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CAPÍTULO 2. ATRAVESSAMENTOS COMUNICACIONAIS E POLÍTICOS DA

2.6 PORNOGRAFIA E INTERNET

eu não tinha lembrado disso, mas vi muita playboy na minha vida, achava irado, saudades da playboy com nudes

Em ambas as entrevistas e até por meio da história da revista que inicialmente no Brasil se intitulava Homem, percebemos que o público alvo das revistas foi o masculino. A entrevistada 10 que se sentiu como uma outsider do grupo dos meninos ou a 7 encontrando a revista do pai. Mira (2001, p.105) recupera o primeiro editorial da Playboy:

Se você é um homem, se você tem entre 18 e 80 anos, então Playboy é para você. Se você gosta de divertir, se você aprecia um pouco de humor, de refinamento e de pimenta na sua vida, você irá fazer de Playboy sua mais fiel companheira. Que fique claro desde o início: nós não somos uma “revista familiar”. Irmã, esposa ou sogra, se você abriu este periódico por acaso, eu lhe peço, entregue-o ao homem de sua vida e retorne ao seu Ladies Home Companion.

Apesar do forte apelo, as meninas não devolveram as revistas aos homens de suas vidas. Como demonstra Santana:

Primeiramente, ao contrário do que imaginava, alguns números de pesquisas revelaram que as mulheres brasileiras estão no topo das nacionalidades que mais consomem o conteúdo para adultos no mundo inteiro. As estatísticas apresentaram que este público feminino compõe 35% dos acessos a conteúdo pornográfico realizados em território nacional, ou seja, “mais de dez pontos percentuais acima da média mundial - que é de 24%” - e que, em 2014, as mulheres compunham 54% da base de assinaturas dos canais da Playboy Brasil. (SANTANA, 2016, p.13)

A faixa da etária das entrevistadas variou entre 18 e 39 anos. Ainda percebemos uma influência dos meios impressos e televisivos entre as entrevistadas, porém a presença do digital já se demonstra expressiva, especialmente entre as mulheres mais jovens. Por essa razão, a seguir, exploraremos essa ambiência midiática e seu consumo.

Parte das entrevistadas afirmou que o primeiro contato com pornografia foi por meio do computador, da internet. Sendo que o consumo de pornografia da maioria, atualmente, se dá digitalmente, em sites tube no celular. Somente três entrevistadas falaram que consomem pornografia, atualmente, na televisão, duas por meio da IPTV e a terceira às vezes espelhava o conteúdo do celular na televisão, mas dando preferência para assistir pelo celular.

As entrevistadas que assistem televisão, de forma geral e não para pornografia, estão, na maioria das vezes, assistindo conteúdo digital como serviços de streaming ou espelhando o conteúdo do celular na tv. Segundo dados publicados pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), 97% dos domicílios brasileiros têm televisão, enquanto que 93% tem celular, a média de acesso à internet da população brasileira é de 67%, enquanto que a média da população com acesso à tratamento de esgoto é de 52%17.

Figura 9: Gráfico CETIC

Imagem: Domicílios que possuem equipamentos TIC no Brasil Fonte: https://cetic.br/

A maioria das entrevistadas têm televisão, as que não possuem pareceu ser por opção, mesmo dentre aquelas que têm televisão, poucas falaram que assistem os canais abertos, a

17 Dado disponível no site do senado federal: < https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/09/25/brasil-tem-48-da-populacao-sem-coleta-de-esgoto-diz-instituto-trata-brasil > Último acesso em 28/12/19

maioria revelou uma preferência por consumir pelo celular, computador ou tablet. Nenhuma das entrevistadas afirmou consumir material impresso como jornais e revistas. Observamos dessa forma uma preponderância do digital e da internet em nossa pesquisa, sendo o meio preferido das entrevistadas tanto para o consumo cultural de uma forma mais ampla como para o pornográfico.

