o capitalismo eliminou a alteridade para poder submeter tudo ao consumo.

Han (2017) faz uma analogia para a sociedade do cansaço com o navio holandês voador. Um navio que vaga sem rumo e descanso, com uma tripulação de zumbis. A liberdade dos piratas serve como uma danação de ter de explorar eternamente a si mesmo.

Assim como a produção capitalista que também não possui meta definida.

O processo do capital e da produção acelera-se ao infinito pelo fato de eliminar a teleologia do bem viver. O movimento ganha uma velocidade extrema na medida em que se desfaz de seu direcionamento. Com isso, o capitalismo se torna obsceno. (HAN, 2017, p. 44)

O argumento do livro é que a partir de uma erosão do outro, habilitada pela sociedade do cansaço, o eros teria perdido seu espaço, daí viria a depressão, a partir da erosão do outro e

obliteração da alteridade em um exercício narcisístico. É dentro deste movimento que o autor situa a pornografia, como o oposto do eros, como uma profanação do mundo.

O rosto desnudado, reduzido unicamente a sua expositividade, desprovido de mistério e expressão, é obsceno e pornográfico. O capitalismo acentua a pornografização da sociedadade, expondo e exibindo tudo como mercadoria.

Ele não conhece nenhum outro uso da sexualidade. Profana o eros em pornografia. Aqui a profanação não se distingue da profanação de Agamben.

(HAN, 2017, p. 61)

A fantasia para o autor estaria perdendo espaço, devido a um contexto de midiatização, agora a imaginação teria cedido espaço para uma abundância de informações.

Han, por sua vez, em "Agonia do Eros" continua os argumentos propostos na sua obra anterior, "A Sociedade do Cansaço". Para o referido autor, a sociedade de desempenho gerou através de sua incansável produtividade, busca pela felicidade e positividade, sujeitos depressivos e narcisistas. Assim, eros e depressão se contrapõem da mesma forma que eros e pornográfico se contrapõem. O eros arrancaria o sujeito de si mesmo direcionando-o para outro, enquanto a depressão o mergulha em si mesmo. Para o autor o “eros é precisamente uma relação com outro que se radica para além do desempenho e poder.” (HAN, 2017, p. 25) O outro sexualizado como objeto de excitação, não pode ser amado pois foi privado de sua alteridade, este outro só pode ser consumido.

Han (2017) por vezes, cai em um fatalismo que parece idealizar a relação romântica.

Afirmar que o eros não negocia relações de poder, não faz muito sentido, ao se pensar as assimetrias negociadas em uma relação entre os gêneros. Eventualmente, este tom nostálgico é voltado para uma análise dos meios de comunicação.

Os novos meios de comunicação são admiráveis, mas causam um barulho monstruoso. A massa de informações em proliferação, essa desmedida positividade, se expressa como barulho. A sociedade da transparência e a sociedade da informação é uma sociedade com alto nível de barulho. Mas sem negatividade só irá existir o igual. O espirito, que originalmente significa inquietação, deve a essa sua vivacidade. (HAN, 2017, pg 89) Assim, ao analisar a imagem pornográfica, Han (2017) a coloca dentro de um contexto de hipervisibilidade.

Da imagem pornográfica não parte qualquer resistência do outro ou também do real. Nela tampouco inabita qualquer decência, nenhuma distância.

Pornográfica é precisamente a falta de toque e de encontro com o outro, a saber é o toque auto erótico de si-mesmo. O amor, enquanto evento, enquanto palco de dois, é ao contrario des-habitualizante e des-narcisizante.

Provoca uma ruptura, um buraco na abertura do habitual e do igual. (HAN, 2017, p. 80)

Gostaríamos desta forma de analisar a imagem pornográfica a partir deste contexto de hipervisibilidade, em que o prazer desempenha um papel central para a cultura de consumo.

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