• Nenhum resultado encontrado

Relacoes semântico-cognitivas no uso da preposição "em" no português do Brasil

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Relacoes semântico-cognitivas no uso da preposição "em" no português do Brasil"

Copied!
317
0
0

Texto

(1)

Aparecida de Araújo Oliveira

Relações semântico-cognitivas no uso da preposição ‘em’

no português do Brasil

Belo Horizonte FALE - UFMG

(2)

Aparecida de Araújo Oliveira

Relações semântico-cognitivas no uso da preposição ‘em’ no

português do Brasil

Pesquisa apresentada à Banca de Defesa de Tese no Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos da Faculdade de Letras de Universidade Federal de Minas Gerais.

Área de Concentração: Linguística

Linha de Pesquisa: Estudos da Inter-relação entre Linguagem, Cognição e Cultura.

Nível: Doutorado

Orientadora: Dra. Heliana Ribeiro Mello (UFMG)

Belo Horizonte FALE-UFMG

(3)
(4)

Ao Baiano e à Marta

(5)

Agradecimentos

Meus mais sinceros agradecimentos ...

À minha orientadora, Professora Doutora Heliana Ribeiro Mello, por sua confiança e por ter me proporcionado esta rica experiência de aprendizagem e crescimento acadêmico e de amizade, que já caminha para uma década e que espero que continue por outras mais. Ao Professor Augusto Soares da Silva, da Universidade Católica Portuguesa, por seus ensinamentos, críticas e incentivo durante o período que me recebeu para doutorado sanduíche naquela instituição e pela amizade que tem me demonstrado desde então.

Aos membros da Banca de Defesa de Tese, Professora Margarida Salomão, Professora Ana Paula Rocha, Professor Mário Perini e Professor Luiz Francisco Dias, por suas importantes contribuições para o enriquecimento desta pesquisa e pela oportunidade que me concederam para uma enriquecedora discussão teórica.

A todos os professores e funcionários do Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Minas Gerais.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG – e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior – CAPES, pelas bolsas que me concederam em períodos diferentes do curso de doutorado.

Aos alunos do curso de psicologia da FUNEDI-UEMG, de Divinópolis-MG, que foram voluntários no experimento psicolinguístico, e ao meu grande Amigo, Maurício Faria, professor daquela instituição, que intermediou esse contato.

Aos alunos dos cursos de Agronomia e Administração de empresas, da Universidade Federal de Viçosa, do campus Rio Paranaíba, que também participaram como voluntários nesta pesquisa e à Professora Fernanda Alcântara, atualmente na UFV sede, que me incentivou nessa empreitada junto a esses alunos.

Ao amigo, Professor Pedro Ivo Vieira Good God, da UFV, por sua generosidade imensa e por suas soluções práticas e teóricas a respeito dos métodos estatísticos empregados nesta pesquisa.

Ao Professor Alan Jardel e a André Luiz de Souza, que colaboraram comigo nas primeiras experiências com programas estatísticos.

(6)

Ao Professor Anathol Stephanovisch, da Universidade de Bremen, por seus comentários sobre a construção de um corpus delimitado.

Ao Professor Stephan Gries, da Universidade da Califórnia em Santa Barbara, por suas sugestões para o experimento psicolinguístico.

A Jackeline de Oliveira Souza e a Bruno Luiz Soares por sua indispensável ajuda na limpeza dos textos em HTML e na transcrição das entrevistas.

Um agradecimento caloroso a Rosália, Maria Marlene, Ângela, Roseni, Maria Ângela, Marilene, Cirene, Flávia, Fernanda, por me fazerem acreditar em meus objetivos e por me ajudarem a lidar com as perdas pelo caminho.

A esses e a toda minha família querida, que nunca desistiram de mim, mesmo eu praticamente os tendo abandonado durante esses anos de estudo.

A todos que eu não menciono aqui, por puro cansaço da memória, mas que estiveram comigo, apoiando e cuidando, ora mais visíveis, ora menos, mas sempre lá.

(7)

O interesse na semântica de preposições por linguistas cognitivos tem propiciado uma rica literatura sobre modelos de rede de polissemia, baseados no conceito de categorias prototípicas. Apesar de sua reconhecida coerência, esses modelos deram origem a críticas não apenas quanto à sua diversidade, mas, em particular, no que concerne a sua presumida natureza cognitiva (SANDRA & RICE, 1995 e CROFT, 1998), notadamente o grau de compatibilidade entre a visão do pesquisador e a do falante leigo. Inspirada por este último questionamento, esta tese apresenta uma análise semântico-cognitiva da polissemia da preposição em do português do Brasil, utilizando dois métodos empíricos: uma análise introspectiva baseada em um corpus de 1,2 milhão de palavras de textos jornalísticos e um experimento psicolinguístico com universitários não-treinados, falantes nativos do português do Brasil. Para explicar a polissemia dessa preposição, adotou-se especialmente o modelo teórico de linguagem baseado no uso e a noção de conceitualização (LANGACKER, 1987), a proposta da linguagem corporificada, em especial, esquemas imagéticos (JOHNSON, 1987), a noção de metáforas conceituais (LAKOFF & JOHNSON, 1980), a semântica de classes fechadas (TALMY, 2000) e funções relacionais envolvidas na semântica de preposições espaciais (VANDELOISE, 1991). O estudo explorou o aspecto cognitivo da proposta teórica em duas etapas: primeiramente, buscou-se explorar os processos cognitivos envolvidos na interpretação de usos sincrônicos da preposição e na ligação entre os mesmos, seguindo o modelo de rede esquemática (LANGACKER, 2008, 1987), que prevê relações de esquematização/instanciação e de sancionamento por extensão. A análise de 2813 ocorrências no corpus revelou dois sentidos esquemáticos para a preposição em, derivados do esquema imagético de contentor: localização e especificação. O primeiro é instanciado em vinte e duas categorias e subcategorias, que representam 86,78% dos usos, sendo oito pertencentes ao domínio espacial, três, ao temporal, e onze a outros domínios concretos e abstratos. O segundo aparece elaborado em nove subcategorias de especificação diversa, também de domínios concretos e abstratos, que emergem de efeitos funcionais de controle e de suporte. A maior parte da variação em contextos espaciais pôde ser explicada pela perspectivação conceitual e pela relação funcional Contentor/objeto contido. Os demais usos foram interpretados por meio de processos metafóricos e metonímicos. Na segunda etapa da pesquisa, 48 frases representando categorias obtidas na análise do corpus foram submetidas à avaliação de falantes não-treinados para serem agrupados por semelhança percebida. Cada informante também participou de uma entrevista após a tarefa de classificação, na qual descreveu as estratégias empregadas na sua execução. Utilizando os métodos estatísticos de hierarquia de agrupamentos e Tocher, de análise multidimensional, verificou-se um isomorfismo fraco entre a rede proposta pela pesquisadora e a avaliação dos participantes. Eles perceberam a estrutura relacional da rede e identificaram algumas das categorias menores previstas na análise de corpus, em um total de sete conjuntos de usos. A estrutura relacional da rede se manifesta, por exemplo, na associação de usos locativos e não-locativos em um grupo maior de usos metafóricos, de usos espaciais e não-espaciais em um grupo de localização e vários tipos de especificação (forma, cor, material, especificação abstrata) em uma categoria única mais ampla. Além disso, os sujeitos formaram grupos grandes e pequenos com diferentes índices de coesão interna, o que confirma a granularidade característica dessas redes, ainda que em menor escala, e a coerência das ligações entre as categorias semânticas.