Baitello Jr. (2010) ao descrever o processo de devoração por imagens, afirma que devoramos imagens, mas também somos devoradxs por elas, afirmando “nestes espaços, como nas cavernas e nos templos, não estamos mais exercendo nossa capacidade de ver, mas nos colocamos como objetos para sermos vistos. Nos ofertamos ao olhar das imagens. Já não vemos as imagens, apenas somos vistos por elas” (p.9-10).

A partir de um contexto digital, a frase de Baitello Jr. ganha contornos literais, com a coleta de metadados e rearticulações das esferas público e privada na internet, podemos afirmar que as imagens pornográficas estão olhando de volta.

A obscenidade aparece como uma demarcação entre as fronteiras do público e privado (HUNT, 1999). Dentro dessa demarcação, especialmente a partir do século XIX, ao sexo é reservada à esfera privada. Algumas das entrevistas fizeram essa ligação do obsceno com as esferas público/privada.

Entrevistada 13:

MJ: ao obsceno você associa a uma imagem?

E: obsceno, você falou a palavra agora e só pensei na questão de fazer em público, tem uma galera que curte isso e acho meio obsceno, não sei agora porque acho obsceno, talvez porque você tá dividindo uma coisa com pessoas que talvez não quisessem ver, aquilo ali já tá numa coisa que não é legal, que não deveria ser dividido, não sei.

Entrevistada 11:

MJ: É por que você acha que a pornografia tem essa carga tão pejorativa?

E: É então, mas assim, porque querendo ou não essa é uma indústria extremamente pesada néh, e que querendo ou não fica... como eu posso te explicar, é errado néh, é tabu, sexo é tabu, tanto dentro de casa como em qualquer outro lugar, então é assim, é errado você falar, sei lá, eu vou assistir um pornô, ou falar de sexo com a minha mãe, [Inaudível 13:55 -14), então não tem como, então eu acho que é por isso, além de o sexo ser um tabu, pornografia tem um peso muito maior, por ninguém falar e todo mundo ver.

Entrevistada 2:

Mj: É por fim você acha quem tem alguma dimensão política, é...a partir que possa servir sobre a perspectiva de gênero, a partir do consumo de pornografia? Você acha que o consumo de pornografia pode ser uma pauta política, pode ser um ato político?

E: Eu acho que a questão... de pornografia, eu não sei, eu acho que pornografia e essa coisa voltada pra sexualidade deve ser uma coisa reservada, e particular. O que eu acho que tem que ter influência política é a questão de preconceitos né, é de preconceitos, eu acho que eu sei, eu já ouvi

situações que existem pessoas que são viciadas em pornografia que aí já chega a ser acho que algo que né, o vício é algo que né não consegue controlar, então de repente um trabalho voltado pra isso, talvez fosse interessante né, pras pessoas que são compulsivas, que não conseguem parar, que não consegue, que isso começa a prejudicar a vida delas, no sentido de não conseguir manter um relacionamento, ou só depender daquilo pra conseguir ter uma relação sexual, sei lá ne, algo assim que seja assim fora do controle, eu acho que acredita seja interessante ter esse envolvimento né político.

As respostas das entrevistadas, em especial da entrevistada 2, traz o consumo de pornografia como privada e não da esfera pública e política. De certa forma a entrevistada reiteraria a visão platônica, “as reflexões platônicas sobre a privacidade não buscam edificar uma separação dialética entre público e privado já que esta última esfera não é de interesse. A virtude – e, portanto, a vida justa capaz de construir o bem comum – se dá unicamente na polis.” (PERES-NETO, 2016, p. 22). Paradoxalmente a fala da entrevistada 2 também vai de encontro com a visão platônica, ao falar que não deveria ser de interesse público a sexualidade, a entrevistada não concorda com a interferência estatal na esfera privada também se aproximando da visão moderna.

