• Nenhum resultado encontrado

Protozoários ciliados colonizaram e estão presentes em praticamente todos os ambientes nos quais é possível verificar vida eucariótica e, deste modo, são um dos grupos de protistas melhor sucedidos do planeta (LARA e ACOSTA-MERCADO, 2012). Trata-se ainda de um grupo extremamente diverso com mais de 4.500 espécies descritas, entretanto, levantamentos de diversidade ambiental com uso de técnicas moleculares baseadas na pesquisa da menor subunidade do ribossomo (SSU rRNA) sugerem que esse número pode ser subestimado (SLAPETA et al., 2005; SAUVADET et al., 2010). Esses organismos são os principais consumidores de bactérias, algas e outros protozoários nas teias alimentares aquáticas e formam a ligação entre os níveis tróficos microbianos e dos microetazoários (DOPHEIDE et al., 2008; FENCHEL, 2008).

De acordo com Lynn (2008), os protozoários ciliados são classificados como pertencentes ao Filo Ciliophora e este é subdividido em dois sub-filos principais, Intramacronucleata e Postciliodesmatophora. Tal classificação leva em consideração caracteres morfológicos ultra-estruturais e sequenciamento da menor subunidade ribossomal do DNA (SSU rDNA). Entretanto, revisões recentes sugerem Mesodiniea como um terceiro sub-filo considerando quatro marcadores genéticos (GAO et al., 2016).

A quantificação da distribuição e diversidade de ciliados em habitats aquáticos é importante para obter uma melhor compreensão das cadeias alimentares microbianas nestes sistemas (ANDRUSHCHYSHYN et al., 2007).

Poucos estudos tem examinado a sensibilidade de comunidades microbianas como um indicador da qualidade e função dos sistemas de água doce (LEAR et al., 2011). No entanto, a análise de tais comunidades pode fornecer uma alternativa útil para verificação de ecossistemas aquáticos uma vez que (1) os protozoários ciliados são ubíquos e exigem pouco esforço de amostragem, (2) as coletas não causam perturbações para o recolhimento desses organismos pois são necessários pequenos volumes de sedimentos, biofilme ou água para análise das comunidades, (3) o ciclo de vida é rápido o que significa que eles podem ser indicadores de mudança da qualidade ambiental.

Hu et al. (2011) ressaltaram a importância de levantamentos taxonômicos para o entendimento das comunidades de protozoários ciliados além de serem indispensáveis para estudos sobre a avaliação das respostas de espécies de ciliados aos impactos ambientais e / ou na seleção daquelas espécies indicadoras da qualidade da água.

No Brasil, alguns estudos feitos em ambientes aquáticos mostram a diversidade de protozoários ciliados. Paiva e Silva Neto (2004) fizeram um levantamento em água superficial e sedimento da Lagoa de Cabiúnas (Rio de Janeiro) e detectaram 34 espécies distribuídas nas classes Karyorelictea, Heterotricha, Hypotrichea, Oligotricha, Colpoda, Nassophorea e Oligohymenophorea. Dias et al. (2008) verificaram a presença de 22 espécies de ciliados no Córrego Sao Pedro, na cidade de Juiz de Fora (MG) em diferentes pontos de recebimento de esgoto doméstico. As espécies mais frequentemente encontradas foram Coleps sp., Spirostomum minus, Frontonia leucas, Urocentrum turbo, Stylonychia pustulata e Vorticella sp. Já Pauleto et al. (2009) verificaram os padrões espaciais e temporais da distribuição de ciliados plactônicos na planície de inundação do Alto Rio Paraná e 61 espécies foram identificadas sendo que as classes mais representativas foram Prostomatida, Hymenostomatida e Peritrichida.

Regali-Seleghim et al. (2011) realizaram um extenso levantamento da diversidade de protozoários ciliados com coletas em distintos ambientes de água doce como represas, riachos, lagoas e viveiro de piscicultura no Estado de São Paulo. Esse estudo registrou 218 gêneros e 304 espécies. Mendonça (2012) avaliou a estrutura de comunidades no Rio das Velhas (Minas Gerais) frente à variações de poluição e em diferentes estações climáticas (seca e chuvosa) e registrou 45 espécies de protozoários ciliados. No Paraná, Velho et al. (2013) verificaram a água superficial de um lago urbano e relataram a presença de 35 espécies distribuídas nas classes Prostomatida, com maior número de espécies, seguida por Gymnostomatida, Oligotrichida, Peritrichida e Scuticociliatida.

A estrutura das comunidades de ciliados pode ser afetada por características físicas, químicas e geomorfológicas do ambiente aquático e mudanças nessas condições podem alterar a composição e a riqueza das espécies (ANDRUSHCHYSHYN et al., 2003; MADONI e BRAGHIROLI, 2007; VELHO et al., 2013). O oxigênio dissolvido na água é um dos mais importantes gases envolvidos na dinâmica e caracterização dos ecossistemas aquáticos e útil para a determinação da qualidade da água (ESTEVES, 1998). Alguns estudos apontam que pode haver um aumento na abundância de protozoários ciliados de acordo com a quantidade de matéria orgânica disponível (VELHO et al., 2005; VELHO et al., 2013).

A diversidade de protozoários ciliados pode ser ameaçada por fatores como a poluição industrial e derivada de atividade agrícola. Mansano et al. (2016) avaliaram a toxicidade de diuron e carbofuran em Paramecium caudatum. Esses compostos fazem parte de pesticidas comumente aplicados em cultivos agrícolas no Brasil e os resultados do estudo evidenciaram a

capacidade de causar efeitos deletérios no ciliado em questão. Substâncias como pesticidas podem causar impactos sobre a diversidade desses organismos a qual ainda não é totalmente conhecida.

