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Poder saber e prazer: os afetos políticos mobilizados no consumo feminino de pornografia

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Academic year: 2023

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Poder Saber e Prazer:

Os Afetos Políticos mobilizados no Consumo Feminino de Pornografia

Maria Júlia Alencastro Veiga

São Paulo | 2020

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Autorizo a reprodução total ou parcial da minha tese/dissertação Poder saber e prazer: os afetos políticos mobilizados no consumo de pornografia, para fins de estudo e pesquisa, desde

que seja sempre citada a fonte.

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Maria Júlia Alencastro Veiga

PODER SABER E PRAZER

Os afetos políticos mobilizados no consumo feminino de pornografia

Dissertação apresentada ao PPGCOM ESPM como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo.

São Paulo, março de 2020

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________

Orientador e Presidente da Banca:

Prof. Dr. Luiz Peres Neto (ESPM)

____________________________________________________________

Avaliadora Externa

Profa. Dra. Mariana Baltar (UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE)

____________________________________________________________

Avaliadora Interna

Profa. Dra. Rosamaria de Melo Rocha (ESPM)

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Para Valéria e Nair

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho não teria sido possível sem a ajuda de meus pais, José e Juci, da minha tia Valéria, e da minha irmã Victória, muito obrigada pelo apoio.

Ao meu orientador Prof. Dr. Luiz Peres-Neto, muito obrigada pela paciência, leitura atenta e parceria.

Às Professoras Doutoras Mariana Baltar e Rose de Melo Rocha, que gentilmente aceitaram compor a banca. Muito obrigada pelas valiosas contribuições na banca de qualificação.

Ao corpo docente da ESPM, em especial a Eliza Casadei, Rose Rocha e Denise Cogo, muito obrigada pela generosidade e ensinamentos.

Ao grupo de apoio da Biblioteca, muito obrigada Mari, Carol e Flávia, não sei o que teria feito sem vocês e sem nossas pausas para o café.

Ao Lucas, muito obrigada pelo companheirismo.

Aos colegas de turma de mestrado Pedro, Sheila, Thiago, Fernando, Rosa e Eliana, muito obrigada pela amizade, apoio e leveza. Foi muito bom conhecê-los e conviver com vocês nos últimos dois anos.

A todas as mulheres que aceitaram conversar comigo sobre pornografia, muito obrigada pela confiança, esse trabalho não teria sido possível sem vocês.

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ALENCASTRO VEIGA, Maria Júlia. Poder Saber e Prazer: Os afetos políticos mobilizados no consumo feminino de pornografia. 2020. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo, Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), São Paulo.

RESUMO

Vivemos em um contexto de ampla produção e consumo midiático no qual as imagens desenvolvem um papel central. Preciado (2018), com efeito, define a contemporaneidade como a era farmacopornográfica. A partir desse contexto, realizamos 13 entrevistas qualitativas em profundidade com mulheres consumidoras de pornografia e analisamos, nesta dissertação, o consumo feminino de pornografia e os afetos políticos mobilizados pelo mesmo. Entendemos que a imagem pornográfica tem um grande caráter sinestésico e político, atuando como uma forma de poder saber foucaultiano, construindo prazeres e políticas de gênero. Apresentamos, portanto, neste trabalho, um estudo de recepção da pornografia, a partir de um lugar pouco explorado, o feminino. Em síntese, problematizamos as possibilidades de engajamentos afetivos gerados pelo caráter sinestésico da imagem pornográfica na cultura do consumo a partir do olhar e da voz das consumidoras e discutimos as diversas possibilidades de que este consumo seja visto como político.

Palavras-chave: Comunicação e Consumo; Pornografia; Gênero; Afeto; Ética.

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ALENCASTRO VEIGA, Maria Júlia. Power Knowledge and Pleasure: the political affections mobilized by female consumers of pornography (2020). Dissertation (Masters in Communications and Consumption Practices) – Postgraduate Research Program in Communications and Consumption Practices, School of Advanced Studies in Advertising and Marketing/Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), São Paulo.

ABSTRACT

We live in a context of extensive media production and consumption in which images play a central role. Preciado (2018), in effect, defines contemporaneity as the pharmacopornographic era. From this context, we conducted 13 qualitative in-depth interviews with women that consume pornography and analyzed, in this dissertation, the political affections mobilized by it. We understand that the pornographic image has a great synesthetic and political character, acting as a way of Foucauldian Power Knowledge, building pleasures and gender policies.

Therefore, we present, in this work, a study of the reception of pornography, from a little explored place, the feminine. In summary, we problematize the possibilities of affective engagement generated by the synesthetic character of the pornographic image in consumer culture from the eyes and voice of consumers and we discuss the possibility that this consumption is seen as political.

Keywords: Communication and consumption; Pornography; Gender; Affect; Ethics.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Regime Farmacopornográfico... 26

Figura 2: Faixa etária das entrevistadas ... 31

Figura 3:Gráfico 2: Orientação sexual das entrevistadas ... 32

Figura 4: Gráfico 3: Etnia das entrevistadas ... 32

Figura 5: Gráfico 4: Escolaridade das entrevistadas ... 33

Figura 6: Gráfico 5: Profissões das entrevistadas ... 33

Figura 7 ... 58

Figura 8: Capa Playboy ... 60

Figura 9: Gráfico CETIC ... 62

Figura 10: O livro proibido, gravura publicada na Illustração brasileira em 1/9/1877 ... 95

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 10

CAPÍTULO 1. ARTICULAÇÕES TEÓRICO METODOLÓGICAS ... 13

1.1 O CONTEXTO DA CONSTRUÇÃO DA PESQUISA ... 13

1.2. SOCIEDADE DISCIPLINAR, SOCIEDADE DE DESEMPENHO E A ERA FARMACOPORNOGRÁFICA ... 21

1.3. A ERA FARMACOPORNOGRÁFICA ... 25

1.5 METODOLOGIA ... 27

1.6 AFETO COMO PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO ... 33

CAPÍTULO 2. ATRAVESSAMENTOS COMUNICACIONAIS E POLÍTICOS DA PORNOGRAFIA: APONTAMENTOS TEÓRICOS E COSTURAS EMPÍRICAS A PARTIR DOS RELATOS DAS CONSUMIDORAS ... 37

2.1 DEFINIÇÃO DE PORNOGRAFIA: DA TEORIA AO CONSUMO FEMININO ... 37

2.2 PORNOGRAFIA E LITERATURA ... 41

2.4 DESDOBRAMENTOS FETICHISTAS ... 48

2.5. CONSUMO E HEDONISMO ... 50

2.6 REVISTAS PORNOGRÁFICAS ... 55

2.6 PORNOGRAFIA E INTERNET ... 61

CAPÍTULO 3 - CONSUMOS DAS IMAGENS PORNOGRÁFICAS E AFETOS NA VOZ DAS CONSUMIDORAS ... 73

3.1 IMAGENS PORNOGRÁFICAS E EXCESSO ... 76

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 94

Referências ... 98

Anexo / Apêndice ... 102

ENTREVISTA 1 ... 102

ENTREVISTA 2 ... 108

ENTREVISTA 3 ... 115

ENTREVISTA 4 ... 120

ENTREVISTA 5 ... 129

ENTREVISTA 6 ... 139

ENTREVISTA 7 ... 152

ENTREVISTA 8 ... 164

ENTREVISTA 9 ... 170

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ENTREVISTA 10 ... 180

ENTREVISTA 11 ... 190

ENTREVISTA 12 ... 205

ENTREVISTA 13 ... 214

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Considerações Iniciais

Em 1896 os irmãos Lumière exibiram o filme L'Arrivée d'un train à La Ciotat, um filme bem simples que consiste em registros de um trem chegando. A plateia deixou a sala de exibição aos gritos, apavorada, com medo de ser atropelada. As imagens que consumimos nos atravessam, tornando presente seu referencial. Somos estimuladas pelas imagens a todo instante, elas geram um efeito, provocando reflexões corporais, que podem ser de riso, choro, espanto, excitação. A reação do público na exibição dos irmãos Lumière indica com claridade o potencial imagético de evocação de seu referencial. Em 2019 vivemos em um contexto em que muito dificilmente alguém deixaria uma sala de cinema com medo de ser atropelado.