(8)

Abstract

The great interest in the semantics of prepositions by cognitive linguists has allowed for the emergence of a wealth of network models of polysemy based on prototype theory. Despite their acknowledged coherence, these models have given rise to criticism on both their diversity and, particularly, the presumed cognitive nature of these explanations (SANDRA & RICE, 1995 e CROFT, 1998), notably the degree of compatibility between the linguist’s view and that of the non-informed native speaker. Inspired by the latter, in this dissertation we present a semantic description of the polysemy of the Brazilian-Portuguese preposition em, by using two empirical methods: introspective analysis of a 1.2-million-word corpus of journalistic texts and a psycholinguistic experiment involving untrained university undergraduates, all native speakers of Brazilian Portuguese. In order to explain the polysemy of this preposition, we adopted Ronald Langacker’s (1987) usage-based model of language and his concept of construal, Mark Johnson’s (1987) proposal of embodied cognition, mainly, his ideas about image schemata, George Lakoff & Mark Johnson’s (1980) theory of conceptual metaphor, Leonard Talmy’s (2000) closed-class semantics, and Claude Vandeloise’s (1991) study of functional relations as determinants of the meaning of spatial prepositions. The cognitive aspect of this theoretical approach was attained in two complementary stages: firstly, by following Langacker’s model of schematic network, we explored the cognitive processes involved in the interpretation of synchronic uses of the preposition, and those responsible for the coherent links obtained between them. This model consists of a structure containing sanctioning and schema/instance relations between the uses. The analysis of 2813 samples from the corpus revealed two highly schematic senses for the preposition em, derived from the CONTAINER schema: location and specification. The first is elaborated in twenty-two categories and subcategories, representing 86.78% of the uses, eight of them belonging to space domain, three, to time domain, and the remaining eleven, to various other concrete and abstract domains. As a result of the functional effects of control and support, nine categories were found to instantiate the latter sense of specification, also in various concrete and abstract domains. Most of the variation obtained in spatial contexts could be explained by construal effects and the Container/contained functional relation. Other uses were interpreted as emerging from metaphorical and metonymic processes. In the second stage of the research, thirty-two subjects were involved in a sorting task, in which they should group forty-eight sentences representing categories obtained in the previous analysis, by using a similarity criterion. This task was followed by individual interviews, in which subjects explained the strategies they used to complete the task. Statistical methods of cluster hierarchy and Tocher multidimensional analysis revealed a weak isomorphism between the network proposed by the researcher and the informants’ evaluation, i.e., they perceived its relational structure and distinguished some of the categories predicted from the corpus analysis, producing seven sets of uses. The relational structure of the network could be seen, for instance, in the association of locative and non-locative uses in a large group of metaphorical uses, of spatial and non-spatial uses in a schematic location category, and of various types of specification (shape, color, material, abstract specification) in a single larger set. Besides, subjects formed large and small groups with differing levels of internal cohesion, which corroborates the typical granularity of these networks, even if obtained on a smaller scale, and the coherent relations between the semantic categories.

(9)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO... 6

1.1. Objeto de estudo e problematização... 6

1.2. Objetivos... 12

1.3. Justificando a pesquisa... 13

1.4. Resumo do capítulo e organização do texto... 18

PARTE I – DISCUSSÃO TEÓRICA 21 2. SEMÂNTICA E COGNIÇÃO... 21

2.1. Corporeidade e cognição... 22

2.1.1. Capacidades cognitivas a serviço da linguagem... 23

2.1.1.1. A Simbolização e o sistema lingüístico... 23

2.1.1.2. Esquematização... 25

2.1.1.3. Comparação... 29

2.1.1.4. Categorização... 31

2.2. Conceitualização e linguagem... 34

2.2.1. Definindo a categoria 'preposição'... 36

2.3. Comentários finais sobre o capítulo... 40

3. COGNIÇÃO ESPACIAL E A LINGUAGEM... 41

3.1. Conceitos topológics e geométricos e a semântica das preposições... 44

3.2. O conceito de ‘localização’... 48

3.3. Limites no emprego de em como ‘localização’... 50

3.4. Assimetria conceitual na relação trajetor-marco... 52

3.5. Efeitos funcionais envolvidos na construção de cenas espaciais... 55

(10)

4. POLISSEMIA E COGNIÇÃO... 63

4.1. Rede de polissemia... 64

4.2. O surgimento de um novo uso... 67

4.2.1. Esquemas imagéticos e extensões de sentido... 68

4.2.2. Metáforas conceituais e polissemia... 71

4.2.3. Metonímia e a polissemia... 74

4.3. Comentários finais sobre o capítulo... 77

PARTE II – ASPECTOS METODOLÓGICOS E ANÁLISES 78 5. METODOLOGIA – FASE I - Pesquisa de corpora... 80

5.1. Definindo a população... 80

5.2. Coleta e preparação dos dados... 81

5.3. Organização hierárquica do corpus... 82

5.4. Listagem dos usos... 84

5.5. Procedimentos de análise... 86

5.5.1. Critérios para distinção entre usos... 87

5.5.3. Metodologia para determinação dos esquemas sancionadores... 89

5.5.4. Sentidos esquemáticos... 90

5.6. Comentários finais sobre o capítulo... 90

6. ANÁLISE DE OCORRÊNCIAS DO CORPUS... 92

6.1. Usos espaciais de em... 94

6.1.1. Inclusão... 94

6.1.1.1. Inclusão em um meio... 97

6.1.1.2 Inclusão de um trajetor vazio em um meio... 98

6.1.2. Localização simples ou inespecífica... 100

6.1.3. Contato... 102

6.1.4. Proximidade/adjacência... 108

6.1.5. Localização pontual... 109

6.1.6. Localização no alvo de um movimento... 110

6.2. Localização no tempo... 114

6.2.1. Localização no interior de um intervalo de tempo... 115

(11)

6.2.3. Localização no final de um intervalo de tempo... 118

6.3. Localização em outros domínios... 119

6.3.1. Localização metafórica não-específica... 120

6.3.2. Localização em grupos... 122

6.3.3. Atividades e eventos... 123

6.3.4. Estados e situações... 126

6.3.5. Palavras como contentores... 128

6.3.6. Mudanças... 129

6.3.7. Alvo movimento metafórico... 132

6.3.8. Alvo paciente de ação metafórica... 133

6.3.9. Finalidade... 134

6.3.10. Alvo de atividade cognitiva... 134

6.4. Afastamento do conceito de localização... 136

6.4.1. Especificação... 137

6.4.2. Forma... 138

6.4.3. Meio ou instrumento... 142

6.4.4. Material... 143

6.4.5. Cor... 144

6.4.5. Suporte metafórico... 145

6.5. Conclusão da análise de corpus... 146

7. METODOLOGIA – FASE II - VERIFICANDO O STATUS COGNITIVO DA REDE... 151

7.1. O experimento psicolingüístico... 155

7.1.1. Objetivos, lógica e hipóteses... 155

7.1.2. Participantes e método... 156

7.1.3. Sobre o conteúdo das frases... 158

7.1.4. Tratamento dos dados... 158

8. EXPERIMENTO – RESULTADOS E DISCUSSÃO... 162

8.1. Análise... 162

8.1.1. A coerência das categorizações... 162

8.1.2. Níveis de granularidade... 167

8.1.3. A estrutura relacional... 170

(12)

8.3. Comentários finais sobre o capítulo... 174

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS E HORIZONTES DE PESQUISA... 176

Referências... 179

Anexo I – Ocorrências no corpus... 188

Anexo II – Acordo de participação... 304

(13)

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Esquema imagético: movimento para o interior de um CONTENTOR... 27

Figura 2: Esquema imagético de CONTATO... 28

Figura 3: Estrutura semântica de uma preposição... 38

Figura 4: Há um canudo no copo... 51

Figura 5: Tinha o olhar no copo... 51

Figura 6: A água está fora/perto do copo... 51

Figura 7: O princípio gestáltico da alternância entre figura e fundo... 52

Figura 8: O contexto como referência para a figura... 54

Figura 9: Inclusão parcial... 58

Figura 10: Elemento funcional percebido na relação de ‘contenção’... 59

Figura 11: A pêra está sob a/debaixo da queijeira... 59

Figura 12: Uma lâmpada ou uma garrafa?... 60

Figura 13: Rede esquemática... 66

Figura 14: Sancionamento de um novo uso... 68

Figura 15: Completamento do marco na conceitualização... 99

Figura 16: Rede esquemática de usos espaciais e metafóricos da preposição em... 150

Figura 17: Instruções dadas aos participantes do experimento... 157

Figura 18: Dendograma produzido Método Ward de agrupamento, dos níveis de semelhança atribuídos a diversos usos de em... 164