O índice sapróbio é um método de monitoramento biológico focado nas diferentes adaptabilidades da microfauna e / ou macrofauna como protozoários ciliados e moluscos em vários habitats aquáticos. Os ciliados foram classificados em diferentes níveis sapróbicos, de acordo com seu habitat de preferência e com diferentes graus de poluição desses ambientes bem como os fatores físicos e químicos - matéria orgânica dissolvida, temperatura, pH, condutividade elétrica e concentração de oxigênio dissolvido (CHEN et al., 2008; DIAS et al., 2008). No sistema sapróbico, as principais zonas de poluição de um ambiente são polisapróbio (muito pesadamente poluído), alfa-mesosaoróbio (pesadamente poluído), beta-meso sapróbio (moderadamente poluído) e oligosapróbio (limpo ou levemente poluído) (CHEN et al., 2008; DIAS et al., 2008) (Tab 6).

Tabela 6. Classificação do corpo hídrico de acordo com o sistema sapróbrio Nível sapróbico Índice Sapróbico Grau de poluição

orgânica

Classe de qualidade do habitat Oligosapróbio 1,0 a < 1,5 Águas sem ou com

pouca carga orgânica

I

Oligosapróbio para β- mesosapróbio

1,5 a < 1,8 Águas sem carga orgânica

I – II

β-mesosapróbio 1,8 a < 2,3 Águas com moderada carga orgânica

II

β-mesosapróbio para α- mesosapróbio

2,3 a < 2,7 Águas com carga orgânica crítica

II – III

α- mesosapróbio 2,7 a < 3,2 Águas altamente poluídas

III

α- mesosapróbio para polisapróbio

3,2 a < 3,5 Águas muito altamente poluídas III – IV Polisapróbio 3,5 a < 4,0 Águas excepcionalmente poluídas IV Adaptado de Madoni (2005)

As técnicas ciliatológicas para a verificações de caracteres taxonômicos são amplamente empregadas para a identificação dos protozoários ciliados, especialmente aquelas que usam a impregnação pela prata (DIECKMANN, 1995). Tais procedimentos permitem a visualização de importantes estruturas para a identificação taxonômica dos ciliados como, por exemplo, o aparato nuclear (forma e número de macro e micronúcleos), padrão de organização das cinécias somáticas, ciliatura oral, posicionamento oral e estruturas do citoesqueleto. A microscopia eletrônica de varredura também tem sido empregada para a elucidação de características taxonômicas, entretanto, quando empregada sozinha, é insuficiente para revelar estruturas importantes na identificação dos diversos grupos de ciliados (FOISSNER, 2014).

Além dos métodos de identificação morfológica, técnicas moleculares também tem sido empregadas para caracterizar a diversidade genética das comunidades aquáticas, entretanto o uso extensivo de tais metodologias em pesquisas de levantamento taxonômico de protozoários ciliados pode produzir uma dificuldade adicional em pesquisas comparativas, uma vez que a maioria dos trabalhos recentes exclusivamente fornecem resultados morfológicos ou moleculares (DUNTHORN et al., 2014; WEISSE, 2014). O objetivo do emprego de técnicas de sequenciamento de nova geração é, certamente, melhorar os protocolos de clonagem clássicos, entretanto, não pode explicar por si só as discrepâncias entre os métodos tradicionais "cultura-independente" e nem fornecer uma chave para comparar diferentes tipos de dados (LEAR et al., 2011; ROSSI et al., 2016;).

A relação dos protozoários ciliados de vida livre com organismos patogênicos é intrigante e pesquisas com tal abordagem ainda são relativamente pouco realizadas (BOSCARO et al., 2012). Existem alguns relatos da ocorrência de microrganismos que exercem a predação de oocistos de Cryptosporidium spp. e que podem contribuir para remoção destes do esgoto doméstico (FAYER et al., 2000; STOTT et al., 2001, 2003) e na água (MONIS et al., 2014). Uma variedade de organismos já foi relatada como predadores de oocistos, tais como protozoários ciliados (STOTT et al. 2001, 2003; KING e MONIS, 2007), amebas (STOTT et al. 2003; KING e MONIS, 2007) e micrometazoários (FAYER et al. 2000; STOTT et al. 2003; KING e MONIS, 2007). A predação de cistos de Giardia spp. por protozoários ciliados foi menos estudada, comparativamente aos oocistos de Cryptosporidium. Recentemente, Siqueira- Castro et al. (2016) verificaram a predação de cistos de Giardia spp. e oocistos de Cryptosporidium spp. por protozoários ciliados presentes em ambientes aquáticos e em estações de tratamento de esgoto.

Stott et al. (2001) e King e Monis (2007) observaram agrupamentos de oocistos após remoção biológica. O significado epidemiológico desses agrupamentos é relevante uma vez que sedimentam mais rapidamente e são passíveis de remoção por filtros já que se comportam como partículas maiores. King e Monis (2007) sugerem que a ingestão por algumas espécies de predadores pode resultar na degradação dos oocistos em vacúolos digestivos. Mais recentemente, Monis et al. (2014) demonstraram que oocistos podem ser efetivamente removidos da interface sedimento-água, especialmente quando o número de predadores é alto. Muitos estudos verificaram a eficácia de processos de tratamento de esgoto empregados em estações de tratamento mediante a presença de protozoários ciliados (MADONI, 1994; STOTT e TANNER, 2005; PEDESCOLL et al., 2016). Tais microrganismos são fundamentais

para os processos de tratamento por lodos ativados e atuam como indicadores da presença de oxigênio (FOISSNER, 2016). Assim, ainda há a necessidade de mais pesquisas sobre a diversidade e atuação desses organismos em ambientes de água doce.

Documentos relacionados