Estamos mais familiarizados e somos desafiados a interagir com as imagens de formas cada vez mais imersivas. É dentro deste contexto que propomos uma análise sobre o consumo imagético feminino de pornografia.

A imagem pornográfica tem um caráter altamente sinestésico. Caráter este que é explorado constantemente pela cultura do consumo. Também é um produto midiático consumido em larga escala, que está disponível para consumo em cada vez mais dispositivos tecnológicos. A imagem pornográfica é um campo fértil para se pensar diversas questões que vão além da imagem. Nela, corpo, sexualidade e gênero estão entrelaçados, gerando efeitos políticos e sociais contundentes como, por exemplo, o embate que já dura há décadas entre diversas correntes feministas. A pornografia é uma imagem controversa, polêmica e poderosa, que mobiliza como poucas, diversos setores diferentes da sociedade e da academia.

O conceito poder-saber é extremamente importante para esta dissertação, pois para o filósofo Michel Foucault (1999) não existe um desejo natural imanente que deve ser reprimido pelas instituições. O desejo é também produzido socialmente. Os desejos desviantes são assim classificados para poderem ser contidos. A partir do conceito de poder-saber gostaríamos de compreender a imagem pornográfica, como um discurso que forma e é formado pelas formas de desejo contemporâneas, gerando disputas e assimetrias no campo das políticas de gênero. Enquanto uma forma de poder-saber a pornografia tem um espaço privilegiado na sociedade disciplinar foucaltiana, uma vez que o sexo é um dos principais sujeitos históricos dos poderes disciplinares e interdições.

Nesta pesquisa, no entanto, propomos um olhar sobre a pornografia a partir da voz das consumidoras. Propomos, em síntese, um estudo de recepção. O objeto de pesquisa da presente dissertação é a relação afetivo sensorial da consumidora com a imagem pornográfica.

Dubois (2004) sobre a capacidade da imagem para o afeto postula:

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O cinema é tanto uma maquinação (uma máquina de pensamento) quanto uma maquinaria, tanto uma experiência psíquica quanto um fenômeno físico-perceptivo. Sua maquinaria é não só produtora de imagens como também geradora de afetos, e dotada de um fantástico poder sobre o imaginário dos espectadores. A máquina do cinema reintroduz assim o Sujeito na imagem, mas desta vez do lado do espectador e do seu investimento imaginário, não do lado da assinatura do artista. Portanto, tanto um quanto o outro constituem a imagem, que só é digna deste nome por trazer em sua espessura uma potência de sensação, de emoção ou de inteligibilidade, que vêm de sua relação com uma exterioridade (o Sujeito, o Real, o Outro).

(DUBOIS 2004, p. 44-45)

A partir de entrevistas realizadas com treze mulheres analisamos a relação entre espectadora e imagem pornográfica, tensionando os afetos políticos mobilizados no engajamento da espectadora com tais imagens. Encarando a pornografia como uma forma de poder-saber e prazer. Exploramos o caráter sinestésico da imagem pornográfica e alguns de seus desdobramentos na cultura do consumo. Dessa forma os objetivos do presente trabalho são: 1) examinar o potencial político da imagem pornográfica, em um contexto capitalista de midiatização e 2) verificar os impactos políticos do engajamento afetivo das consumidoras com a imagem pornográfica.

A presente dissertação está dividida em três capítulos. No primeiro capítulo trazemos uma contextualização, onde articulamos o contexto mais amplo em que se dá o consumo de imagens/vídeos pornográficos e nossos suportes teórico-metodológicos, bem como um detalhamento de como construímos a pesquisa.

No segundo capítulo, por sua vez, definimos o que entendemos por pornografia de forma teórica e empírica, trazendo as contribuições das entrevistadas. Também traçamos um breve panorama histórico do gênero pornográfico, seus entrelaçamentos com os meios de comunicação e o consumo, ancorando a história pornográfica com a modernidade, fazendo reflexões acerca dos desdobramentos fetichistas do consumo. Ainda neste segundo capítulo problematizamos o contexto do consumo da pornografia na era digital.

Por fim, no terceiro e último capítulo analisamos as narrativas de consumo das entrevistadas para investigar as estratégias utilizadas pela imagem pornográfica e o engajamento afetivo proposto por tais imagens.

Antes de finalizarmos estas considerações iniciais, gostaríamos de fazer uma advertência. Em geral, optamos por escrever esta dissertação na primeira pessoa do plural.

Entendemos que toda obra acadêmica se insere num universo polifônico. Contudo, em alguns

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momentos específicos, ao trazermos à baia aspectos ou questões pessoais da mestranda, optamos pelo uso da primeira pessoa do singular. Também, optamos por utilizar uma linguagem inclusiva e, sempre que possível, optamos pelo uso do "x" em detrimento das flexões no masculino ou no feminino. Contudo, trata-se de uma pesquisa de recepção com mulheres. Isso posto, em muitas ocasiões, usa-se a flexão no feminino em respeito às entrevistadas, por mais que a própria ideia de feminino e de mulher (assim como a de homem ou masculino) encontram-se em constante revisão teórica. Seja como for, buscamos com essas advertências iniciais dar mais clareza ao trabalho que apresentaremos nas páginas a seguir.

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CAPÍTULO 1. ARTICULAÇÕES TEÓRICO METODOLÓGICAS

1.1 O CONTEXTO DA CONSTRUÇÃO DA PESQUISA

No começo de 2019, certo dia, quando estava no cinema, ainda esperando o filme começar, naqueles primeiros instantes em que as luzes se apagam apenas parcialmente e começam os trailers, fui impactada por uma propaganda da FLIX MEDIA BRASIL1. Ao som de uma música emotiva planos de cadeiras vazias se intercalam, cada uma com uma palavra em branco. A cadeira de bebê é acompanhada da palavra “começo”, uma cadeira elétrica, da palavra “morte”, sob a imagem do banco de um boxeador, se sobrepõe “luta”, à uma poltrona médica rodeada de toda parafernália hospitalar surge a palavra “batalha” e, ao final uma cadeira de cinema, surge a frase “todas as emoções”.

Minha tia, uma pessoa muito próxima afetivamente, tinha falecido não havia muito tempo após padecer de um câncer. Ao ver aquela imagem da cadeira, a publicidade me transportou novamente para o hospital no qual a acompanhei; aquela imagem me agarrou e me levou com ela. No entanto, lá estava eu, chorando de soluçar em uma sala de cinema cheia, sem o filme nem ter começado. Quando consegui me recompor, a tristeza cedeu espaço para a raiva e o ressentimento: como aquela propaganda, que classifiquei de boboca, conseguiu me deixar naquele estado? É realmente necessário fazer a pessoa pensar na vida, na doença e na morte só para fixar o nome de uma marca?

Certamente, essas são perguntas que escapam ao objeto desta dissertação, ainda que tenham permeado de maneira tangencial parte das discussões aqui presentes. Isso porque mobilizo, neste trabalho, a partir do campo da comunicação, o referencial do consumo para entender e discutir alguns dos afetos políticos relatados por mulheres consumidoras de pornografia.