Com efeito, a esfera privada – constituída na modernidade a partir das mudanças estruturais da esfera pública – passa a ser entendida como o impenetrável domínio da vida no qual tem-se o domínio de si com um maior grau de autonomia. Se, por um lado, um menu de direitos e garantias sociais (por exemplo, a partir da universalização da educação), por outro lado, a vida íntima ganha um novo revestimento cultural na medida em que enfraquece os laços sociais comunitários, permitindo que a privacidade representa um espaço impenetrável aos olhos do público. A ética da privacidade moderna é aquela que permite a separação de valores próprios da vida pública daquele circunscritos à vida privada. (PERES-NETO, 2016, p.26-27)

A partir da modernidade já percebemos uma reconfiguração das esferas público e privada, que tendem a se rearticular novamente em nosso contexto, especialmente se estamos nos referindo ao digital.

O consumo de inúmeros sites, aplicativos ou computadores, por exemplo, nos exige o consentimento prévio a políticas de privacidade que não lemos, muito menos entendemos. Sem a aceitação destas, nada pode ser consumido no ciberespaço. Vivemos, segundo esses termos, uma ética do tudo ou nada visto que, curiosamente, todos os usuários são compelidos a arcar com as consequências da aceitação de tais políticas. Não é de se estranhar que à sombra destas erguem-se verdadeiras redes públicas e privadas de vigilância e controle daquilo que fazemos e nem sempre queremos expor ao público.

(PERES-NETO; CORRAL, 2016, p. 12)

A questão da vigilância apareceu em algumas entrevistas, apesar de se mostrarem receosas com o vazamento de dados, as entrevistadas pareceram não se dar conta, de que o espaço de consumo de pornografia digital está submetido a uma rede de vigilância.

Entrevistada 11:

MJ: Quais sites ou canais de televisão você geralmente acessa?

E: É, tem vários néh, aí depois que rolou uma parada aí que tavam falando que você acessasse tal site pelo celular ele pegava seu número e jogava pra todas as galeras, aí eu fiquei mais assim, contida, aí eu assisto ou Pornhub que é o principal e às vezes quando trava eu vou no Redtube, mas basicamente são esses dois.

Mj: Qual site é esse que ameaçou de divulgar o número?

E: Eu não sei, minha melhor amiga que me falou, por que um dia um monte de cara aleatório começou a mandar mensagem, eu fiquei caralho que coisa é isso, ela só falou assim: velho teve um site que tava vazando tipo o número da galera. Eu falei pronto, fudeu, mas eu nem vi, nem fui atrás pra saber.

Mj: Desde então você toma alguma precaução digital, aba anônima, usar um navegador...[interrompida pela entrevistada]

E: Sim, sempre foi na aba anônima, nunca foi, sei lá, a não ser que fosse, não sei explicar mas acho que não, nunca, sempre foi na aba anônima.

Mj: Você se sente protegida dessa forma?

E: Não, é só porque pô um dia eu vou abrir meu celular no safari e vai tá lá (risos), sabe, é só por isso, só pela minha privacidade. (risos)

Mj: (risos) é só pra não aparecer no histórico então?

E: É, basicamente.

Entrevistada 6:

MJ: você toma alguma precaução digital? Tipo abrir uma aba anônima, usar um navegador, tipo o tor que impede a coleta de megadado?

E: ah sim, às vezes, quando eu lembro eu boto janela anônima, nem sabia desse outro aí, mas geralmente não, e aí eu tenho limpar o cookie do meu celular, porque nossa se alguém pega, ah a ninfomaníaca

Também percebemos que por vezes há uma reverberação do pânico moral midiático (ESS 2014) nas entrevistadas que enxergam a pornografia online como suja e insegura.

Entrevistada 4:

MJ: você tem algum medo de pegar vírus no computador, alguma coisa assim quando você tá?

E: ter, tenho, mas como nunca aconteceu até onde eu sei, acho que é um negócio mais normal, mas já tive muito, no começo eu tinha certeza que ia morrer.

M: por que você tinha certeza que você ia morrer?

E: sei lá, porque sempre me falam que você vai assistir pornô e ia entrar um vírus no meu computador, mas era nesse sentido, eu tinha certeza que ia pegar vírus e nunca aconteceu, ai eu falei ah tudo bem, tá tudo certo.