Figura 19: Representação 3D dos grupos de frases formados pelo método de otimização Tocher... 172

Tabela 1: Assimetria no alinhamento trajetor-marco... 53

Tabela 2: Estrutura temática do córpus, com a contagem de palavras por fonte... 83

Tabela 3: Frequência de em e suas variantes formais no córpus... 85

Tabela 4: Categorias semânticas obtidas no córpus e respectivas frequências de ocorrência 93 Tabela 5: Formação dos agrupamentos pelo método Tocher... 166

(14)

1. INTRODUÇÃO

1.1. Objeto de estudo e problematização

A pesquisa cujo relato ora se inicia emerge do interesse amplo em se conhecerem as bases cognitivas que motivam a semântica de preposições em geral e de um interesse particular na semântica daquelas de sentido mais abstrato1, como em do português contemporâneo do Brasil (ou simplesmente português do Brasil). Mais especificamente, buscam-se os significados de relações evocadas por essa preposição e as possíveis conexões entre tais significados. Tendo como referência teórica a Semântica Cognitiva, considera-se que a estrutura semântica de palavras como em pode ser descrita como uma rede polissêmica, com sentidos esquemáticos e prototípicos (LANGACKER, 1987, 1991), da qual fazem parte usos nos domínios espacial, da percepção sensorial e abstratos, tais como o tempo e os estados emocionais, entre outros. Argumenta-se que tanto os usos em domínios conceituais variados quanto as interligações entre eles são cognitivamente motivados.

Como palavras relacionais (ver seção 2.2.1), as preposições possuem, em sua estrutura semântica, informações esquemáticas sobre os elementos que elas relacionam, usualmente sintagmas nominais ou formas nominalizadas, que aqui se denominam trajetor e marco. Além disso, a semântica das preposições comporta uma relação específica, que pode ser um esquema, isto é, um padrão abstrato contendo noções topológicas, geométricas ou, bem menos comumente, sobre formas de movimentos ou de regiões. Comparada a outros integrantes da categoria, a preposição em é particularmente abundante no português

(15)

do Brasil e frequentemente evoca um conteúdo convencionalizado muito abstrato, qual seja uma vaga noção [topológica] de ‘localização’ (por exemplo, NEVES, 2000. p. 670-80), embora esse sentido não se aplique a todos os usos dessa palavra.

Praticamente toda a especificidade da estrutura semântica de em resulta do contexto, isto é, das possíveis conceitualizações que emergem do domínio em que a cena se realiza e que é evocado por outras palavras colocadas com a preposição. Na elaboração do significado, o contexto – com suas dimensões física, cultural, social e linguística (LANGACKER, 2008. p. 464) determina os aspectos mais salientes “do domínio não-discreto de aplicação semântica” (SILVA, 2006. p. 80) da preposição. A especificação a que se refere aqui engloba esquemas conceituais abstraídos de configurações espaciais, os quais incluem propriedades geométricas de entidades, efeitos funcionais da configuração espacial (VANDELOISE, 1991) e a designação de uma zona ativa (LANGACKER, 1987. p. 271-4).

Vandeloise (1991. p. 217 e 227-8), que adota uma posição monossemista com relação à semântica das preposições espaciais, postula que noções geométricas e mesmo topológicas não são suficientes para descrever o sentido desses itens linguísticos. Para explicar as possibilidades e limites no uso das preposições espaciais da língua francesa, ele propõe que os objetos se encontram em relações funcionais no espaço, as quais ele busca descrever por meio de regras.

(16)

não-canônicos, isto é, não totalmente fechados, contendo objetos que apenas parcialmente se localizam em seu interior. Observem-se seus exemplos, na página 217: Le fil est dans la pince (O fio está no alicate) versus #Le fil est dans la pince à linge (#A corda de varal está no prendedor de roupa). O uso de dans soa natural apenas no primeiro caso porque o alicate tem a função de prender, ou seja, controlar o fio, ao passo que, no segundo exemplo, o prendedor de roupas está pendurado na corda do varal, mas não a controla. Vandeloise propõe, então, que é a não-conformidade com o efeito de controle da Relação Funcional C/c que torna inviável o uso de dans no segundo exemplo, embora a configuração espacial seja semelhante nas duas situações.

O enunciado (1) abaixo é um uso autêntico do português do Brasil, no qual a noção de ‘controle’ está envolvida no emprego da preposição em.

(1) Não me saía da cabeça a imagem do autor dos disparos, (...), sorrindo com um fuzil nas mãos ao celebrar a chegada de 2008. (Estadão – 01.5.2008) 2

As mãos do atirador seguram um objeto de dimensões maiores, o fuzil, e, ainda assim, “controlam” sua posição. Em outras palavras, o fuzil não está totalmente incluído nas mãos do atirador, mas ainda assim, diz-se que está “em suas mãos”. A análise proposta nesta tese não adota radicalmente a posição de Vandeloise, mas considera que relações

(17)

dessa ordem explicam certos limites no uso da preposição em que recebem uma descrição mais pormenorizada na seção 3.5.

Já a conceitualização da cena descrita em (2) representa um caso de zona ativa, como definida por Langacker (1987. p. 272-4).

(2) Assim pode ser descrita a tormenta monstro que por semanas foi registrada

no planeta Saturno.i

Considerando que o significado de uma forma linguística corresponde a um conjunto de informações (sua base conceitual) do qual um aspecto é mais frequentemente evocado, muitas vezes ocorre de outra característica ser salientada em certo uso. Muito comumente, o sintagma nominal “planeta Saturno” designa um corpo celeste tridimensional esférico, circundado por anéis, de tamanho comparável ao de certo número de outros corpos celestes que compõem nosso Sistema Solar. Contudo, esse uso em particular salienta a superfície plana do planeta (onde ocorrem as tempestades) e não exatamente sua forma e localização no espaço. Diz-se, nesse caso, que a superfície é sua zona ativa atual.

Portanto, como forma de compreender a polissemia dessa preposição, são consideradas as contribuições dos diversos itens lexicais disponíveis no cotexto, em qualquer domínio conceitual. Além disso, são analisados os efeitos da chamada

perspectivação conceitual ou construal (LANGACKER, 1987, 2001, 2008) no significado

(18)

Em pode desconcertar o linguista porque pode ocorrer em contextos ainda mais variados que os que se vêem a seguir. Além disso, cada um desses casos pode ser considerado um uso convencionalizado da preposição (polissemia) ou nuances contextuais distintas de um mesmo sentido (vagueza/monossemia), dependendo do ponto de vista teórico (GEERAERTS, 1993).

(3) A água é colocada no tanque e um gerador transforma o hidrogênio que retira da água em energia. (Estado de Minas – 06.08.2008)

(4) A recomendação para o teste genético também vai ser impressa nas caixas dos remédios. (JB – 25.07.2008)

(5) Ele mantém o olhar no copo. ii

(6) O DEM oficializou nesta quinta-feira, 19, a candidatura do deputado ACM Neto a prefeito de Salvador. (Estadão – 21.06.2008)

(7) Além de projetos e programas de apoio voltados ao desenvolvimento social, o Plano prevê investimentos em outras três áreas prioritárias. (JB – 21.06.2008)

(8) A seção internacional do Japan Times trazia uma enorme foto em preto e branco de uma favela de Recife. (Estadão – 01.05.2008)

(9) É graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. (Estado de Minas – 03.08.2008)

(19)

preposição em no domínio espacial, quando seu complemento designa um objeto tridimensional, com um espaço interior. Nenhum deles, contudo, evoca a noção estática de ‘inclusão’. As três cenas relacionam-se, respectivamente, à ideia de ‘movimento para dentro de um contentor’ (3), ‘contato’ com uma ‘superfície’ (4) e um ‘trajeto virtual’ percorrido pelo olhar 3 (5). Esses exemplos mostram que nem sempre as propriedades geométricas do referente do complemento são suficientes ou adequadas para definir as noções espaciais percebidas. Estão em jogo a maior saliência atribuída a uma das facetas do objeto “copo” – sua zona ativa – e a construção de um movimento virtual ou fictive motion do tipo “linha de visão” (TALMY, 2000. p. 110-1).