O caráter sinestésico das imagens explorado constantemente pelos modos de produção capitalista. Consumimos uma enorme quantidade de imagens ao mesmo tempo em que muitas delas nos levam a consumir. Para Rose Rocha “consumir, hoje, é consumir cultura midiaticamente mediada, digitalmente interligada, imaginariamente compartilhada, imageticamente realizada” (2009, p. 269).

1 Propaganda disponível no endereço eletrônico: < https://www.youtube.com/watch?v=tMMbpfcwFoo > Último acesso em 20/01/2020.

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As imagens ocupam um papel central para a construção subjetiva na contemporaneidade, nos interpelando constantemente. As imagens estão por toda parte. O aparato audiovisual exerce enorme influência na construção subjetiva das pessoas, mediando importantes relações sociais. A imagem apresenta e cristaliza seu objeto, podendo chegar até a transcendê-lo, criando uma lógica própria, uma hiper-realidade, como proposto por Baudrillard (1992).

Consumimos uma enorme gama de imagens ao longo de nossas vidas. Com a emergência de dispositivos tecnológicos como smartphones, passamos a consumir ainda mais.

Tendo como pano de fundo um contexto de midiatização em que as imagens possuem um papel cada vez mais central, gostaríamos de propor um estudo sobre o consumo das imagens pornográficas, o que detalharemos e especificaremos ao longo desta dissertação.

As imagens pornográficas são consumidas de forma exponencial em sites como o xvideos.com ou pornhub.com, páginas web que sempre estão nas listas de mais acessados ao redor do mundo. Somente o site pornhub.com2 teve, em 2019, mais de 42 bilhões de acessos.

Para que se tenha um elemento de comparação, o portal de notícias G1, da Globo, possui 510,4 milhões de visitas por mês3 .

Barss (2010) afirma que se não fosse o estigma que a indústria pornográfica enfrenta, esta seria celebrada como uma das indústrias mais inovadoras, pois esteve presente no começo de diversos dispositivos tecnológicos como a internet e o VHS. A indústria pornográfica teria funcionado como propulsora dessas tecnologias. Barss, é preciso matizar, não chega a problematizar a indústria pornográfica. Sua reflexão gira em torno do poder dessa indústria como mola de propulsão para transformações tecnológicas no consumo audiovisual.

Outros autores, como Preciado (2018), por outro lado, de uma forma mais crítica, também ressalta o protagonismo da mesma, afirmando que a indústria do sexo (em geral) e da pornografia, em particular, além de ser o mercado mais rentável da internet, é o modelo de rentabilidade máxima do mercado cibernético global.

A indústria pornográfica é hoje a grande propulsora da cibereconomia: há mais de 1,5 milhão de sites adultos que podem ser acessados em qualquer ponto do planeta. Dos 16 bilhões de dólares anuais gerados pela indústria do sexo, boa parte provém dos portais pornô. A cada dia, 350 novos portais se abrem a um número exponencialmente crescente de usuários. (PRECIADO, 2018, p. 41)

2 Dados divulgados pelo próprio Pornhub no site www.pornhub.com/insights <último acesso em 17/02/2020>.

3 http://anuncie.globo.com/redeglobo/sites/noticias/g1/home.html

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Mesmo com um consumo exponencial e uma quantidade expressiva de vídeos e imagens pornográficas, a presença feminina, enquanto consumidora deste produto cultural não é muito explorada pela indústria, segundo grande parte da literatura consultada4.

É notório que existe uma quantidade expressiva de material pornográfico e que há diferentes formas de consumi-lo, para além das práticas masturbatórias, assim como ressaltado por Baltar e Sarmet (2015). Para essas autoras, a pornografia é um lugar privilegiado de produção de sentido sobre o corpo, a sexualidade e o desejo. Dessa forma, postulam as referidas autoras que os fins da imagem pornográfica excederiam os fins de excitação masturbatória; com efeito, entendem a pornografia como uma forma de disputa contemporânea em torno das políticas de gênero. Estes usos ficam mais claros ao considerarmos outros gêneros de pornografia como as produções pós-pornô, que são mais artísticas, com festivais de cinema dedicados a exibição de tais obras, por exemplo.

Consideramos, portanto, os diferentes usos que podem ser feitos da imagem pornográfica e o contexto mais amplo de tecnologias de gênero em que se dá seu consumo.

Tendo enquanto pano de fundo a disputa contemporânea em torno das políticas de gênero, gostaríamos de entender como os corpos femininos são afetados por essas imagens em sua dimensão política.

Desde o século XIX, com o advento da modernidade nosso corpo é treinado e disciplinado para uma miríade de novas situações, estímulos e sensações. A cidade trouxe consigo inúmeras categorias novas e novas formas de convivência. Como alerta Rocha (2012), os sujeitos passam por uma educação dos sentidos, que continuam se atualizando constantemente devido as constantes transformações a que estamos submetidos. “Uma nova ordem intelectiva e do sensível, de raízes audiovisuais e tecnológicas profundas, se instala, dando espetacular gramatura ao que Walter Benjamin, na emergência da modernidade, percebia como a formação de um novo sensorium” (idem, p.25). Este novo sensorium de que nos fala Benjamin traz uma nova sensibilidade e com ela novas formas de conhecer e perceber o mundo. Formas estas que são cada vez mais atravessadas pelo aparato imagético. O caráter sinestésico das imagens é utilizado de muitas formas diferentes e nos afeta de muitas outras formas também.

4 Aludimos aqui às referências empregadas para a realização desta dissertação. Sem desconsiderar que existe uma produção de filmes pornográficos para mulheres, grande parte da literatura consultada sinaliza que trata- se de nichos ou produções minoritárias quando analisado o conjunto da indústria pornográfica mainstream, porém ressaltamos que boa parte das consumidoras de pornografia mainstream é mulher. Dentro da amostra consultada nesta pesquisa, a grande maioria das entrevistadas afirmou consumir pornografia mainstream e demonstraram dificuldade para encontrar outros tipos de pornografia.

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Sobre a sociedade burguesa capitalista que estava se formando na modernidade, Marx postula: “Tudo que é sólido se desmancha no ar”. Em sua interpretação da teoria marxista, Berman (2008, p.89) afirma que Marx não estaria somente descrevendo mas evocando o ritmo desesperado que o capitalismo impõe, onde as sólidas formações sociais estariam se diluindo.

O constante revolucionar da produção, a ininterrupta perturbação de todas as relações sociais, a interminável incerteza e agitação distinguem a época burguesa de todas as épocas anteriores. Todas as relações fixas, imobilizadas, com sua aura de ideias e opiniões veneráveis, são descartadas;

todas as novas relações, recém-formadas, se tornam obsoletas antes que se ossifiquem. Tudo o que é sólido desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente forçados a enfrentar com sentidos mais sóbrios suas reais condições de vida e sua relação com outros homens, (MARX apud BERMAN, 2008, p.338)

Haveria a partir daqui uma reconfiguração de espaço e tempo, uma aceleração progressiva da experiência temporal, onde a instabilidade passa a ser um valor constitutivo (BERMAN, 2008). O capitalismo seria uma religião profana, para Matos (2010) o objeto de contemplação agora é a mercadoria, suas imagens. A sensualidade estaria a serviço de uma estética da mercadoria, há uma atribuição de poderes sobrenaturais a objetos materiais por meio do fetiche da mercadoria.

A sociedade de mercado é a do espetáculo e possui uma atmosfera fantasmal não só pelo fetichismo que gesta, mas por que a mercadoria se apresenta segundo o sex-appeal do inorgânico e a estética da mercadoria (Haug 1996).

