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PARTE I – DISCUSSÃO TEÓRICA

2.1. Corporeidade e cognição

2.1.1. Capacidades cognitivas a serviço da linguagem

2.1.1.2. Esquematização

nos perceber padrões recorrentes no uso da língua e, a partir deles, formar esquemas que representam uma categoria ou conceito. Esses esquemas não possuem características de objetos específicos e, portanto, são um tipo de estrutura bem mais abstrata que imagens mentais. Isso acontece por comparação de experiências e seleção de aspectos comuns entre as mesmas. Os esquemas formados são organizados como gestalts e essa capacidade de

estruturação é fundamental para a linguagem.

Numa perspectiva biológica, Langacker (1987. p.100 e 162) explica que cada evento cognitivo deixa traços neuroquímicos que vão se repetindo toda vez que eventos semelhantes ocorrem, gerando um efeito de reforço progressivo. A cada uso, os esquemas vão se acomodando na memória do falante, na forma de rotina estabilizada. Assim ocorre o

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TAYLOR (2002a) e LANGACKER (2008) oferecem uma explicação bastante clara a respeito de como as classes gramaticais se constituem como estruturas simbólicas, que se encaixam em uma hierarquia de conceitos (esquemas e instâncias).

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Segundo TALMY (2000. p. 23), embora as “categorias fechadas” normalmente façam jus ao seu rótulo por terem relativamente poucos representantes e não aceitarem novos membros com muita frequência, essa é uma definição a ser testada empiricamente. Teoricamente, não é de todo impossível que, em certo idioma, exista uma categoria gramatical com centenas de membros altamente específicos ou, ainda, que possa acolher novos integrantes.

entrincheiramento ou a aquisição do conhecimento linguístico. Gradativamente, uma dada

estrutura se torna unidade simbólica para o falante.

As estruturas mentais oriundas da experiência sensório-motora constituem um tipo especial a que se denomina esquemas imagéticos. Eles derivam de experiências frequentes no cotidiano e são essenciais na explicação do significado de expressões linguísticas que se referem a circunstâncias espaciais tanto estáticas quanto dinâmicas. Uma definição proposta por Johnson (1987. p. 29) diz que um conceito ou esquema possui um nível básico de especificidade e não se refere a nenhuma instância de uso em particular e, tampouco, apenas à capacidade linguística. Um esquema é um “padrão, forma ou regularidade recorrente em/de nossas atividades contínuas de ordenação [ações, percepções e concepções]” 14.

Uma longa lista desses esquemas é tomada da literatura em Hampe (2005. p.2-3): alguns foram apresentados originalmente por Johnson (1987) e Lakoff (1987) –

CONTENÇÃO/CONTENTOR, PERCURSO/FONTE-PERCURSO-ALVO, PARTE-

TODO –, por Johnson (1987) – CONTATO, SUPERFÍCIE, OBJETO, COLEÇÃO – e outros, por Lakoff (1987) –VERTICALIDADE e FRENTE-VERSO.

A emergência desses esquemas deve-se à constituição do organismo humano, às percepções, aos sentimentos e também às ações do corpo.

Na Linguística Cognitiva, é tradição fornecer representações pictóricas de esquemas imagéticos como estratégia descritiva. Naturalmente, não se postula que essas ilustrações, de caráter didático, correspondam às representações mentais do falante. Como

14 Do original: “A schema is a recurrent pattern, shape, and regularity in, or of, these ongoing ordering activities [actions, perceptions, and conceptions].” (Tradução livre.)

parte da interpretação do exemplo a seguir, pressupõe-se uma configuração espacial de movimento para dentro de um CONTENTOR.

(10) Imaginem uma jarra despejando suco num copo.iii

FIGURA 1 – Representação do esquema imagético complexo que inclui um ‘trajeto’ para dentro de um ‘contentor’: o retângulo menor representa o contentor (copo) e tem seu interior em foco. A seta representa a orientação do movimento evocado pelo verbo “despejar”. A entidade que se desloca (suco) aparece como o círculo. Esse esquema é neutro quanto aos eixos vertical, horizontal e ortogonal.

Nesse exemplo, as noções de ‘alvo do movimento’ e ‘localização no interior de um contentor’ são inferências feitas a partir do verbo, da preposição e do conhecimento enciclopédico do falante a respeito do contexto situacional.

Os esquemas imagéticos possuem uma estrutura e uma lógica de funcionamento (ver seção 4.2.1). Essas estruturas são compostas por elementos geométricos e topológicos que identificam uma série de objetos e relações. O esquema imagético de CONTENTOR, apresentado no exemplo acima, parece ser central na semântica da preposição em. Prototipicamente, ele envolve um objeto de duas ou três dimensões. