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PARTE II – ASPECTOS METODOLÓGICOS E ANÁLISES

6. ANÁLISE DE OCORRÊNCIAS DO CORPUS

6.1. Usos espaciais de em

6.1.3. Contato

A relação topológica de ‘contato’ emerge destas outras construções com a preposição em, a qual poderia ser adequadamente substituída por sobre.

(94) Três modelos levitavam (deitadas em pranchas estreitas)... (JB – 21.6.08) (95) Menores ficam deitados em mesas de escritório, idosos em colchões no

chão. (Estado de Minas – 28.04.2008)

38 O Prof. Luiz Francisco Dias (UFMG) lembra que, como marca da categorização prototípica, uma interpretação de ‘instrumento’ não poderia ser descartada para este exemplo (92).

(96) Em Tóquio e na Cidade do México, onde verde é coisa rara, o governo dá incentivo fiscal para quem plantar no telhado.xvi

(97) Além das árvores, faixas estendidas no/sobre o gramadoinformavam que “Se a árvore votasse muitos não se elegeriam”...xvii

Observa-se nos exemplos acima que os trajetores (modelos, menores/idosos, plantar e faixas) não estão incluídos nos respectivos marcos. As pranchas estreitas, as mesas/os colchões/o chão, o telhado e o gramado são entidades planas, ou com zonas ativas conceitualizadas como tal, que oferecem algum tipo de ‘suporte’ para as entidades com as quais estão em ‘contato’. Esse efeito funcional é resultado de nosso conhecimento pragmático sobre as atividades humanas, pessoas e objetos descritos, que nos faz pensar sobre os marcos com uma orientação horizontal.

Pelo lado oposto, a maneira como o contexto determina o fenômeno da zona ativa fica clara quando se considera um marco como “quadra”, que, à primeira vista, é um plano bidimensional. Entretanto, a relação que se destaca no exemplo abaixo não é o contato com a superfície da quadra, a qual, na verdade, é construída mentalmente como dotada de um interior, um limite e um exterior, como qualquer marco tridimensional, em virtude da configuração espacial do trajetor (os jogadores) e da atividade em que estão envolvidos.

(98) O sistema de cotas do vôlei garantirá que pelo menos metade dos seis jogadores em quadra por uma equipe possa defender a seleção do país-sede do time. (Estadão – 24.06.2008)

A flexibilidade da cognição humana nesses fenômenos é descrita por Tyler & Evans (2003. p. 183-4) como nossa capacidade de empregar as preposições que indicam ‘contenção’ com marcos que representam contentores não-canônicos. Segundo eles, esse processo se estende para acolher marcos cujos limites são praticamente indefiníveis para o falante, tais como países, regiões, mares etc. (Ver exemplos (90) e (91) repetidos aqui.).

(99) (90) Cerca de 70 plataformas no Mar do Norte foram obrigadas a fechar ou reduzir a produção. (Estadão – 01.05.2008)

(100) (91) Nas últimas três semanas, vários confrontos armados foram registrados

no Vale do Bekaa e em Beirute. (Estado de Minas – 06.08.2008)

Novamente vale dizer que a preposição por si só não marca a distinção entre uma localização “pura e simples” e a noção de ‘inclusão’, ou ainda, que esta última se perdeu nesses casos. O exemplo (101) abaixo, retomado da seção 3.1, demonstra como a locução dentro de, que acentua a noção de inclusão, não parece adequada para o contexto.

(101) (25) Hitler was now back in Berlin, facing the last desperate battle of the war. [Agora Hitler estava de volta em/a/#dentro de Berlim, enfrentando a última desesperada batalha da guerra.] (TREVOR-ROPER, 1947. p. 52 e 91)

A relação de ‘contato’ evocada por em inclui uma variante contextual ainda mais específica que é a ‘aderência’ (attachment, em LEVINSON & MEIRA, 2003). Essa noção é representativa de certos contextos em que o trajetor se situa abaixo ou atrás do marco, em

uma configuração espacial muito semelhante àquela evocada por alguns usos de sob ou debaixo de, que, no entanto, não licenciam o emprego destas últimas formas. Nos exemplos (102) a (105), o conhecimento pragmático do falante sobre os efeitos da Gravidade informa-o que o trajetor ‘adere’ fortemente ao marco, ou ele cairia.

(102) “Viajamos igual a manga no/#sob o/#debaixo do/#sobre o cacho, todos grudados...” (Estado de Minas – 06.08.2008)

(103) Sabe quantos funcionários públicos são necessários para se trocar uma

lâmpada no/junto ao/?sob o/#sobre o teto da repartição? xviii

Como característica da relação funcional Sustentador/objeto sustentado (VANDELOISE, 1991. p. 197-8), o emprego de sob parece mais razoável quando há ocultação do trajetor pelo marco ou uma distância entre os dois. Nos exemplos (102) e (103) acima, embora haja uma orientação vertical, com o trajetor se posicionando abaixo do marco, aquele está aderido a este.