Processos metafóricos e metonímicos estão envolvidos nos usos (6) a (9), com mapeamentos do espaço para o tempo e para outros domínios. Esses mapeamentos derivam da estrutura (elementos dispostos em certa ordem) e da lógica de esquemas – ou representações mentais – que se formam no domínio espacial, a partir da recorrência de experiências semelhantes.

O exemplo (6) é um caso de localização em um ponto do tempo, que se origina da noção de localização pontual no espaço. Como no exemplo (5), (7) também representa um caso de movimento virtual em direção a um alvo, cujo trajeto faz parte da semântica de “investimento”. A construção com em introduz a localização no final desse trajeto, as “áreas prioritárias”, que são conceitualizadas como objetos. Através da noção de metáfora conceitual, propõe-se a existência de um mapeamento de aspectos do esquema de TRAJETO

3

(20)

encontrado em (3) para o exemplo (7). Por outro lado, o significado dos dois últimos enunciados envolve processos metafóricos e efeitos funcionais de esquemas imagéticos. A expressão “em preto e branco” em (8) restringe a categoria “foto” a um tipo específico. Tal restrição teria origem metaforicamente no efeito funcional de ‘controle’ que emerge de uma cena espacial de inclusão, em que o contentor controla o objeto em seu interior. Um processo semelhante se dá em (9). Nesse enunciado, o controle se manifestaria na especificação da área de conhecimento – psicologia – do curso realizado.

Em suma, esses exemplos fazem parte de uma só categoria semântica complexa, dotada de sistematicidade interna, a qual se pretende explicar apresentando-se razões cognitivas.

1.2. Objetivos

Em face da problematização apresentada, este estudo visa a uma descrição semântico-cognitiva da preposição em, no português contemporâneo do Brasil, partindo do pressuposto que em representa uma categoria formada como uma rede esquemática. Pretende-se construir um diagrama que mostre sentidos esquemáticos com características presentes em outros usos, esquemas sancionadores (ou seja, que dão origem a outros) e usos prototípicos (que aparecem com maior frequência na rede), além dos processos que motivam as diferentes extensões de usos. Além disso, pretende-se confrontar a rede proposta com a visão que falantes leigos do português do Brasil têm sobre a polissemia de em. Alcançar esses objetivos implica responder às perguntas propostas a seguir:

(21)

ii. Que processos cognitivos e funcionais estão envolvidos na compreensão desses usos?

iii. Como esses esquemas dão origem a usos em outros domínios?

iv. Existe algum uso que represente o protótipo (o mais típico na rede) ligado a outros por semelhança familiar 4?

v. Existe um esquema totalmente compatível com algum ou todos ou outros usos descritos?

vi. Até que ponto outros falantes nativos do português brasileiro percebem semelhanças e diferenças entre usos da preposição?

1.3. Justificando a pesquisa

A primeira motivação para uma pesquisa dessa natureza vem do autor do modelo de teoria linguística adotado nesta investigação. Langacker (2000a. p.90) defende a ideia de que “é possível haver uma explicação coerente [sobre a linguagem], na qual cada elemento componente tem um significado (na verdade, um significado relacionado àqueles que ele mostra em outros usos), e cada construção gramatical se reduz a uma configuração de

4

(22)

estruturas simbólicas” 5. Foi considerando essa possibilidade que se decidiu buscar uma motivação semântica de natureza cognitiva para os usos da preposição em.

O tipo de semântica a que Langacker se refere, e que aqui se assume, baseia-se em conceitos que emergem da experiência. Esses conceitos formam um contínuo estruturado, com diferentes graus de abstração e de complexidade, no qual não se observam fronteiras claras entre o significado do léxico e o da gramática.

A preposição of, investigada por Langacker naquele artigo, e uma série de outras, como o em do português do Brasil, foram, por muito tempo, apresentadas como exemplos típicos de marcadores gramaticais desprovidos de conteúdo semântico. Tal situação é fruto das ideias que marcaram um longo período do século XX (o apogeu do estruturalismo e do gerativismo), que privilegiou o estudo da forma e, por isso, caracterizou-se por “uma notável negligência de assuntos de conteúdo e de contexto” (SALOMÃO, 1990. p. 1).

Como evidência dessa visão, a maior parte das pesquisas anteriores sobre preposições da língua portuguesa, desenvolvidas dentro de outras linhas, trata das preposições ditas essenciais como um todo ou de preposições individuais, geralmente sob uma perspectiva morfológica ou sintática. A maioria dessas investigações encaixa-se na corrente gerativista (CENTOLA, 1972, SILVEIRA, 1951) ou normativo-prescritiva (CEGALLA, 1994; LIMA, 1984; SACCONI, 1980; FARACO & MOURA, 1988), ou ainda, estruturalista (CARONE, 1988). Mais próximo da proposta teórica adotada nesta tese, Pontes (1992) descreve a relação entre a expressão do espaço e do tempo no português por meio de diferentes classes de palavras, incluindo as preposições.

(23)

À exceção do inventário semântico-lexical (BERG, 2005), sobre um grande grupo de preposições do português, baseado na Teoria dos Papéis Temáticos, e investigações sobre gramaticalização de preposições (CASTILHO, 2002), de modo geral, não existe um corpo coeso de estudos sobre o sentido das preposições. Além disso, parece ser consenso, na maioria dos trabalhos, que determinadas preposições não são portadoras de sentido em alguns ambientes específicos.

(24)

envolvendo a língua portuguesa, não apenas pelo aporte teórico adotado, como pelo compromisso assumido com a investigação da língua em uso.

Ainda sobre o português do Brasil, entre as pesquisas de cunho semântico, o importante trabalho descritivo Neves (2000) apresenta uma lista de categorias de uso para as preposições, levando em conta seu comportamento semântico e sintático. Em termos explicativos, Poggio (2002), no quadro funcionalista, trata do processo de gramaticalização de preposições da língua portuguesa desde o latim. Mesmo sendo inspiradores, esses trabalhos não oferecem uma explicação cognitiva sincrônica para os usos das preposições.

Como se sabe, muitos doselos motivadores de extensão semântica podem não ser transparentes no uso atual da língua e podem ser irresgatáveis, como admite, por exemplo, Langacker (1987. p.118). Contudo, Heine (1997. p. 19) considera que a dificuldade (do falante nativo e do linguista histórico) em encontrar a motivação adequada para alguns usos representa, temporariamente, “uma lacuna em nosso conhecimento que ainda está por ser preenchida” 6. Em outras palavras, tal dificuldade não deve ser encarada como sinônima de arbitrariedade.

Na verdade, os falantes leigos parecem ter encontrado um modo próprio de solucionar essa questão. Eles realmente possuem intuições sobre o percurso das mudanças linguísticas – as quais Desagulier (2005. p. 32-5) denomina “sensibilidade histórica dos falantes nativos” (sensibilité historique des locuteurs autochtones). Para vários linguistas cognitivos, esse fenômeno, também chamado “etimologia popular” (folk etymology) é um

(25)

fato psicolinguístico que não pode ser desprezado. Esse tema é abordado por Lakoff (1987. p. 452) com respeito às estratégias que os falantes utilizam para a interpretação de expressões idiomáticas. Ele considera tais “teorias populares” um “fato psicológico notável”, apesar de serem totalmente espontâneas e sem base científica. E lembra-nos ainda da necessidade que as pessoas têm de criar elos de motivação para compreender significados “arbitrários” 7 e, também, de que elas “funcionam melhor quando têm mais informação que dá sentido ao que parece ser aleatório” 8.

Esse tipo de estratégia certamente se aplica à compreensão e ao uso de outras classes linguísticas, entre elas, as preposições. A partir daí, procurou-se associar as explicações cognitivas da pesquisadora para usos da preposição em às intuições que os falantes nativos revelam sobre a ligação entre tais usos. Esta comparação constitui o ponto central desta tese.

