• Nenhum resultado encontrado

O poder da arte em situações traumatogênicas

5. CONTATO EM TEMPOS DE PANDEMIA

Mônica Botelho Alvim

Resumo

A pandemia da COVID 19 foi um acontecimento imprevisto que gerou alterações radicais no mundo, nas relações, na sociedade, des-configurando tudo e exigindo uma grande e geral reconfiguração. É de grande importân- cia para nós, gestalt-terapeutas, pensar de que modo esse grande aconte- cimento vem afetando os sujeitos, os modos de subjetivação ou selfing e as formas de sofrimento. Neste capítulo apresentamos algumas reflexões e análises preliminares da situação atual, diante da pandemia, na tentativa de esboçar uma breve e inicial configuração de reflexões geradas pelas intensas afetações experienciadas neste campo aqui e agora. O fundo das reflexões que realizo aqui está muito movimentado por pensamentos, leitura, contato com análises de acadêmicos, de lideranças comunitárias e de movimentos sociais. Como seres no mundo, seres de um campo organismo/ambiente, as dimensões sócio-culturais, econômicas e políticas são parte intrínseca de nossas formas de existir e como gestalt-terapeutas não podemos perder de vista esse fato de que somos mundo, coexistentes e co-responsáveis por esse corpo planetário que ora convulsionado, grita. Dialogando com filósofos e críticos sociais contemporâneos que vêm debatendo a crise provocada pelo surgimento do vírus, discutimos aspectos relacionados à dimensão política, econômica e social e refletimos acerca de seus impactos em nossas vidas e interações. Recorrendo ao pensamento do filósofo Maurice Merleau-Ponty, pensamos em termos de experiência, corpo, coexistência, sempre na vida, na existência como corpo-no-mundo-com-o-outro. Existência aqui-agora que é impermanência, desdobramento temporal, devir. O que nos permite pensar no contato em sua dimensão de temporalidade e corporeidade. Tomando o acontecimento da pandemia como marco temporal, descrevemos os cenários de antes, de agora e as perspectivas para depois, tendo nosso foco nas análises da temporalidade, da espacialidade e da corporeidade e as implicações para o contato.

Editora CR

V - Pr

oibida a impr

essão e/ou comer

cialização

Abstract

The COVID 19 pandemic was an unforeseen event that generated radical changes in the world, in relationships, in society, dismantling everything and requiring a major and general reconfiguration. It is of great importance for us, gestalt therapists, to think about how this great event has been affecting the subjects, the modes of subjectivation or selfing and the forms of suffe- ring. In this chapter we present some reflections and preliminary analyzes of the current situation, in the face of the pandemic, in an attempt to outline a brief and initial configuration of reflections generated by the intense affects experienced in this field here and now. The background of the reflections I make here is very busy with thoughts, reading, contact with analyzes by aca- demics, community leaders and social movements. As beings in the world, beings from an organism / environment field, the socio-cultural, economic and political dimensions are an intrinsic part of our ways of existing and as gestalt therapists we cannot lose sight of the fact that we are world, coexis- ting and co -responsible for that planetary body that is now convulsed, and screams. In dialogue with contemporary philosophers and social critics who have been debating the crisis caused by the emergence of the virus, we discuss aspects related to the political, economic and social dimension and reflect on its impacts on our lives and interactions. Using the thought of the philosopher Maurice Merleau-Ponty, we think in terms of experience, body, coexistence, always in life, in existence as body-in-the-world-with-the-other. Existence here-now that is impermanence, temporal unfolding, becoming. What allows us to think about contact in its dimension of temporality and corporeality. Taking the event of the pandemic as a time frame, we describe the scenarios from before, from now and the perspectives for later, focusing on the analysis of temporality, spatiality and corporeality and the implications for contact. Resumen

La pandemia de COVID 19 fue un evento imprevisto que generó cam- bios radicales en el mundo, en las relaciones, en la sociedad, desmantelando todo y requiriendo una reconfiguración mayor y generalizada. Es de gran importancia para nosotros, terapeutas gestálticos, pensar en cómo este gran acontecimiento ha ido afectando a los sujetos, los modos de subjetivación o autofecundación y las formas de sufrimiento. En este capítulo presentamos algunas reflexiones y análisis preliminares de la situación actual, de cara a la pandemia, en un intento de perfilar una configuración breve e inicial de reflexiones generadas por los intensos afectos vividos en este campo aquí y ahora. El trasfondo de las reflexiones que hago aquí está muy ocupado con

Editora CR

V - Pr

oibida a impr

essão e/ou comer

cialização

VOZES EM LETRAS:

Olhares da Gestalt – terapia para a situação de pandemia 67

pensamientos, lecturas, contacto con análisis de académicos, líderes comuni- tarios y movimientos sociales. Como seres en el mundo, seres de un campo organismo / medio ambiente, las dimensiones socioculturales, económicas y políticas son parte intrínseca de nuestras formas de existir y como terapeu- tas gestálticos no podemos perder de vista el hecho de que somos mundo, conviviendo y coexistiendo, co-responsables de ese cuerpo planetario que ahora está convulsionado, grita. En diálogo con filósofos y críticos sociales contemporáneos que vienen debatiendo la crisis provocada por la aparición del virus, discutimos aspectos relacionados con la dimensión política, económica y social y reflexionamos sobre sus impactos en nuestras vidas e interaccio- nes. Usando el pensamiento del filósofo Maurice Merleau-Ponty, pensamos en términos de experiencia, cuerpo, coexistencia, siempre en la vida, en la existencia como cuerpo-en-el-mundo-con-el-otro. Existencia aquí-ahora que es impermanencia, desarrollo temporal, devenir. Lo que nos permite pensar el contacto en su dimensión de temporalidad y corporalidad. Tomando el evento de la pandemia como un marco temporal, describimos los escenarios de antes, desde ahora y las perspectivas para después, enfocándonos en el análisis de la temporalidad, espacialidad y corporalidad y las implicaciones para el contacto.

Contato é uma noção central da Gestalt-terapia. Contato é a realidade mais simples e primeira, afirmam nossos fundadores (Perls, Hefferline & Goodman, 1997). E que realidade é essa? Nossa experiência no mundo. Partindo dessa condição de sermos corpo-no-mundo-com-o-outro, estamos sujeitos: à contingência do mundo, com acontecimentos que nos afetam e nos aparecem como novidades e à diferença do outro, que também nos surpreende e desequilibra, nos convocando a criar para retomar o equilíbrio e seguir, transformando-nos e transformando o mundo.

Contato pode ser pensado então como essa realidade mais simples da experiência, um processo iniciado com um acontecimento espaciotemporal que nos afeta e desequilibra e um movimento criador que retoma o equilíbrio e nos faz crescer, deixando o fundo de nossas próximas experiências mais rico de possibilidades.

Inspirada em Merleau-Ponty, penso o corpo como modo de ser e estar no mundo e com o outro, o corpo que reúne aqui-agora, no movimento, o passado e o futuro. Ele propõe pensar em duas dimensões do corpo: uma dimensão que ele denomina “corpo habitual”, que é passado, gesto motor que eu já adquiri e que me coloca no âmbito de uma impessoalidade, no sentido de que aquilo que se automatiza no meu gesto motor, corporal, não é mais objeto de minha concentração pessoal. É o corpo habitual que confere o sentido de pertenci- mento, pois ele, como dimensão impessoal ou anônima (sem nome de um

Editora CR

V - Pr

oibida a impr

essão e/ou comer

cialização

autor) é de todo mundo e de ninguém em particular. A conexão com o outro, o pertencimento a uma cultura, o automatismo dos gestos e movimentos (taken

for granted), a linguagem, os códigos sociais que compõem a sociedade, a

cultura e os valores são parte desse mundo em geral, estão em nosso corpo provendo um fundo pra nossas experiências no pertencimento.

A segunda dimensão do corpo de que fala Merleau-Ponty (1994) é o corpo atual, que diante da situação atual nos lança para o porvir, gesticula e se movimenta para lá, para o novo, ainda virtual, com o lastro do passado e apoiado no solo concreto do presente, nesse topos.

Assim, podemos pensar o corpo como um corpo-tempo, que por uma práxis produz saber – Praktognosia (Merleau-Ponty, 1994), um corpo que realiza o trabalho de síntese entre o agora e o depois, que nos dá o sentido de possibilidade de trans-forma-ação. Nesse sentido, Merleau-Ponty afirmou que a consciência não é um “eu penso”, mas um “eu posso”. Esse corpo que se move e conhece é poder de trans-forma-ação, dado a partir da motricidade, o que dialoga com a noção de contato da Gestalt-terapia.