Esse conceito deve ser entendido em um duplo sentido: de um lado a beleza, isto é a manifestação sensível que agrada os sentidos; do outro aquela beleza que se desenvolve a serviço do valor de troca e que foi agregado à mercadoria, a fim de excitar no observador o desejo de posse e motivá-lo a compra (Haug, 1996 p, 16) A mercadoria retira sua mais-valia afetiva da linguagem da estética e do poder dos olhares amorosos que suscita nos humanos. Fetiche significa conferir vida ao inanimado de forma que a imitação da vida acaba por substitui-la. Trata-se não apenas da confusão entre real e imaginário, mas de tomar o inanimado por animado. (MATOS, 2010, p. 139)

Percebemos a partir das leituras de Olgária Matos e Berman a imaterialidade que cerca as novas formas de consumo no contexto capitalista, onde as imagens desempenham um papel central, encobertando as mercadorias. A partir deste contexto instável que propõe uma nova forma de consumo pautado no desejo é que articulamos a cultura de consumo em que estamos imersos na contemporaneidade. Este contexto constrói um novo sensório.

Somos o tempo todo bombardeados por uma enorme gama de imagens, todas disputando incessantemente nossa atenção. Com efeito, como afirma Wu (2016), a disputa pelo mercado da atenção é traço fundante das evoluções tecnológicas da indústria cultural. O

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consumo de imagens exerce papel central na estruturação subjetiva dos indivíduos, deste modo tal consumo pode ser considerado um vetor de construção de sentidos políticos, como nos lembra Rose Rocha (2009, p. 269).

Consumir, hoje, é consumir cultura midiaticamente mediada, digitalmente interligada, imaginariamente compartilhada, imageticamente realizada. No mar das visualidades nos vemos navegando, mas, agora, fluxos buttom-up de significação efetivamente ganham legitimidade e força decisória nas negociações simbólicas e nos enfrentamentos políticos que compõem a agenda global. E o ganham porque, essencialmente, se podem fazer visíveis.

Políticas da visibilidade percorrem e reestruturam o campo das materialidades. E vice-versa. Falar, nestes termos, na consolidação de um cenário que articula consumo e imagens é, mais do que capricho teórico (ainda que o seja, não nego, verdadeira empreitada cognitiva), um aspecto essencial na compreensão dos ecossistemas comunicacionais que regem nosso cotidiano, em tempos que Mattelard (2005:89) denomina, não sem ironia, de “glocalização”. Neles, quero insistir, somos atores, e não apenas reféns de artimanhas de “objetualização” ou “iconização” compulsória.

Nesse contexto, é imprescindível remarcar que a imagem tem uma potencialidade sinestésica explorada pela cultura do consumo. Por meio delas, necessidades são criadas, fantasias exploradas. Preciado (2018) chama atenção para estas potencialidades das imagens mais especificamente, as pornográficas. Intitulando o momento em que estaríamos de era farmacopornográfica, tal era seria uma continuidade da sociedade disciplinar foucaultiana mas com outros tensionamentos. A obra de Foucault e de Paul Preciado são centrais para o presente trabalho e serão melhores desenvolvidas mais à frente.

Vivemos em um contexto onde a mídia exerce cada vez mais influência em diversas esferas socioculturais. Hjavard (2013) afirma que estaríamos vivendo em um contexto de midiatização no qual a cultura e a sociedade estariam se tornando cada vez mais dependentes da mídia, de forma que a mídia teria ela mesma adquirido um status de instituição; neste sentido, entende o referido autor que a mídia possui um papel estrutural para a sociedade contemporânea, especialmente naquelas altamente industrializadas. Dentro deste contexto de midiatização as imagens desempenham um papel importante.

A partir deste contexto midiático as imagens aparecem em um fluxo exacerbado, que traz consigo inúmeras possibilidades de uso. Destacamos a imagem pornográfica, dentro deste enorme fluxo, pois ela traz tensionamentos interessantes para se pensar a relação entre corpo e a imagem, o que de fato começa, como detalharemos a seguir, na modernidade. A imagem pornográfica é excesso e provoca reações físicas expressivas, é uma imagem com alto

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potencial sinestésico. Potencial este que é explorado incessantemente pela cultura do consumo.

Norval Baitello Júnior (2010) narra o processo de devoração pelas imagens a que estaríamos submetidxs. O mundo proposto pelas imagens possuiria um caráter abismal, onde uma imagem sempre remete a infinitas outras imagens. O referido autor, assim como Flusser (2011), distingue um momento em que nos organizamos pela escrita do atual em que nos organizaríamos pela imagem. Para Flusser (2011) existiria um contraste entre a cultura baseada na escrita, que gera a sociedade histórica, e a cultura baseada na imagem, que gera a sociedade telemática. A sociedade telemática seria a primeira a reconhecer a produção de informação como sua função, porém, os indivíduos não seriam os criadores das imagens e sim manipulados por elas; não leem as imagens, mas são programados por elas.

Ao contrário da escrita que exige tempo de leitura e decifração, permitindo a escolha entre entrar ou não em seu mundo, a imagem convida a entrarmos imediatamente e não cobra o preço da decifração. A imagem não exige uma senha de entrada, pois o seu tributo é a sedução e o envolvimento. A imagem nos absorve, nos chama permanentemente a sermos devorados por ela, oferecendo o abismo do pós-imagem, pois após ela sempre há uma perspectiva em abismo, um vazio do igual (ou, como dia Walter Benjamin, uma “catástrofe” do sempre igual”), um vácuo de informações, um buraco negro de imagens que suga e faz desaparecer tudo o que não é imagem.” (BAITELLO JR, 2010, p.4)

Ao contrário da sociedade histórica e telemática de Flusser, Baitello Jr.(2010) fala em antropofagia e iconofagia. Na antropofagia devoraríamos uns aos outros e na iconofagia somos devoradas pelas imagens, neste processo de devoração nos transformamos também em imagens. Para explicar a antropofagia o autor usa o beijo, como analogia para uma devoração mútua. Na contramão a iconofagia seria uma grande boca insaciável, dessa forma “sua operação não é uma troca, mas uma apropriação” (BAITELLO JR., 2010, p.5)

As imagens visuais, as imagens auditivas, as imagens mentais e conceituais, aquelas mesmas imagens que ajudaram a povoar o imaginário da criatividade humana, que ajudaram o homem a construir a sua segunda natureza, sua cultura, entraram em processo de proliferação exacerbada.

Quanto mais elas se oferecem como alimento, mais aumenta a avidez por imagens. Quanto mais aumenta a avidez, menos seletiva e menos críticas se tornam a sua recepção e a sua oferta. Quanto menos seletiva e menos crítica sua recepção, tanto menos vínculos e relações, tanto menos fios e elos, tanto menos horizontes e expectativas, tanto menos consideração por tudo que está ao lado, tanto menos ética, tanto menos história. No desgaste e na perda da capacidade de vincular, de relacionar, é que se dá a inversão do processo

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devorador: de devoradores indiscriminados de imagens passamos a ser indiscriminadamente devorados por elas (BAITELLO JR., 2010, p. 6).

O mencionado autor traça, ao menos na obra em questão, um panorama fatalista, em que o polo da recepção é pouco crítico e acaba por ser engolfado pelas imagens. Apesar de concordamos em alguns pontos com Baitello Jr., partimos de uma pessoa com mais agência que teria um papel mais ativo, neste processo de devoração. Claro está, que Baitello não elimina essa agência. No entanto, coloca-a em um segundo (ou terceiro) plano.

Somos estimuladas constantemente por esse incessante mar de imagens, mas temos um papel ativo neste enlace, aceitando, compactuando - ora explícita, ora implicitamente - sermos seduzidxs. Eis a nossa discrepância com a visão de Baitello Jr. Por vezes somos pegos de surpresa, mas em muitas outras procuramos ativamente ser engolfados. Christoph Türcke (2010) afirma que vivemos em uma sociedade excitada, em que somos cada vez mais estimulados por dispositivos tecnológicos. O autor faz uma correlação com Marx, colocando essa hiperestimulação como o ópio do povo contemporâneo.