Entrevistada 8:

M: Beleza, você paga por pornografia?

E: não

M: você consideraria pagar por pornografia?

E: não, às vezes eu penso, mas não, talvez por conta dos sites, mesmo o Pornhub tendo o cadeadinho que seja seguro, você não vai lá e digitar o meu cartão de crédito e quero pagar pelo celular

M: segurança de não saber o que eles vão fazer com seus dados bancários?

E: é, isso também, não sei, por mais que eu me sinta mais de boa que eu consumo, tem aquele negócio, então não gostaria processar a Pornhub por me roubar 500 reais, tipo não é legal, entendeu? se acontecesse alguma coisa M: você tem medo de pegar algum vírus no seu celular, computador?

E: sim, mas ao mesmo tempo, o Pornhub tem o cadeadinho que diz que o site é seguro, então eu fico mais tranquila, mas ao mesmo tempo, os anúncios que vem, se clicar em algum, os pop ups que abrem assim, fecha tudo na hora, porque vai que dá alguma merda.

O consumo de imagens online traz novos tensionamentos e articulam as esferas público e privada de maneira particular. As novas tecnologias permitem novas formas de se relacionar socialmente e também sexualmente. Em nosso roteiro de perguntas realizado com as entrevistadas é justamente a pergunta “você já recebeu vídeos pornográficos no whatsaap?”

seguida das perguntas “você já recebeu algum nude?” e “você já mandou algum nude?” que marcam o começo das perguntas mais diretas sobre pornografia e o fim das perguntas sobre consumo cultural. Essa escolha se deu para pensarmos um papel ativo das entrevistadas em relação à pornografia. Sobre esta relação ativa da pessoa diante da imagem pornográfica surge o conceito pornificação de si, sobre este conceito Baltar:

O contexto contemporâneo da hipertrofia da intimidade se caracteriza pelo crescente desejo de olhar a intimidade do outro e, acima de tudo, também pelo desejo de ser visto em sua própria intimidade. Assim, chama atenção o fato de que transformar a intimidade em algo a ser publicizado é hoje uma quase uma condição para existir, principalmente no mundo online, onde o que se é define se pelo o que aparece e o que está visível à flor da pele. É neste lastro teórico e conceitual que pornificação de si ganha cada vez mais espaço no cenário midiático e cultural contemporâneo. A Internet aumenta esta possibilidade de se construir para o olhar do outro, fornecendo uma plataforma perfeita, fácil e acessível para dar vazão a personalização do desejo do consumo de corpos, identidades e subjetividades e divulgação da intimidade. (BALTAR, 2018, p.567-68)

A maioria das entrevistadas disse já ter mandado nudes, algumas significaram a prática de forma negativa, revelando terem sido pressionadas a mandar fotos íntimas.

Entrevistada 9:

M: já enviaram algum nude pelo celular?

E: já enviaram, mas não é uma coisa que eu curta, até porque essa coisa do porn shame, o próprio bullying em si, eu sempre fui muito ligada em tecnologia e internet, participei de todos esses nicks, orkuts, eu acho que aprendi muito cedo que não se deve compartilhar fotos de si e nunca das que eu recebi tinha um rosto, era sempre só uma parte, um close específico M: você já enviou alguma?

E: já enviei pro meu namorado uma e nem ele curtiu e nem eu curti enviar.

Entrevistada 7:

M: já te enviaram algum nude?

E: já me enviaram, meu ex namorado também, ele era péssimo esse menino, enfim, já me enviou nude sim, é isso, eu não sou a pessoa dos nudes, não é minha praia

M: então você nunca enviou?