Em vista desse cenário, acredita-se que a atual proposta de pesquisa possa trazer novas informações sobre a semântica da língua portuguesa, somando-se a outros trabalhos nesta área já desenvolvidos no Brasil. Também se considera relevante aplicar uma perspectiva teórica, cuja existência é das mais recentes, a um idioma distinto daquele de seus proponentes, como comprovam os vários estudos sobre a mesma preposição over do inglês (além de BRUGMAN, 1981; LAKOFF, 1987; DEANE, 1992; DEWELL, 1994;

7 A arbitrariedade só parece existir porque as origens de algumas expressões idiomáticas ainda não puderam

ser resgatadas.

8

(26)

KREITZER, 1997 e TYLER & EVANS, 2003), também, sobre in e on9 (TYLER & EVANS, 2003; VANDELOISE, 1994; GOUGENHEIM, 1959; CLARK, 1973; BENNETT, 1975; MILLER & JOHNSON-LAIRD, 1976; HERSKOVITS, 1982; EVANS & TYLER, 2004). Finalmente, o uso de córpus e de dados experimentais contribui, também, para a solidificação dessa vertente teórica baseada no uso, que pleiteia para si a qualidade de “psicologicamente plausível”.

1.4. Resumo do capítulo e organização do texto

Neste capítulo foi introduzida a proposta desta investigação, fazendo-se uma breve descrição do objeto e do problema de pesquisa, bem como do quadro teórico em que ela ocorre. Foram nomeados os teóricos da Linguística Cognitiva cujo trabalho é mais relevante para a pesquisa.

Também se procurou dar um primeiro esclarecimento sobre o que vem a ser uma descrição semântico-cognitiva de uma preposição. Por meio de exemplos explicativos, foram destacados alguns conceitos chave ligados à conceitualização. Além disso, foi delineado o cenário das pesquisas sobre preposições no Brasil e no exterior, no qual se verifica uma carência de estudos em língua portuguesa nesta linha teórica.

Do final desta introdução em diante, este texto se organiza em duas grandes seções. A PARTE I, que apresenta uma discussão teórica sobre aspectos da Linguística Cognitiva relevantes para a tese, engloba os capítulos 2, 3 e 4. O Cap. 2 discorre sobre alguns fundamentos da Semântica Cognitiva, dando destaque especial ao significado

(27)

corporificado. Discute-se a emergência de conceitos a partir da experiência sensório-motora e ainda o papel das capacidades cognitivas nesse processo. Essa seção inclui também uma descrição mais aprofundada do objeto de estudo baseada no papel da Gestalt na conceitualização e na convenção linguística.

No Cap. 3 tem-se uma incursão no funcionamento da linguagem como espelho de relações espaciais. Ali se introduzem construtos que funcionarão como ferramentas de análise, tais como noções topológicas, geométricas e funcionais. Particularmente, retoma-se o tema do princípio gestáltico da assimetria figura-fundo para a expressão linguística de relações espaciais que estão interligadas com aspectos do funcionamento das entidades no mundo.

Encerrando a PARTE I do texto, a polissemia é o tema do Cap. 4, que tem início com uma definição desse termo e uma explicação de sua emergência pela ótica da Gramática Cognitiva. Explica-se como, na visão de R. Langacker, o sancionamento de novos usos para velhas formas ocorre por processo de categorização, o que conduziu a uma descrição da rede esquemática proposta por esse teórico para abrigar os fenômenos envolvidos na motivação cognitiva dos usos diferenciados de uma mesma forma. Por fim, mostra-se o funcionamento de esquemas imagéticos e mapeamentos metafóricos na polissemia.

(28)

também são definidos os critérios para a descrição semântica das categorias encontradas no uso.

O Cap. 6 apresenta a análise das ocorrências no córpus. Inicia-se pelo domínio espacial e envereda-se pelos processos de conceitualização sancionadores de novos usos da preposição em no domínio temporal e em outros usos metafóricos. A seção inclui ainda um mapa da polissemia de em, seguindo o modelo de rede esquemática de Langacker (1987). O gráfico é um resumo das categorias semânticas obtidas através da introspecção da pesquisadora.

No Cap. 7, descreve-se a metodologia empregada no experimento psicolinguístico com falantes nativos. Sua seção inicial apresenta uma justificativa teórica para a realização dessa etapa da pesquisa. A seguir, são descritos os procedimentos estatísticos utilizados na análise dos grupos de semelhança formados com base nas categorias obtidas na seção 6.

A análise do experimento é feita no Cap. 8. Essa seção do texto apresenta os gráficos gerados com o programa GENES, pelos métodos Ward de hierarquia de agrupamentos e Tocher de otimização. Apresentam-se os resultados obtidos à luz dos critérios descritos no Cap. 5 para a análise semântica das categorias.

Finalmente, o Cap. 9 contém a conclusão desta tese, na qual são comparados os resultados da aplicação dos dois métodos distintos para análise empírica. Resume-se nessa seção o que se considera ser a polissemia da preposição em dentro de uma perspectiva semântico-cognitiva.

(29)

PARTE I – DISCUSSÃO TEÓRICA

2. SEMÂNTICA E COGNIÇÃO

A Semântica Cognitiva questiona ideias que remetem ao chamado Paradigma Objetivista a respeito da cognição e da linguagem. Uma delas, conhecida como a Metáfora do Tubo ou do Conduto (REDDY, 1979), é a premissa de que as palavras são portadoras de sentido (BLOOMFIELD, 1961) e que esse sentido é estático e constitui-se como categoria fechada. A Semântica Cognitiva apoia-se em duas importantes correntes complementares de pensamento. Sua base epistemológica deriva das visões de Johnson (1987) sobre uma cognição oriunda da experiência (Experiencialismo). Do lado linguístico, segue o modelo de Gramática Cognitiva (LANGACKER, 1987) 10, baseado no uso. Por fim, como resultado da interação entre cognição geral, linguagem e experiência, também existe um forte vínculo entre a Linguística Cognitiva como um todo e a Psicologia da Gestalt, visto que o significado da linguagem se organiza pelos mesmos princípios inerentes à percepção sensorial.

Entre os semanticistas cognitivos, destaca-se, para este trabalho, a obra de Leonard Talmy, o qual contribui com uma longa carreira de estudos sobre fenômenos ligados à conceitualização linguística e sobre a expressão linguística da cognição espacial. De outro lado, George Lakoff, juntamente com Mark Johnson, oferece-nos os fundamentos

(30)

para a compreensão de processos da imaginação, como a metáfora conceitual e a metonímia.

Embora emergindo do mentalismo gerativista, a Semântica Cognitiva é uma nova proposta explicativa para o significado em comparação com a Semântica de Traços e a Lógica de Condições de Verdade. O adjetivo “cognitiva” representa uma visão do significado linguístico como conceitualização ou processamento cognitivo e, da linguagem como parte da cognição geral. Isso implica uma grande mudança no estatuto atribuído à linguagem, como mais uma modalidade da cognição geral, regida por princípios cognitivos gerais. Essa alternativa torna o falante o principal personagem da construção do significado, valorizando suas capacidades cognitivas e, portanto, incluindo os processos de conceitualização na investigação linguística.

2.1. Corporeidade e cognição

A Tese da Corporeidade, proposta por Johnson (1987) e ampliada em Lakoff & Johnson (1999), fornece a base filosófica e psicológica da Linguística Cognitiva. Associada à Tese Simbólica (LANGACKER, 1987 e outros), a Tese da Corporeidade postula que a linguagem é formada por representações de nosso sistema conceitual que se unem a formas lexicais e, ainda, que os conceitos se originam da experiência física (a percepção). Por essa razão, a linguagem é dita corporificada. Essa proposta visa a solucionar o problema de

como as representações são criadas, qual seja como conciliar o princípio objetivista de

(31)

Lakoff & Johnson (1999) refinam a noção kantiana de esquema argumentando que o raciocínio faz uso da experiência sensório-motora e é inseparável das características peculiares de nosso corpo e cérebro. Essa ideia é reforçada em trabalho mais recente, no qual é sugerido que as “estruturas empregadas em perceber e fazer precisam ser tomadas para dar forma a nossos atos de compreender e de conhecer” 11 (JOHNSON, 2005. p.16). Johnson argumenta ainda que o raciocínio envolve processos de imaginação, como vem sendo demonstrado pelas ciências cognitivas.

