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A contaminação da água potável por agentes patogênicos é uma questão importante no mundo todo porque ainda é a principal fonte de veiculação de doenças que causam diarréia. Segundo a OMS, a mortalidade por tais doenças é superior a 5 milhões pessoas por ano (OMS, 2008).

Muitos dos principais problemas que a humanidade está enfrentando no século XXI estão relacionados com quantidade e/ou a qualidade da água devido aos altos níveis de urbanização e a concentração das populações em grandes cidades além da grande diversidade de atividades socioeconômicas (AJEAGAH, 2013; UNESCO, 2010).

Os problemas relacionados ao saneamento, higiene e disponibilidade de água potável diferem entre países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento. Em países desenvolvidos, a manutenção e substituição da instalação sanitária e infraestrutura de abastecimento de água são tratados como prioridade enquanto que naqueles em desenvolvimento, nos quais a maioria dos esgotos ainda é despejada nos corpos hídricos sem tratamento adequado, a melhoria do saneamento e acesso à água potável não são abordados de maneira fundamental pelos governos (UNESCO, 2010). A maior parte do aumento da população nas áreas urbanas ocorrerá nos países em desenvolvimento sendo assim, estima-se que em 2030, 67% da população mundial ainda não estará conectada a um serviço público de sistema de esgoto (UNESCO, 2010).

Sendo assim, a água contaminada pode ser um veículo importante para surtos de doenças causadas por diversos patógenos humanos (BRUNKARD et al., 2011). Contaminantes químicos e microbiológicos podem ocorrer em águas superficiais por meio do escoamento proveniente de áreas agrícolas, de áreas de pastagens, esgoto, efluentes industriais e águas residuárias vindas de áreas urbanas (SEMENZA et al., 2012). As águas superficiais também podem ser contaminadas por fezes humanas e de animais silvestres e domésticos infectados. A contaminação pode ainda ser afetada por eventos climáticos extremos, tais como precipitação significativa (SEMENZA, 2014).

Doenças de veiculação hídrica ocorrem no mundo todo e os surtos causados pela contaminação dos sistemas de tratamento de água têm o potencial de afetar grandes números

de consumidores (KARANIS et al., 2007; PLUTZER e KARANIS, 2016). Tais surtos têm consequências econômicas além dos custos relativos aos cuidados de saúde para os pacientes afetados, como também criam uma falta de confiança na qualidade da água potável e na indústria da água em geral (KARANIS et al., 2007).

Os protozoários patogênicos Giardia e Cryptosporidium foram os principais agentes etiológicos de surtos de veiculação hídrica em um levantamento feito entre 2004 e 2010 ao redor do mundo (BALDURSSON e KARANIS, 2011), o que demonstrou que essa rota de transmissão desempenha um papel importante na epidemiologia desses parasitos (PRYSTAJECKY et al., 2015). Até o ano de 2010 foram registrados 524 surtos de diarréia atribuídos à transmissão hídrica sendo que a maioria deles foi causado por Giardia spp. e Cryptosporidium spp. (202 e 285, respectivamente) (KARANIS et al., 2007; BALDURSSON e KARANIS, 2011; PLUTZER e KARANIS, 2016). Os outros 37 surtos foram causados por outros protozoários de veiculação hídrica como Entamoeba histolytica (10), Cyclospora cayetanensis (9), Toxoplasma gondii (7), Cystoisospora belli (7), Blastocystis hominis (3), Acanthamoeba spp. (3), Balantidium coli (1) e Naegleria fowleri (1) (KARANIS et al., 2007; BALDURSSON e KARANIS, 2011; PLUTZER e KARANIS, 2016). Há amplas evidências de que a gestão inadequada da distribuição de água potável levou a surtos de giardiose e criptosporidiose tanto em países desenvolvidos como quanto naqueles em desenvolvimento (OMS, 2014).

Um levantamento feito pelo Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC) verificou que entre 1971 e 2011 foram registrados 242 surtos de giardiose que afetaram mais de 41.000 pessoas, somente nesse país. A principal causa de transmissão foi a hídrica (74,8%), seguida de alimentar (15,7%), contato pessoa a pessoa (2,5%) e contato com animais (1,2%) (ADAM et al., 2016). Na Europa, no período entre 2008 e 2012, foram registrados 9.577 casos esporádicos de criptosporidiose e 16.167, de giardiose (ECDC, 2014).