Há milênios as drogas e imagens coexistiram, a reboque do culto, como meio heterogêneo de elevação ao sagrado. Por meio do moderno procedimento técnico da isolação, que desprende substâncias ativas de seu contexto original num piscar de olhos, sendo que uma é desprendida através da destilação e outra, por meio da paralisação do instante, tanto droga quanto a imagem recebem repentinamente, uma inédita e conhecida homogeneidade. (TÜRCKE, 2010, p. 237)

Dentro deste processo de sedução imagética em que somos estimuladxs excessivamente e a partir do excesso, a imagem pornográfica aparece como central. As autoras Baltar e Sarmet (2015) utilizam a sociedade excitada de Türcke para ancorar o excesso visual enquanto categoria importante na sociedade contemporânea.

Nesse sentido, o excesso se ancora na importância da visibilidade/

visualidade desde o projeto de modernidade que se adensa no contexto pós- disciplinar atravessada pela sociedade do espetáculo. Assim, constituir-se cotidianamente como sujeito parece se confundir com fazer-se imagem, e a imagem, por sua vez, está cada vez mais atrelada à presença corpórea, cada vez mais atravessada por um entendimento de que ela se confunde com presença midiática. No contemporâneo, performar imagens (pornificadas ou não) de si para consumo do olhar público é ação cotidiana e coloca em cena um jogo de visualidades e visibilidades que não raro articula presenças do excesso na constituição dessas imagens (BALTAR; SARMET, 2015, p.

113).

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A imagem pornográfica é tensionada como uma imagem do excesso por diferentes autores, em especial, destacam-se Mariana Baltar (2014) e Linda Williams (1989). Para Baltar o excesso é uma estratégia de mobilização de um desejo de saber e de ver.

No contexto contemporâneo, o real é a um só tempo promessa e fetiche orquestrado e saciado pelas tecnologias da intimidade que, através dos inserts de excesso analisados aqui, mobilizam o jogo de visibilidades e de saberes/poderes/ prazeres. Os elementos estéticos usados nos filmes aqui analisados – os quais dão conta dos modos de trabalhar as performances de fala e performances de sexo – reforçam o pacto de intimidade e intensificam a ideia e a commodity de um real que se apresenta como astonishment/

prazer/afetações na relação entre sujeitos, imagens e mundo. Tais elementos são articulados na tessitura fílmica, de tal modo que o real vira um excesso (um efeito reiterado de engajamento afetivo e espetacular), pois nos filmes há uma consciência de incorporação dos efeitos (e artifícios) de real das duas tradições, sustentando assim, narrativamente, o “clamor”, a “promessa” e o

“fetiche” pelo real e pela intimidade dos corpos projetados nas telas (BALTAR, 2014, p.17).

Williams (1989), por sua vez, postula que a imagem pornográfica seria um frenesi do visível. A autora insere a pornografia nos gêneros do corpo, juntamente com o musical, encarando a pornografia como uma forma de poder saber foucaultiana.

A ideia do Foucault de que os prazeres do corpo estão sujeitos a construções sociais historicamente mutáveis tem sido influente, especialmente a ideia de que os prazeres do corpo não existem em oposição imutável a um poder controlador e repressivo, mas produzidos dentro de configurações de poder que produzem prazeres para uso particular. Foucault oferece, pelo menos potencialmente, uma maneira de conceituar poder e prazer dentro da história dos discursos da sexualidade. Se falamos, hoje, incessantemente sobre sexo em todos os modos, incluindo a pornografia, para Foucault, isso significa apenas que uma máquina de poder invadiu ainda mais os corpos e seus prazeres. (WILLIAMS, 1989, p.3)5

Tomando esse contexto, aqui brevemente resenhado, propomos a construção da presente dissertação. Em seguida vamos nos aprofundar um pouco mais no referencial teórico utilizado por nós, com ênfase na obra de Foucault e Paul Preciado.

5 No original: Foucault’s idea that the pleasures of the body are subject to historically changing social constructions has been influential, specially the idea that pleasures of the body do not exist in immutable opposition to a controlling and repressive power but instead are produced within configurations of power that put pleasures to particular use. Foucault thus offers, at least potentially, a way of conceptualizing power and pleasure within the history of discourses of sexuality. If we speak incessantly today about sex in all sorts of modes, including pornography, to Foucault this only means that a machinery of power has encroached further on bodies and their pleasures. (WILLIAMS, 1989, p.3)

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1.2. SOCIEDADE DISCIPLINAR, SOCIEDADE DE DESEMPENHO E A ERA FARMACOPORNOGRÁFICA

A partir das chaves interpretativas propostas por Foucault na trilogia História da Sexualidade, buscamos situar a sexualidade enquanto uma forma de poder-saber e os sistemas de poder que regulam suas práticas. Assim, propomos contrapor as contribuições de Foucault e a sua tese de sociedade disciplinar com as de Han (2015) e a ideia defendia por este último de sociedade de desempenho (performance).

Foucault (1999), no primeiro volume da História da Sexualidade inicia o livro contestando a hipótese repressiva freudiana. O autor postula que ao invés de reprimido o sexo é discutido abertamente em cada vez mais espaços e instâncias. Não haveria um desejo imanente do sujeito que o aparato repressivo surge para regular, uma vez que o desejo é também construído socialmente. O autor sugere que ao invés de uma censura sobre o sexo foi constituída uma “aparelhagem para produzir discursos sobre o sexo, cada vez mais discursos suscetíveis de funcionar e de serem efeito de sua própria economia” (pg. 25). É a partir desta aparelhagem que ao invés de reprimir, estimula os discursos sobre o sexo, esta aparelhagem cria o pervertido, a histérica e o louco, para em seguida institucionalizar estes corpos, cria o louco para poder trancá-lo no manicômio.

Dentro de articulações assimétricas de poder, é que gostaríamos de entender o volume extensivo de filmes e visualizações de imagens pornográficas. Como uma articulação de um poder-saber que constitui o desejo, disciplinando corpos, constituindo o desejo e a sexualidade.

Como defenderam autores como Marcuse (1976), o discurso sobre a repressão do sexo estaria baseado em sua incompatibilidade com o trabalho; em síntese, o corpo deveria ser explorado para o trabalho e não para os prazeres. Foucault não nega a interdição ao sexo.

Contudo, questiona a interdição como elemento central para a história do sexo.

Todos esses elementos negativos — proibições, recusas, censuras, negações

— que a hipótese repressiva agrupa num grande mecanismo central destinado a dizer não, sem dúvida, são somente peças que têm uma função local e tática numa colocação discursiva, numa técnica de poder, numa vontade de saber que estão longe de se reduzirem a isso. (FOUCAULT, 1999, p. 17)

Ao invés de concentrar os esforços em torno da hipótese repressiva, Foucault situa o sexo na história e nas transformações das instâncias de produção discursiva, de produção de poder, de produção de saber.

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Mas o essencial é a multiplicação dos discursos sobre o sexo no próprio campo do exercício do poder: incitação institucional a falar do sexo e a falar dele cada vez mais; obstinação das instâncias do poder a ouvir falar e a fazê- lo falar ele próprio sob a forma da articulação explícita e do detalhe infinitamente acumulado. (FOUCAULT, 1999, p. 21)

A enorme confluência e o consumo expressivo de imagens pornográficos, corrobora o pensamento proposto por Foucault. Depois de contestar a hipótese repressiva freudiana, o autor situa as circunstâncias em que se dão os discursos sobre o sexo.