2.1.1. Capacidades cognitivas a serviço da linguagem

Considerada uma modalidade – ainda que mais sofisticada – da cognição geral (JOHNSON, 1987), a linguagem utiliza e reflete várias habilidades e processos básicos que também são observados na percepção visual e na organização cognitiva global (LANGACKER, 2001, 1987). Nesta seção, explora-se a importância dessas capacidades para a emergência de conceitos a partir de esquemas e para o modelo de categorização adotado na Linguística Cognitiva.

2.1.1.1. A simbolização e o sistema linguístico – Uma importante capacidade cognitiva

geral é a simbolização, pela qual a presença de uma forma evoca no falante um significado e vice-versa. Ela está na origem da Tese Simbólica, o princípio que atribui à linguagem sua natureza semiótica (LANGACKER, 1991), distinta da noção saussuriana de signo principalmente pela dinamicidade do significado e pela atividade cognitiva do sujeito. Outra consequência da capacidade simbólica é se considerar que todo fenômeno linguístico – incluindo a gramática – possui motivação semântica. Isso é possível porque a língua se

(32)

organiza sobre o significado conceitual. De acordo com esse modelo, o falante, em sua constituição física e social, participa da formação de conceitos, por meio da abstração de padrões recorrentes (Modelo bottom-up de língua) e da construção do significado emergente.

Essa e as outras capacidades citadas ao longo deste texto têm um papel importante na concepção de língua apresentada por Langacker (1987. p.73-4 e outros): um inventário

estruturado de unidades convencionais que se distinguem apenas pelo grau de abstração

dos conceitos que evocam. Chamam-se unidades “convencionais” por estarem entrincheiradas – ou estabilizadas – na memória de um grande número de falantes. Como marca da natureza estruturada desse inventário, as unidades normalmente se associam, formando outras mais complexas. As unidades simbólicas propriamente ditas são formadas pelo emparelhamento de um pólo fonológico estabelecido e um pólo semântico estabelecido e a comunicação se dá por meio dessas estruturas que formam a substância essencial e suficiente da língua.

(33)

uma estrutura semântica12. A organização propriamente dita da linguagem também é significativa, como o têm demonstrado a Gramática Cognitiva (LANGACKER, 1987), a Gramática de Construções (GOLDBERG, 1995) e a Gramática Radical de Construções (CROFT, 2001). Ela ocorre por meio de um conjunto limitado de conceitos, codificados por itens de classes fechadas13. Como integrantes desse tipo de categoria, as preposições encontram-se a meio caminho no contínuo de abstração e contribuem para o significado da linguagem por meio desses conceitos mais básicos (TALMY, 2005a. p. 200).

2.1.1.2. Esquematização – Nossa capacidade de abstração ou esquematização

permite-nos perceber padrões recorrentes no uso da língua e, a partir deles, formar esquemas que representam uma categoria ou conceito. Esses esquemas não possuem características de objetos específicos e, portanto, são um tipo de estrutura bem mais abstrata que imagens mentais. Isso acontece por comparação de experiências e seleção de aspectos comuns entre as mesmas. Os esquemas formados são organizados como gestalts e essa capacidade de

estruturação é fundamental para a linguagem.

Numa perspectiva biológica, Langacker (1987. p.100 e 162) explica que cada evento cognitivo deixa traços neuroquímicos que vão se repetindo toda vez que eventos semelhantes ocorrem, gerando um efeito de reforço progressivo. A cada uso, os esquemas vão se acomodando na memória do falante, na forma de rotina estabilizada. Assim ocorre o

12

TAYLOR (2002a) e LANGACKER (2008) oferecem uma explicação bastante clara a respeito de como as classes gramaticais se constituem como estruturas simbólicas, que se encaixam em uma hierarquia de conceitos (esquemas e instâncias).

13

(34)

entrincheiramento ou a aquisição do conhecimento linguístico. Gradativamente, uma dada

estrutura se torna unidade simbólica para o falante.

As estruturas mentais oriundas da experiência sensório-motora constituem um tipo especial a que se denomina esquemas imagéticos. Eles derivam de experiências frequentes no cotidiano e são essenciais na explicação do significado de expressões linguísticas que se referem a circunstâncias espaciais tanto estáticas quanto dinâmicas. Uma definição proposta por Johnson (1987. p. 29) diz que um conceito ou esquema possui um nível básico de especificidade e não se refere a nenhuma instância de uso em particular e, tampouco, apenas à capacidade linguística. Um esquema é um “padrão, forma ou regularidade recorrente em/de nossas atividades contínuas de ordenação [ações, percepções e concepções]” 14.

Uma longa lista desses esquemas é tomada da literatura em Hampe (2005. p.2-3): alguns foram apresentados originalmente por Johnson (1987) e Lakoff (1987) –

CONTENÇÃO/CONTENTOR, PERCURSO/FONTE-PERCURSO-ALVO,

PARTE-TODO –, por Johnson (1987) – CONTATO, SUPERFÍCIE, OBJETO, COLEÇÃO – e outros, por Lakoff (1987) –VERTICALIDADE e FRENTE-VERSO.

A emergência desses esquemas deve-se à constituição do organismo humano, às percepções, aos sentimentos e também às ações do corpo.

Na Linguística Cognitiva, é tradição fornecer representações pictóricas de esquemas imagéticos como estratégia descritiva. Naturalmente, não se postula que essas ilustrações, de caráter didático, correspondam às representações mentais do falante. Como

(35)

parte da interpretação do exemplo a seguir, pressupõe-se uma configuração espacial de movimento para dentro de um CONTENTOR.

(10) Imaginem uma jarra despejando suco num copo.iii

FIGURA 1 – Representação do esquema imagético complexo que inclui um ‘trajeto’ para dentro de

um ‘contentor’: o retângulo menor representa o contentor (copo) e tem seu interior

em foco. A seta representa a orientação do movimento evocado pelo verbo

“despejar”. A entidade que se desloca (suco) aparece como o círculo. Esse esquema é

neutro quanto aos eixos vertical, horizontal e ortogonal.

Nesse exemplo, as noções de ‘alvo do movimento’ e ‘localização no interior de um contentor’ são inferências feitas a partir do verbo, da preposição e do conhecimento enciclopédico do falante a respeito do contexto situacional.

(36)

decorre de padrões percebidos em situações como estar em/dentro de uma sala, observar um objeto no interior de outro etc.

Por sua vez, o esquema de TRAJETO, que também faz parte do exemplo (10), é constituído por um ponto de partida ou origem, um alvo ou ponto final e uma sequência de localizações contíguas ligando os dois extremos. Esse esquema não inclui direção, a qual acaba sendo imposta pelos variados propósitos que as pessoas têm ao seguir um trajeto. O embasamento espacial desse tipo de esquema está em experiências como ir de casa para a escola ou observar um caminho percorrido por uma pedra lançada num lago. Ao final, vai-se de um ponto A para um ponto B e, portanto, vai-segue-vai-se em direção a B.

Outro esquema que também se aplica a certos usos dessa preposição é o de CONTATO com uma superfície, quando duas ou mais entidades se tocam, como na situação descrita em (11). Existe uma noção topológica de ‘contato’ entre a “quadra” e “acampar”. A prototípica configuração bidimensional do marco favorece a emergência desse esquema. Mais que isso, através de seu conhecimento leigo sobre a física do dia-a-dia, o falante compreende o efeito funcional de ‘suporte’ por parte da quadra em relação à atividade, uma consequência muito comum em tal configuração espacial.

(11) Se for preciso, vamos acampar na quadra. (Estado de Minas – 05.08.2008)

FIGURA 2 – Representação do esquema de CONTATO, sem orientação intrínseca, no qual se

(37)

Esses são alguns dos esquemas imagéticos relacionados à semântica da preposição em. Enquanto sua adequação a esses usos e na descrição de outras preposições é incontroversa entre semanticistas cognitivos, existe certa dificuldade em determinar critérios para o emprego do termo imagético (GRADY, 2005). Certos padrões motores, de dor, de emoção, de relações etc., nem sempre permitem a criação de imagens mentais. Johnson (1987. p. 23, e ao longo dessa obra) utiliza o termo amplo – esquema –, sem especificação, para se referir a esquemas ‘imagéticos’ ou ‘corporificados’, o que é razoável em face de sua clara posição a respeito da base corpórea dos mesmos. Nesta tese, o termo “esquema” também é aplicado àqueles imagéticos ou não.