O maior surto já registrado de giardiose ocorreu em 2004 na Noruega (país com o maior índice de desenvolvimento humano no mundo), na cidade de Bergen. Estima-se que cerca de 48.000 pessoas foram expostas a água potável contaminada e 2.500 receberam tratamento médico. Na Noruega, mais de 90% dos quase 500 casos anuais de giardiose eram relacionados a pessoas que viajavam para fora do país (NYGARD et al., 2006). Tal surto pode ter sido causado pelo escoamento de esgoto para o lago usado como manancial após dias de chuvas muito fortes (NYGARD et al., 2006). Investigações posteriores desse surto de giardiose

indicaram que pelo menos 133 pacientes tiveram criptosporidiose sendo que Cryptosporidium parvum foi o agente etiológico identificado (ROBERTSON et al., 2006).

O maior surto de criptosporidiose por veiculação hídrica já registrado foi em Milwaukee (Wisconsin, Estados Unidos) em 1993 no qual mais de 400.000 pessoas foram afetadas devido a processos ineficazes de retro lavagem dos filtros e dosagem incorreta de coagulantes na estação de tratamento de água, o que levou a remoção inadequada de oocistos (MACKENZIE et al., 1994; SOLO-GABRIELE e NEUMEISTER, 1996).

Decorridos 17 anos após o surto de Milwaukee, o segundo maior surto de criptosporidiose ocorreu na cidade de Östersund (Suécia) no final de 2010 e envolveu cerca de 27.000 pessoas. Esse surto é também o maior de veiculação hídrica já registrado na Europa (WIDERSTRÖM et al., 2014). A suspeita era que o esgoto de algumas famílias estava sendo diretamente despejado em um córrego que desaguava em um lago a partir do qual a água potável era obtida.

Apenas seis meses depois do segundo maior surto ocorrido na Suécia outro episódio foi registrado em Skellefteå, cidade mais ao norte de Östersund, e afetou cerca de 20.000 pessoas que manifestaram sintomas da criptosporidiose (WIDERSTRÖM et al., 2014). A causa desse surto não foi estabelecida, mas considerou-se que poderia estar parcialmente relacionado com o surto de Östersund. A distribuição de água em ambas as cidades era ineficiente quanto às barreiras necessárias para impedir a passagem dos oocistos. As autoridades então reconheceram a importância dessas barreiras, a necessidade do estabelecimento de um Plano de Segurança da Água além da detecção de Giardia e Cryptosporidium nos laboratórios de diagnóstico como passos cruciais na resposta a surtos (WIDERSTRÖM et al., 2014).

Surtos de criptosporidiose e giardiose também ocorreram em pequenas e grandes comunidades devido à veiculação hídrica e tal fato indica a capacidade de Giardia e Cryptosporidium resistirem aos tratamentos padrões dos sistemas de água de pequenas comunidades rurais, mas também áreas urbanas, como visto em Milwaukee (DORE, 2015). As falhas do sistema, particularmente no processo de tratamento, são o principal fator de contribuição que permite a ocorrência de surtos além de um ineficaz tratamento com cloro e uma inadequada filtração de fontes de água superficiais (DORE, 2015).

No Brasil não há relatos de surtos de giardiose e criptosporidiose devidamente documentados uma vez que não são parasitoses de notificação obrigatória para os serviços de saúde, entretanto diversos trabalhos tem relatado a presença de cistos e oocistos em águas usadas para abastecimento humano (OSAKI et al., 2013; RAZZOLINI et al., 2010; SATO et

al., 2013). Existe a obrigatoriedade da inclusão da pesquisa de protozoários patogênicos no monitoramento de amostras ambientais pela Portaria nº2.914/2011 do Ministério da Saúde (BRASIL, 2011). A presença de cistos de Cryptosporidium spp. e cistos de Giardia spp. em água destinada ao consumo humano deverá ser realizada quando a média geométrica anual de Escherichia coli encontrada na água bruta superficial for maior ou igual a 1.000 NMP de Escherichia coli por 100 ml. Entretanto, o custo de metodologias de referência como as preconizadas pela USEPA é alto para a realidade do Brasil o que dificulta o monitoramento da qualidade das águas usadas para abastecimento humano.

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