A mudança na orientação (de vertical para horizontal) também é comportada pelo uso de em. Nos casos abaixo, trata-se agora de uma oposição do tipo ‘frente/verso’ ou ‘na frente/atrás’, que também pode ser expressa por sobre.

(104) Pérolas bordadas nas/sobre as barras das saias deram movimento e um toque de luxo à criação. (Estado de Minas – 06.08.2008)

(105) Em suma, o jornalista não pode considerar o Brasil e Minas Gerais - como dizia o poeta - como apenas um retrato na/sobre a parede.xix

Em (104) e (105), o elemento saliente gerado pelo conhecimento pragmático é que tantos as pérolas quanto o retrato (trajetores) são visíveis ao conceituador. Tome-se, a título de comparação, o que aconteceria se o tema do enunciado (104) fosse o arremate dos bordados. Dir-se-ia, então, que os “nós do bordado estão sob o/#no/#sobre o direito do tecido” ou os “nós do bordado estão no/sobre o/#sob o avesso”.

Ao contrário de sob, a forma sobre, que também evoca uma relação de ‘contato’ entre entidades, necessita de um contexto em que o trajetor esteja acima do marco ou diante dele.

Em síntese, o uso da preposição em não depende da orientação espacial, mas de uma proximidade entre trajetor e marco, que se acredita esteja relacionada à noção de ‘controle’ e não à de ‘sustentação’. E parece que, quando o eixo da orientação espacial se altera, ‘estar visível’ também favorece esse controle. A noção de ‘contato’ com alguma área de influência do marco é essencial a em, mas não a sobre e a sob. Em, portanto, não expressa a relação Sustentador/objeto sustentado proposta por Vandeloise (1991 e 1994).

Isso leva à seguinte pergunta: por que em codifica ‘inclusão’ e ‘contato’? Em princípio há duas explicações possíveis: uma baseada na perspectivação conceitual (LANGACKER, 2001) e outra, no conhecimento enciclopédico (VANDELOISE, 1991, por exemplo).

Como já discutido na Introdução, a perspectivação conceitual – um dos componentes da conceitualização – envolve a capacidade de construir uma cena focalizando em uma de suas facetas e deixando as demais em segundo plano. Demonstrou- se esse fenômeno com o exemplo (2) reproduzido a seguir.

(106) (2) Assim pode ser descrita a tormenta monstro que por semanas foi registrada no planeta Saturno.xx

Afirmou-se naquele ponto que a superfície plana do corpo celeste (marco) torna- se mais saliente em função do trajetor (tormenta). Em segundo plano, ficam a forma esférica (domínio da geometria) e outros componentes, como sua relação com outros corpos celestes (astronomia). O aspecto da perspectivação conceitual envolvido é a saliência ou ainda, a designação de uma zona ativa.

O mesmo fenômeno se passa no exemplo abaixo, empregado anteriormente para explicar a noção de ‘inclusão parcial’.

(107) (82) Quartiero seguiu na carroceria de uma caminhonete. (JB – 17.05.2008)

Nesse caso, o trajetor (o homem) apoia-se numa parte da parede interna do marco (carroceria), que tem propriedades geométricas de um contentor aberto. Além de estar incluído na carroceria, Quartiero está em contato com seu limite interno, que também pode ser sua zona ativa. Por força da recorrência (reforço pragmático) de situações como essa, a forma de um contentor deixa de ser relevante e a preposição passa a ser empregada em situações de ‘contato’.

Alternativamente, pode-se voltar a análise para as inúmeras possíveis experiências que um indivíduo venha a ter com o esquema imagético de CONTENTOR, no que diz respeito à geometria do marco. Sabe-se que os itens de classes fechadas como preposições

não costumam evocar especificidades geométricas tais como a forma (TALMY, 2000). Portanto, considerando a modalidade da inclusão, torna-se possível que em codifique relações de inclusão com contentores totalmente fechados, como um balão, e contentores abertos, que podem variar desde copos até objetos com concavidade mínima, por exemplo, uma saladeira. Nesses casos extremos, a distinção entre ‘inclusão’ e ‘suporte’ é muito tênue, sendo impossível estabelecer, com precisão, o momento em que o trajetor deixa de estar “dentro” do marco e passa a se localizar “sobre” ele.

Em síntese, a proximidade entre esquemas de CONTENTOR e de CONTATO parece ser um bom exemplo de como o significado linguístico é construído com base nas capacidades cognitivas do falante/conceituador e no seu conhecimento de mundo.

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