Consideremos a hipótese geral do trabalho. A sociedade que se desenvolve no século XVIII — chame-se, burguesa, capitalista ou industrial — não reagiu ao sexo com uma recusa em reconhecê-lo. Ao contrário, instaurou todo um aparelho para produzir discursos verdadeiros sobre ele. Não somente falou muito e forçou todo mundo a falar dele, como também empreendeu a formulação de sua verdade regulada. Como se suspeitasse nele um Segredo capital. Como se tivesse necessidade dessa produção de verdade. Como se lhe fosse essencial que o sexo se inscrevesse não somente numa economia do prazer mas, também, num regime ordenado de saber.

Dessa forma, ele se tornou, progressivamente, o objeto da grande suspeita; o sentido geral e inquietante que, independentemente de nós mesmos, percorre nossas condutas e nossas existências; o ponto frágil através do qual nos chegam as ameaças do mal; o fragmento de noite que cada qual traz consigo.

Significação geral, segredo universal, causa onipresente, medo que nunca termina. (FOUCAULT, 1999, p.67)

Para Foucault não se trata de uma repressão ao sexo, mas sim uma proliferação do poder em seus discursos, disciplinando os corpos.

Trata-se, antes de mais nada, do tipo de poder que exerceu sobre o corpo e o sexo, um poder que, justamente, não tem a forma da lei nem os efeitos da interdição: ao contrário, que procede mediante a redução das sexualidades singulares. Não fixa fronteiras para a sexualidade, provoca suas diversas formas, seguindo-as através de linhas de penetração infinitas. Não a exclui, mas inclui no corpo à guiza de modo de especificação dos indivíduos. Não procura esquivá-la, atrai suas variedades com espirais onde prazer e poder se reforçam. (FOUCAULT, 1999, p. 47)

A sociedade disciplinar é circunscrita na produção de um corpo dócil, por meio de novas técnicas de vigilância e outras formas de exercer o poder, não mais de forma soberana mas difusa com o micropoder. Para Foucault (2009, p. 164): “O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior ‘adestrar’; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor.” É uma forma de poder exercida no corpo e sobre o corpo, impondo uma relação de docilidade-utilidade, em que o corpo funciona como o elo coercitivo.

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O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto mais útil, e inversamente. Forma-se então uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. (FOUCAULT, 2009, p. 133)

Han (2015), por sua vez, no livro "A sociedade do cansaço" postula que estaríamos vivendo em uma sociedade do desempenho, a sociedade do século XXI não seria mais a disciplinar foucaultiana, mas sim a do desempenho, agora os sujeitos de obediência cederam espaço para os sujeitos de desempenho e produção.

Para elevar a produtividade, o paradigma da disciplina é substituído pelo paradigma de desempenho... A positividade do poder é bem mais eficiente que a negatividade do dever. Assim o inconsciente social do dever troca de registro para o registro do poder. O sujeito de desempenho é mais rápido e mais produtivo que o sujeito de obediência. O poder, porém, não cancela o dever. O sujeito de desempenho continua disciplinado. Ele tem atrás de si o estágio disciplinar. O poder eleva o nível de produtividade que é intencionado através da técnica disciplinar, o imperativo do dever. Mas em relação à elevação da produtividade não há qualquer ruptura; há apenas continuidade.(HAN, 2015, p.25)

É inegável que o contexto em que nos encontramos hoje é diferente daquele vivenciado e descrito por Foucault, além dos diferentes estágios de desenvolvimento capitalista em que se encontram contextos culturais distintos. Porém é possível fazer uma leitura em que o poder já está entrelaçado com o prazer, para além de uma forma somente disciplinar, a partir da obra deste autor.

Sob o tema geral de que o poder reprime o sexo, como na ideia da lei constitutiva do desejo, encontra-se a mesma hipotética mecânica do poder.

Ela é definida de maneira estranhamente limitativa. Primeiro, porque se trataria de um poder pobre em seus recursos, econômico em seus procedimentos, monótono nas táticas que utiliza, incapaz de invenção e como que condenado a se repetir sempre. Em segundo lugar, porque é um poder que só teria a potência do "não" incapacitado para produzir, apto apenas a colocar limites, seria essencialmente anti-energia; esse seria o paradoxo de sua eficácia: nada poder, a não ser levar aquele que sujeita a não fazer senão o que lhe permite. Enfim, porque é um poder cujo modelo seria essencialmente jurídico, centrado exclusivamente no enunciado da lei e no funcionamento da interdição. Todos os modos da dominação, submissão, sujeição se reduziriam, finalmente, ao efeito de obediência. Por que se aceita tão facilmente essa concepção jurídica do poder? E, através dela, a elisão de tudo o que poderia constituir uma eficácia produtiva, sua riqueza estratégica, sua positividade? Numa sociedade como a nossa, onde os aparelhos do poder são tão numerosos, seus rituais tão visíveis, e seus instrumentos tão seguros, afinal, nessa sociedade que, sem dúvida, foi mais inventiva do que qualquer

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outra em mecanismos de poder sutis e delicados, por que essa tendência a só reconhecê-lo sob a forma negativa e desencarnada da interdição? Por que reduzir os dispositivos da dominação ao exclusivo procedimento da lei de interdição? Razão geral e tática que parece se impor por si mesma: é somente mascarando uma parte importante de si mesmo que o poder é tolerável. Seu sucesso está na proporção daquilo que consegue ocultar dentre seus mecanismos. O poder seria aceito se fosse inteiramente cínico? O segredo, para ele, não é da ordem do abuso; é indispensável ao seu funcionamento. E não somente porque o impõe aos que sujeita como, também, talvez porque lhes é, na mesma medida, indispensável: aceitá-lo- iam, se só vissem nele um simples limite oposto a seus desejos, deixando uma parte intacta — mesmo reduzida — de liberdade? O poder, como puro limite traçado à liberdade, pelo menos em nossa sociedade, é a forma geral de sua aceitabilidade. (FOUCAULT, 1999, p. 82)

O prazer exerce um papel central tanto na sociedade disciplinar quanto na de desempenho. Para Han (2017) viveríamos em uma sociedade que está em uma busca constante pela felicidade e produtividade, porém isso não significa que em determinadas instancias esta sociedade parou de operar sob o paradigma da sociedade disciplinar, a partir da obra de Foucault podemos perceber as brechas que levam à um paradigma do desempenho ou performance.

Preciado (2018) também propõe uma mudança de paradigma nomeando o contexto em que estamos inseridos de era farmacopornográfica. Onde o prazer também assume uma posição estratégica.

O que está em questão já não é apenas a punição dos crimes sexuais de indivíduos ou a vigilância e a correção de suas aberrações por meio de um código de leis externas ou disciplinas interiorizadas, mas a modificação de seus corpos enquanto plataformas de vida. Somos tratados como produtores e consumidores de órgãos, fluxos neurotransmissores: como os suportes e os efeitos de um programa biopolítico. Ainda estamos certamente enfrentando uma forma de controle social, mas desta vez é uma questão de controle leve, um tipo borbulhante de controle, cheio de cores, usando as orelhas do Mickey e os decotes de Brigitte Bardot, em oposição à arquitetura fria e disciplinar do panóptico ilustrado por Foucault. (PRECIADO, 2018, p. 226- 227)

Preciado (2018) propõe um regime de produção de corpos onde as tecnologias de subjetivação não mais controlariam o corpo a partir do exterior (sociedade disciplinar), na sociedade farmacopornográfica as tecnologias estão incorporadas ao corpo. “O corpo já não habita os espaços disciplinadores: está habitado por eles. A estrutura orgânica e biomolecular do corpo é o último esconderijo desses sistemas biopolíticos de controle. Esse momento contém todo o horror e a exaltação da potência política do corpo”. (p.86) Dentro da interpretação feita por Preciado a teoria foucaltiana teria desembocado em uma biomídia,

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onde o corpo não é mais meio de transmissão mas efeito material de intercâmbios semiótico- técnicos.