E: já enviei por pressão psicológica dele, mas com meu ex mais recente, foi o que falei, não gosto dessas paradas de nude, não é nem pela questão de mandar, eu não quero parar meu dia pra tirar uma foto pelada, se você saísse em uma foto pelada no dia, aí talvez eu mandaria, mas eu não ia ficar pensando em ficar bonita pra tirar foto, não gosto dessas coisas, mas mandei por pressão psicológica, bem chata mesmo, ficava tipo assim, manda manda manda, aí um dia eu mandei, infelizmente (fala baixo) 06:47

Vance18 (1984) utiliza a conceituação prazer e perigo para analisar a sexualidade feminina. Por mais que exista uma possibilidade prazerosa em mandar fotos íntimas, existem alguns perigos associados a prática.

A tensão entre perigo sexual e prazer sexual é poderosa na vida das mulheres. A sexualidade é simultaneamente um domínio de restrição, repressão e perigo, bem como um domínio de exploração, prazer e agência.

Concentrar-se apenas no prazer e na gratificação ignora a estrutura patriarcal em que as mulheres agem, mas falar apenas de violência e opressão sexual ignora a experiência das mulheres com agência e escolha sexual e aumenta involuntariamente o terror e o desespero sexual em que as mulheres vivem.

19(VANCE, 1984, p. 1)

Gênero está sendo negociado dentro de um campo assimétrico de poderes, dessa forma as entrevistadas acima relatam terem sido coagidas a enviar as fotos, não associando a prática de uma forma positiva. A entrevistada 6 também narra um episódio de violação associada à prática de trocar nudes.

Entrevistada 6:

MJ: já te enviaram algum vídeo pornográfico pelo whatsapp?

E: já, inclusive, eu quase não fui na minha viagem de formatura do XXXX no nono ano, porque me mandaram num grupo da sala, minha mãe pegou, não, não era no grupo da sala, criaram um grupo comigo e mandaram, só que

18 O livro Pleasure and Danger: Exploring Female sexuality organizado por Carol Vance é paradigmático para as Porn Wars ou Sex Wars. O livro é uma coletânea de artigos organizada a partir de uma conferência realizada em 1982 em Nova Iorque e traz artigos importantes que contestam os argumentos das feministas antipornografia, trazendo novas dimensões para o debate.

19 Tradução nossa, no original: “The tension between sexual danger and sexual pleasure is a powerful one in women’s lives. Sexuality is simultaneously a domain of restriction, repression, and danger as well as a domain of exploration, pleasure, and agency. To focus only on pleasure and gratification ignores the patriarchal structure in which women act, yet to speak only of sexual violence and oppression ignores women’s experience with sexual agency and choice and unwittingly increases the sexual terror and despair in which women live.”

eu saí do grupo várias vezes, porque não era um vídeo normal, era tipo uma mulher com um cavalo, e aí minha mãe pegou meu celular, porque ela pegava às vezes, ela viu e eu quase não fui na minha viagem de formatura, foi bem...

MJ: foi traumático, já te enviaram algum nude?

E: já e eu já enviei também e foi traumático também e não era nem um nude, era tipo assim, eu tava de calcinha e tinha botado um moletom por cima, tirei de lado, tava de calcinha só que não aparecia muito, e aí mandei pra um menino, tinha botado uma frase, tipo não achei meu shorts, depois as meninas, caiu na boca do povo, e aí todo mundo levava shorts na escola pra zuar com a minha cara, tipo tá aqui se você não tem um shorts, te dou, te empresto

MJ: nossa que triste, ele compartilhou?

E: não, não foi muito isso, ele guardou só que aí um dia pegaram o celular dele e usaram aqueles aplicativos que você guardava, trancava foto, aí compartilharam, ele não tinha nada a ver com isso, ele só guardou né, mas nude assim agora, eu só mando direto só pro meu namorado, mas já recebi de outros caras também, cara que tava bêbado, sei lá, cara que eu tive que bloquear, umas coisas da vida né.