Ressalva-se, porém, que a noção de ‘localização’ não constitui um conceito imagético nos termos descritos acima. Vandeloise (1991), por exemplo, a considera uma relação funcional, tendo em vista que o ser humano naturalmente busca localizar uma entidade em relação a outra. Em suma, a ‘localização’ pode ser considerada um esquema mais abstrato que se realiza imageticamente quando associado a outros elementos, constituindo, assim, instâncias mais específicas, com posição própria na rede esquemática de polissemia da preposição em.

2.1.1.3. Comparação – Como dito acima, a formação de esquemas também requer o

(38)

Por comparação, pode-se também reconhecer que usos distintos de uma mesma palavra são elaborações de um sentido mais abstrato, em um mesmo domínio ou em domínios conceituais diferentes, como apresentado abaixo:

(12) Use um grampo na ponta da linha para facilitar a troca de isca. iv

(13) Os cabos foram levados no cruzamento das ruas do Lavapés e Glicério. (Estado de Minas – 06.08.2008).

(14) No dia 29 de maio, o deputado foi preso por lavagem de dinheiro e

formação de quadrilha. (JB – 21.06.2008)

(15) A fórmula é literalmente cozida na farmácia e embalada em pacotinhos de

plástico. (Estadão – 01.05.2008).

(16) A queda nos termômetros nos últimos dias foi causada por uma massa de ar polar seca. (Estado de Minas – 05.08.2008).

(17) Na década passada houve uma onda de suicídio: 264 em cinco anos.v

(39)

aparece no domínio temporal. Porém, embora a duração varie significativamente, são sempre períodos, conceitualizados com um limite inicial, um limite final e uma região interior, à maneira de um contentor. Finalmente, abstrai-se um padrão mais esquemático de ‘localização’ ao se compararem os seis exemplos juntos (ver seção 3.2). Diz-se que esse conceito é instanciado ou elaborado pelas noções mais específicas, quais sejam, ‘localização pontual’ e ‘localização dentro de um contentor’, ou ainda, que o conceito mais abstrato sanciona os mais específicos (LANGACKER, 1987. p. 68-9; TAYLOR, 2002a. p. 140).

2.1.1.4. Categorização – A esta altura, parece claro que abstrair e comparar fazem parte do

processo da categorização. Essa importante capacidade cognitiva corresponde ao modo como os seres humanos agrupam eventos, ações, emoções, relações espaciais, relações sociais, governos, doenças, teorias etc. de acordo com seu tipo. Isso nos permite funcionar melhor no mundo e sobreviver como espécie (LAKOFF & JOHNSON, 1999. p. 17-9; LAKOFF, 1987. p. 6).

Esse processo pode gerar tipos diferentes de relações entre os membros de uma categoria. A comparação dos enunciados (12) a (17) demonstra um modelo de categorização baseado em esquematicidade (LANGACKER, 1987. p.68 e 74-5), equivalente a uma relação taxonômica, que revela um padrão recorrente de ‘localização’. O grau de compatibilidade entre esse conceito superior mais abstrato e os inferiores – as suas instâncias – pode variar, afetando a estrutura da categoria que se forma: categoria hierárquica (total compatibilidade) ou categoria prototípica (compatibilidade parcial).

(40)

possuem determinadas características comuns a todos. Tais categorias são geralmente compreendidas como “recipientes” abstratos contendo elementos (coisas) que compartilham, pelo menos, uma propriedade comum. Sendo comum a todos, essa propriedade – ou traço – é o padrão que define a categoria (LAKOFF, 1987. p. 6).

Categorias clássicas, usualmente representadas pelo critério binário +/- traço, aplicam-se a relativamente poucas situações. Um exemplo seria o conceito/categoria ‘Senador’. Um indivíduo minimamente informado sobre a vida política do Brasil não teria dúvidas em dizer que os senhores Eduardo Suplicy e Pedro Simon pertencem a essa categoria, tendo em vista a função que desempenham no Senado, o processo eleitoral pelo qual passaram, o período de duração de seu mandato etc.

Contudo, na maioria das vezes, pertencer ou não a uma categoria é uma questão menos nítida, principalmente porque a categorização envolve impressões individuais e, principalmente, culturais. A cultura representa um componente de peso na construção das categorias que seguem um padrão prototípico. Estudos de base psicológica e antropológica, tais como os de Wittgenstein (1953, sobre categorias de jogos), Berlin & Kay (1969, sobre a denominação básica para cores), e Eleanor Rosch (197815 apud SILVA, 2006. p. 298, sobre a categorização) demonstraram que uma categoria natural inclui um ou mais elementos com representatividade central, denominado protótipo, e outros mais periféricos. Portanto, pertencer ou não a uma dada categoria é uma questão de gradação e resulta de princípios como semelhança de família, os quais são estabelecidos culturalmente.

(41)

Como exemplo de categoria prototípica, tomem-se algumas situações bastante diversas, que, no entanto, parecem estar relacionadas: um trem viajando de Belo Horizonte a Vitória, dunas que lentamente avançam sobre uma cidade, um globo que gira em torno de si mesmo, um olhar colocado sobre alguém do outro lado de uma sala, uma pedra de gelo que se transforma em uma pequena poça d’água. Apesar da diferença de velocidade do movimento ocorrido, o primeiro e o segundo exemplos parecem ser mais claramente identificáveis com a ideia de um trajeto que vai de uma origem a um alvo. O terceiro implica outra forma de movimento, em que os marcos inicial e final se localizam no mesmo ponto em um mesmo objeto e, portanto, tecnicamente, o deslocamento final é igual a zero. Menos claro é o trajeto virtual descrito pelo olhar, que por si, é fruto da ação voluntária e da atividade sensorial de um agente estático. Finalmente, um falante leigo sobre conhecimentos linguísticos certamente não associaria, de imediato, a mudança de estado físico a um esquema de TRAJETO.

Nesses casos, o conceito ‘movimento’ é uma categoria com vários membros, na qual alguns parecem ser exemplos mais característicos que outros. Tomando-se uma propriedade básica do movimento na Física – o deslocamento físico ao longo de um eixo – percebe-se que esta não está presente em todos os membros que aparecem acima.

(42)

esquemático16 a todos os usos ou pelo menos aos dois primeiros. O movimento rotatório do globo só é detectado – e caracterizado como tal – quando o conceituador percebe haver uma distância entre os dois momentos em que um dado ponto no mapa-múndi passa a sua frente ou, talvez, pelas faixas coloridas formadas pela distorção dos mapas dos países. Os demais envolvem o que Langacker (1987. p.168-71) descreve como movimento abstrato em domínios diferentes, nos quais já não se faz referência a um trajeto físico, isto é, o processo metafórico já se perdeu para o leigo.

Na Linguística Cognitiva (por exemplo, LANGACKER, 1987. p.69), e consequentemente neste texto, as categorias linguísticas são entendidas como pertencentes a este último tipo, isto é, possuindo membros mais prototípicos (aqueles que evocam mais diretamente o esquema da categoria) e menos prototípicos (incluídos na categoria por associação indireta ou por determinada semelhança). Em se tratando do significado linguístico, os conceitos associados às formas linguísticas são, na verdade, princípios de categorização entrincheirados, que permitem identificar um evento cognitivo novo como instância ou membro de uma classe (TAYLOR, 2002a. p. 43).

2.2. Conceitualização e linguagem

Compreender a mente corporificada e a cognição como fruto da experiência resulta em uma maneira diferente de conceber o conhecimento linguístico. Uma visão tradicional, adotada na Semântica Composicional ou Fregeana, por exemplo, afirma que o falante domina uma lista de significados atrelados a formas linguísticas, como em um

(43)

dicionário. Porém, descrever a maneira como isso ocorre representa um problema, dada a infinidade de conceitos a serem armazenados. Trata-se da questão da subespecificação do significado linguístico: como uma palavra pode “conter” todos os significados que lhe são atribuídos nas incontáveis situações de uso?