Partimos de um panorama híbrido em que a sociedade disciplinar se encontra com a de desempenho ou performance, em determinados momentos. Porém devemos levar em consideração os diferentes contextos e assimetrias. Para muitos o poder estatal é percebido de forma mais fluída, uma forma de controle leve, assim como descrito por Preciado, mas para outros o poder ainda se faz valer de forma contundente e nem um pouco sutil. Não podemos nos esquecer que em 2019 é ilegal ser homossexual em 73 países, em alguns deles a punição não é somente prisão, mas a morte, mesmo dentro do Brasil, um país em que é legalizado o casamento homoafetivo e a homofobia, foi recentemente considerada pelo STF como crime de racismo, 869 travestis e transexuais foram assassinados nos últimos oito anos6. Segundo a ONG Transgender Europe o Brasil está entre os países que mais assassina pessoas transexuais no mundo. Isso sem contar com os dados alarmantes de violência contra a população negra, em 2018 mais de cinco mil pessoas morreram em intervenções policiais7, a maioria delas negra. Não dá para falar em um contexto de controle leve ao se tratar de grupos de minorias.

A sociedade disciplinar está imbrincada com a de performance na era farmacopornográfica.

1.3. A ERA FARMACOPORNOGRÁFICA

Preciado (2018) afirma que vivemos na era farmacopornográfica. Em seu livro o autor alterna capítulos teóricos com capítulos biográficos em que narra sua relação com o corpo, sexualidade e com o consumo de testosterona.

A era farmacopornográfica tem o sexo e a sexualidade como centro da atividade política e econômica. A indústria da guerra junto com a pornográfica são os pilares do capitalismo pós-fordista, para ele as matérias primas do processo produtivo atual são o prazer e a destruição. O motor do capitalismo é o controle farmacopornográfico da subjetividade sendo os produtos “todo complexo material e virtual que participa da indução de estados mentais e psicossomáticos de excitação, relaxamento e descarga, e também no controle total e onipotente”. (p.42)

6Dados disponíveis: < http://especiais.correiobraziliense.com.br/brasil-lidera-ranking-mundial-de-assassinatos- de-transexuais >. Último acesso em: 20/06/2019

7Dados disponibilizados pelo fórum de segurança pública : < http://www.forumseguranca.org.br/wp- content/uploads/2019/03/Anuario-Brasileiro-de-Seguran%C3%A7a-P%C3%BAblica-2018.pdf >. Último acesso em 20/06/2019.

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Apesar de estarmos acostumados a falar de sociedade de consumo, os objetos que consumimos são apenas uma centelha da produção virtual psicotóxica. Consumimos ar, sonhos, identidade, relação, coisas da mente. O novo capitalismo farmacopornográfico funciona, na realidade, graças à gestão biomidiática da subjetividade, por meio de seu controle molecular e da produção de conexões virtuais audiovisuais. (PRECIADO, 2018, p. 54) A imaterialidade e a imagem acompanham o sistema capitalista desde os seus primórdios, assim como já foi assinalado no início deste capítulo, mas agora de uma maneira mais potencializada. Onde o corpo funciona também como uma rede de comunicação.

Preciado chama atenção para a caça às bruxas como um momento histórico decisivo para a formação do regime farmacopornográfico. A inquisição teria patologizado o prazer feminino ao mesmo tempo em que criminalizou os conhecimentos populares medicinais naturais.

O regime farmacopornográfico pode ser sintetizado a partir do diagrama abaixo, feito por Preciado.

Figura 1: Regime Farmacopornográfico

Fonte: PRECIADO, 2018, p.88

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1.5 METODOLOGIA

Para compreender a relação estabelecida por corpo e imagem neste contexto de midiatização e excesso, mais especificamente do corpo feminino com a imagem pornográfica, realizamos entrevistas semiestruturadas com 13 mulheres consumidoras de pornografia.

Optamos por trabalhar com mulheres e, na verdade, a partir da voz da mulher enquanto consumidora de pornografia porque, em primeiro lugar, detectamos uma ausência de estudos de recepção que proponham tal discussão. Nas buscas realizadas nos bancos de dissertações e teses da CAPES, não identificamos nenhum trabalho com esse enfoque. Assim mesmo, cabe também destacar que consideramos relevante, quer seja do ponto de vista social, político ou acadêmico realizar tal discussão, ainda que de maneira limitada e restrita a uma pesquisa de recepção de corte qualitativo. Precisamente por isso, focamos na questão de como essas consumidoras relatam serem afetadas em seu consumo de pornografia e a relação política estabelecida em tal consumo.

Esta dissertação não pretende, portanto, realizar generalizações sobre o consumo de pornografia por mulheres no Brasil que permita assumir verdades. Tampouco entramos a valorar questões de gênero sobre o conceito de mulher, o que certamente tensionaria o universo das entrevistadas em tanto que representativas da realidade sociológica brasileira. A despeito destas limitações, entendemos que poderemos contribuir com um olhar empírico micro e qualitativo desde um estudo de recepção, cujas contribuições reforcem a necessidade de estudar no campo da comunicação e do consumo a pornografia.

A pornografia carrega consigo um estigma, também dentro da academia. Ao optar por este objeto de estudo já fui indagada inúmeras vezes do porquê pesquisar a pornografia. Nossa sociedade, historicamente, trata os assuntos que tangem à sexualidade a esfera privada. Ao mesmo tempo em que estamos em um contexto de superexposição, o consumo pornográfico se restringe à esfera privada.

A masturbação - um tema que circunda parte dos debates sociais sobre o consumo de pornografia -, em especial, a feminina, também carrega um estigma. Inúmeros são os textos médicos e religiosos que alertam para os perigos das práticas onanistas. Dessa forma como abordar um tema sensível de uma esfera privada da vida das pessoas e tão relevante como objeto de pesquisa?

As dúvidas e as incertezas sobre o como fazer ainda perduram. A presente dissertação sofreu algumas alterações significativas depois da banca de qualificação, à qual tenho muito a agradecer. Uma - e talvez a principal - dessas alterações foi o enfoque dado para a voz das

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entrevistadas. Foi partir da sugestão apresentada na qualificação que decidimos focar em mulheres que efetivamente consomem ou consumiram pornografia. Antes, a pergunta de investigação estava voltada para mulheres, de uma forma geral, como elas interagiam com pornografia. Realizamos três entrevistas antes da qualificação, duas foram com amigas que haviam me contado que consumiam pornografia. Como o enfoque, à época estava mais abrangente, para a terceira abordei uma mulher em um centro comercial para participar da pesquisa. A ideia de realizar uma pesquisa sobre uma esfera tão privada em um espaço público não foi boa. Apesar de ter aceitado participar, ler e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), a entrevistada estava constrangida. Penso que ela aceitou dar a entrevista pois precisava desabafar e me relatou situações de abuso que sofreu na infância e o porquê não gostava de pornografia. Foi uma entrevista bem pesada, me senti mal de ter feito ela relembrar situações dolorosas. Eu fiz a entrevista de forma rápida, até por que a entrevistada não consumia pornografia, boa parte das perguntas não fizeram o menor sentido.

No final desta entrevista falei para a entrevistada que crimes da natureza que ela sofreu não prescrevem da mesma forma que outros8 e que, se ela quisesse registrar um boletim de ocorrência, ainda estava a tempo; também recomendei lugares em que ela poderia realizar terapia psicológica de forma gratuita.