Não devemos perder de vista os perigos associados com o exercício da sexualidade feminina, porém também temos que tensionar o prazer, muitas mulheres não têm uma experiencia positiva com a troca de fotos íntimas, mas muitas mulheres têm. O vazamento de fotos íntimas é uma experiência traumática para a mulher e se constitui em crime no Brasil20, mas também pode ser uma prática prazerosa. A entrevistada 6 relata uma situação de abuso e violação com a troca de fotos íntimas, porém afirma que ainda manda fotos, mas agora com mais cuidado, enviando só para o seu namorado. A maioria das entrevistadas narrou uma experiência positiva com a prática:

Entrevistada 5:

M: já te enviaram vídeo pornográfico pelo whatsapp?

E: nunca, em grupo assim, não vídeos, mas sabe os gifs?

M: já te enviaram algum nude?

E: já

M: você já enviou algum nude?

E: sim

M: se sentiu bem ao trocar nudes?

E: aham

20 Lei 13.718/18: “Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.

Aumento de pena

§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.”

M: você pode elaborar um pouco como foi a sensação?

E: no começo, a primeira vez que pediram nude, me mandaram, aí fiquei meio assim, aí depois pediram e eu falei que não queria, mas aí depois quando eu comecei a sair com meu namorado, sei lá, gostava dele, confiava nele, aí achava que não ia ter problema, e aí é legal, porque você vê a outra pessoa se excitando, então, aí eu comecei a gostar

Entrevista 1:

Mj: É, já te enviaram vídeos pornográficos pelo whatsapp?

E: Ahhh, esse aí no meu celular é o que mais tem (risos) Mj: (risos) Já te enviaram algum nude?

E: ô meu pai...(risos)

MJ: (risos) você já enviou algum nude?

E: Ôôô lógico. Sim, sim, sim, sim.

Entrevista 10:

M: já te enviaram algum nude?

E: cara, eu acho… talvez, meus ex namorados, mas uma coisa sutil, não sou muito de nudes pela internet, porque eu tenho medo, então, mas já, já recebi M: você já enviou algum nude?

E: já mandei, pra namorados já

M: você se sentiu bem com essa troca ou não?

E: eu me senti, porque os dois namorados, as duas pessoas que eu troquei nude são, foram dois ex meus, dois ex namorados, então eu me senti bem, foi uma coisa tranquila, eu quis fazer, são pessoas que eu confio, então sim, eu me senti bem, mas foram poucas vezes.

Entrevista 11:

Mj: Já te enviaram algum nude?

E: Já, já enviaram.

Mj: é você se sentiu bem ao receber esse nude, ou você acha que foi nada a ver?

E: Ah eu acho que, quando eu recebi nunca foi num contexto aleatório, nunca foi de repente, então eu acho que foi tudo bem, porque assim eu queria receber, nunca foi abusivo, nunca foi uma coisa da qual eu tive que falar opa peraí que que é isso? Então sim.

Mj: Uhum e você já enviou algum nude também?

E: Já enviei também.

Mj: você se sentiu confortável ou foi pressionada?

E: Ah não, o nude pra mim começou como um tabu néh, eu não tinha, eu nunca nem, sabe assim quando você vê as coisas acontecendo mas você nunca teve nesse lugar, aí quando, um exemplo eu namorei e ele tava morando em XXXX e eu vim pra XXXX, e aí nisso nessa distância eu e meu namorado a gente começou a mandar nudes e não sei o que, então assim foi muito natural o processo, nunca foi, nunca foi do nada e sempre foi porque eu me sentia desejada e me sentia confortável, e aí foi isso, uma vez que eu fiz com esse meu ex namorado, aconteceu de, acontece às vezes com umas pessoas e tudo mais, mas nunca aleatório, nunca fora de um contexto, ou então com pessoa que eu acabei de conhecer, nunca é assim.

MJ: Uhum, é, e você se sentiu bem ao trocar nudes, foi uma experiência positiva?

E: É, é diferente néh, quando você, você se imagina nessa posição e quando, pra mim foi um resultado muito positivo, pós assim, de ver as fotos e ter a reação, é, positiva de quem eu mandei, me senti desejada e ver que as minhas fotos podem causar desejo na outra pessoa, então pra mim foi muito positivo, muito pelo contrário abriu um tabu pra mim que as vezes eu tiro

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