Mas como salienta Silva (2006. p.298-9), um número delimitado de primitivos – por volta de sessenta – não seria suficiente para explicar o significado de uma palavra em toda a sua abrangência. Por essa razão, a Semântica Cognitiva considera que o chamado “significado contingente” se constitui a cada instância de uso da linguagem e se baseia em um rico sistema prévio de informações, sobre vários domínios. As informações se organizam como uma rede estabilizada na memória de longo prazo do falante, a qual se denomina conhecimento enciclopédico. Como o falante também domina as relações simbólicas da língua, a cada uso de uma forma, uma parte dessa rede é ativada em seu cérebro. E, ainda, como as situações de uso nunca são exatamente as mesmas, os conceitos ativados na rede também variam. Formas associadas a itens lexicais polissêmicos, por exemplo, ativam uma rede semântica com vários sentidos convencionalizados, um dos quais se torna o foco da atenção do falante em um dado evento cognitivo17.

Dentro da discussão sobre a motivação semântica para os fatos da língua, Talmy (2000. p.21 e 93) define o significado como uma “representação cognitiva” (“conceitualização” em LANGACKER, 2001 e 1987) que emerge de vários processos cognitivos, a partir do significado referencial dos elementos da sentença, da compreensão do contexto situacional, do conhecimento de mundo etc. Esse significado conceitual é

(44)

“evocado” através da linguagem no discurso, de onde a importância dada ao conceituador. Na visão de ambos os autores, o significado inclui, também, o conteúdo de ideias e de experiências ligadas ao afeto e à percepção.

Um importante componente da conceitualização é aquele que Langacker (2001) denomina perspectivação conceitual (construal). Ele representa a capacidade humana de elaborar ou construir uma cena de vários modos. Langacker descreve várias dimensões da perspectivação, entre elas a perspectiva e o ponto de vista e a saliência focal ou

proeminência. Esta última está diretamente relacionada ao princípio da assimetria

figura-fundo da Teoria da Gestalt.

Dois dos tipos de saliência focal apresentados por Langacker (1987, 2001 e outros) são a designação de um perfil (profiling) e a assimetria (ver seção 3.4) entre entidades envolvidas em uma relação.

O perfil de uma expressão linguística caracteriza-se como o foco principal de atenção dentro da base ou domínio conceitual que ela evoca e corresponde àquilo que a expressão designa, ou seja, seu “referente conceitual” (LANGACKER, 2001. p. 21). A proeminência também está presente na definição das classes de palavras. Langacker (1987) e Taylor (2002a) as definem com base na natureza dos referentes esquemáticos que seu perfil evoca. Substantivos evocam ‘coisas’ e verbos designam ‘processos’. Estes últimos, assim como adjetivos e preposições, encontram-se entre os itens com perfil relacional.

2.2.1. Definindo a categoria ‘preposição’

(45)

advérbios designam relações atemporais 18 entre duas entidades denominadas trajetor e

marco 19, normalmente marcadas pela assimetria conceitual (ver seção 3.4), exceto no caso de algumas conjunções. Langacker (1987. p. 243) sugere cautela ao se considerar adjetivos, advérbios e preposições como classes distintas, usando apenas critérios sintáticos, por exemplo, a ideia de que a preposição normalmente precede um marco explícito, elaborado como um substantivo ou sintagma nominal. A preposição pode ser um adjetivo quando seu trajetor é um substantivo e, um advérbio, quando seu trajetor é um processo.

Por sua própria natureza, as predicações 20 relacionais dependem conceitualmente das entidades que relacionam. Como exemplo, os substantivos livro e livraria (coisas) podem ser conceitualizados sem se fazer referência a outros objetos. Isto é, pode-se imaginar qualquer livro ou qualquer livraria sem que outra entidade seja, necessariamente, trazida para o foco de atenção do conceituador. Já a elaboração do sentido da preposição em requer, em (18) abaixo, que os conteúdos de “o novo livro” e de “as grandes livrarias” também sejam acessados.

(18) O novo livro está em todas as grandes livrarias. (JB – 21.06.2008)

18

Para LANGACKER (1987. p. 222), mesmo expressões como depois de e antes de são relações atemporais visto que, embora especifiquem as posições relativas de dois eventos no tempo, perfilam uma relação estática entre eles. Assim, embora o tempo seja o domínio primário nesses casos e o trajetor e o marco dessas relações sejam processos, esses são conceitualizados como entidades unitárias e a configuração obtida é única e consistente, com todas as facetas da cena simultaneamente disponíveis para a conceitualização de resumo e não em sequência como acontece nas relações temporais perfiladas por verbos (ver seção 6.3.3 desta tese).

19 Esses termos recebem as seguintes denominações por diferentes autores: trajector e landmark

(LANGACKER, 1987 e outros), figure e ground (TALMY, 2000), cible e site ou target e ground (VANDELOISE, 1991 e 1994).

(46)

Isso ocorre porque em contribui para a emergência de um esquema no qual as “livrarias” (o marco) fornecem a ‘localização’ do “livro” (o trajetor). Em virtude dessa interdependência, essas duas entidades abstratas compõem o perfil semântico de em e das preposições de um modo geral. Tal fato inviabiliza investigações descontextualizadas de membros dessa classe de palavras e demanda a aplicação de uma análise semântica “distribuída” (SINHA & KUTEVA, 1995).

O diagrama abaixo é uma representação pictórica de um esquema preposicional. Contudo, é importante esclarecer, mais uma vez, como Langacker (2008) o faz, que esse tipo de representação tem apenas um caráter didático e que, obviamente, não são postuladas quaisquer semelhanças com representações mentais de qualquer conceito.

FIGURA 3– Diagrama simbolizando a estrutura semântica de uma preposição

FONTE – LANGACKER, 1987. p. 215.

Como é padrão nas notações de Langacker, na FIG. 3, linhas e contornos espessos representam elementos em perfil: e1 e e2 constituem eventos cognitivos – no caso das

preposições, entidades conceitualizadas – e a linha entre eles, algum tipo de relação. Com essa notação, Langacker inclui as entidades relacionadas como parte da estrutura semântica da preposição, muito embora, o que esteja realmente em destaque seja a relação existente entre elas. No exemplo (18), o significado da relação necessita da presença explícita do

Imagem

FIGURA 3 – Diagrama simbolizando a estrutura semântica de uma preposição   FONTE – LANGACKER, 1987
FIGURA 7 – O princípio gestáltico da alternância entre figura e fundo.  FONTE – STERNBERG, 2000
FIGURA 8 – O contexto como referência para a FIG. 3.  FONTE – STERNBERG, 2000. p. 121
FIGURA 10 – Elemento funcional percebido na relação de ‘contenção’.  FONTE – BRALA, 2002
+6

Referências

Documentos relacionados

Classificação, em etapas silvigenéticas Machado & Oliveira-Filho, 2008a, dos 19 fragmentos de florestas estacionais da região do Alto Rio Grande MG, tendo como base a porcentagem

Ela considera a capacidade que os indivíduos têm de apropriar-se e incorporar as tecnologias em sua vida cotidiana, de tal maneira que, primeiro, reflitam sua vontade de

Atentemo-nos seguintes exemplos nas frases «A minha mulher está doente» e «A minha esposa está doente», as palavras destacadas («mulher» e «esposa») são sinônimas; no entanto,

=ica claro# pela leitura da carta# que ela <oi escrita a uma congrega$ão cristã composta tanto de  judeus como de gentios"  Favia muitos >udeus em 7oma naquela época'

JUNTO À IGREJA DE CODESSOSO ADM... SEBASTIÃO AO AREAL, EM ARNOIA

Se a opção [Update Table in Casio Pocket Viewer only] tiver sido ativada para uma ligação, a transmitirá significará, entre outras coisas, que todas as células com fórmula

Conforme foi visto, o integralismo reserva grande similaridade em relação aos fascismos, contudo, as características da teoria de Plínio Salgado não se esgotam apenas na

O objetivo deste trabalho é propor alternativas pedagógicas para o professor no que diz respeito à construção espaço-temporal da criança na idade da educação