Depois dessa entrevista e a partir da leitura de Bourdieu (2007) decidimos realizar as entrevistas em espaços privados, entendendo as mesmas como uma produção discursiva entre entrevistada e entrevistadora. A maioria das entrevistas foi realizada na casa das entrevistadas.

Ao conversar com as mulheres para agendar a entrevista, no entanto, deixava que elas escolherem o local. Dentre as entrevistadas somente as mais novas preferiram ser entrevistadas na faculdade. Algumas moravam com os pais e se sentiram mais confortáveis na faculdade, mesmo sendo um espaço semi-público (no caso de IES privadas sem fins lucrativos). Duas entrevistas foram realizadas por Skype, devido a incompatibilidade de horários para nos encontrar. A opção pelas entrevistas semi-estruturadas, contudo, foi mantida. Entendemos que permitiram traçar elementos de regularidades ou desvios nas conversas com as entrevistadas

Devido à natureza sensível das perguntas e do consumo pornográfico ser realizado de forma privada optamos por realizar entrevistas com pessoas conhecidas. A prática da abordagem à entrevistada no Shopping Center, descrita acima, assim nos indicou.

8 Para a legislação brasileira a prescrição de crimes sexuais cometidos contra crianças só prescreve 20 anos depois dela fazer 18 anos.

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Perguntamos para amigas e conhecidas, se elas conheciam alguma mulher que consumia pornografia, ou se a própria pessoa era uma consumidora. Em uma ocasião uma amiga postou em um grupo de Whatsapp, que só tinha mulheres como membros, se alguém consumia pornografia e se topariam dar uma entrevista. Ela me passou os números das meninas que responderam de forma positiva, algumas responderam minhas mensagens e dessa forma foram realizadas 3 entrevistas. Em outra ocasião um amigo postou também em um grupo de Whatsapp se alguém consumiria pornografia e se topava dar entrevista, mas dessa vez, por ser um grupo maior em que boa parte dos membros é homem, pedi para ele botar um texto com meu número, dessa forma ninguém precisaria se identificar para ele ou para o grupo como consumidora de pornografia, quem quis dar entrevista, nesse caso, me mandou mensagem.

Outra técnica utilizada foi a bola de neve, onde pedi para as entrevistadas indicações de outras mulheres que também consumiam pornografia. Com a bola de neve conseguimos várias entrevistas, porém a amostra acabava por ficar homogênea. Dessa forma, em determinado ponto parei de pedir indicações para as entrevistadas e comecei a perguntar para pessoas de outros núcleos. Também tentamos realizar entrevistas com mulheres com mais de 50 anos, mas não tivemos sucesso. Nenhuma mulher dessa faixa etária que foi abordada quis dar entrevista. Algumas, contatadas por colegas do grupo de pesquisa aceitaram colaborar. Porém, quando eu as interpelava, se difuminava a possibilidade de agendamento da entrevista.

O presente estudo, como já mencionado anteriormente, é qualitativo e não tem pretensões de fazer uma inferência estatística que generalize os resultados encontrados na presente amostra para a população feminina brasileira. Mesmo sem essa pretensão acreditamos ser importante compreender como mulheres de contextos socioeconômicos distintos são afetadas pelo material pornográfico. Logo, tivemos um cuidado de entrevistar mulheres atravessadas por marcadores sociais distintos9. A categoria identitária “mulher” não é una. Para além de gênero, outros marcadores como etnia, geração, orientação sexual, entre outros, constituem parte importante da construção subjetiva da pessoa. A diferença é uma categoria importante para se entender esta multiplicidade de vozes. Sobre a importância das diferenças, sob o prisma dos estudos de gênero, Claudia de Lima Costa afirma:

Diferenças são efeitos da mútua imbricação das várias categorias de identidade social (raça, classe, etnicidade, nação, etc.), as quais não podem ser agrupadas sob a égide da diferença sexual ou unicamente de gênero. Para

9 Sobre a categoria marcadores sociais da diferença ver produção do grupo de estudos NUMAS (Núcleo de estudos sobre marcadores sociais da diferença) vinculado ao Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo.

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Butler, ainda que sejamos mulheres, certamente não é tudo o que somos (ou que possamos vir a ser). Ver a complexa interseção (não simples adição) dos inúmeros eixos de diferenciação social, sem contudo assumir um fácil paralelismo entre eles, configura o momento mais crucial para a teorização feminista. Ainda que o gênero, como nos mostra de Lauretis, seja fundamental para a constituição de nossas subjetividades, ele simplesmente não existe no vácuo. A experiência de gênero está sempre já moldada, em menor ou maior escala, por outras experiências (como racismo, homofobia), desestabilizando então qualquer noção de identidade como coerente, unitária, e fixa. A identidade (que jamais será unicamente de gênero, portanto o anacronismo dessa expressão), se transforma em um "locus de posições múltiplas e variáveis, existentes no campo social e possibilitadas por processos históricos (...) e organizadas através de discursos e práticas que podem ser, e muitas vezes são, mutuamente contraditórias". (COSTA, 2006, p. 168-169)

Pensando a categoria “mulheres” como plural e atravessada por diversos marcadores sociais da diferença, como classe e etnia, elaboramos um pequeno formulário que foi entregue para as mulheres juntamente com o termo de consentimento esclarecido. Neste formulário perguntamos o gênero, a idade, a orientação sexual, a etnia/raça10, escolaridade e profissão. O formulário segue abaixo:

Dados Gerais Gênero:

( )Feminino ( )Masculino ( )Outro

( )Não gostaria de declarar Idade:______

( ) Não gostaria de declarar Orientação Sexual:

( )Heterossexual ( )Homossexual ( )Bissexual ( )Pansexual ( )Outro

( )Não gostaria de declarar Etnia/Raça:_________________

( ) Não gostaria de declarar Escolaridade:

( )Ensino fundamental incompleto

10 Entendemos que a categoria raça é problemática, nos aproximamos mais da definição de etnia. Porém para deixar o formulário mais compreensível para o público em geral colocamos etnia/raça.

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( )Ensino fundamental completo ( )Ensino médio incompleto ( )Ensino médio completo ( )Ensino Superior Incompleto ( )Ensino Superior Completo ( )Não gostaria de declarar Profissão:_________________

( ) Não gostaria de declarar

Inicialmente pensamos em elaborar uma tabela com as respostas dos formulários fornecidas pelas entrevistadas ou anexar os formulários preenchidos juntamente com as transcrições. Porém acabamos por priorizar o anonimato das entrevistadas, uma vez que a técnica bola de neve foi utilizada, as entrevistadas seriam facilmente identificadas por outras entrevistadas. Logo, elaboramos gráficos no Excel a partir das respostas fornecidas, disponibilizando os dados gerais das entrevistadas de forma conjunta. Todas as entrevistadas marcaram feminino em gênero, dessa forma não achamos necessário elaborar um gráfico para essa variável.

Figura 2: Faixa etária das entrevistadas

Fonte: Elaborado pela autora

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Figura 3:Gráfico 2: Orientação sexual das entrevistadas

Fonte: Elaborado pela autora

Figura 4: Gráfico 3: Etnia das entrevistadas

Fonte: Elaborado pela autora

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Figura 5: Gráfico 4: Escolaridade das entrevistadas

Fonte: Elaborado pela autora

Figura 6: Gráfico 5: Profissões das entrevistadas

Fonte: Elaborado pela autora

1.6 AFETO COMO PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO

O afeto é uma categoria central para a presente dissertação, não somente como articulador do problema de pesquisa, mas também como fundamento para a construção teórica do percurso metodológico. Partimos da ideia de um corpo spinozano, onde o racional não está separado do corporal. A separação cartesiana acaba por hierarquizar, sempre colocando o corpo como inferior perante a mente racional. Para Spinoza, a alma e o corpo são atributos da

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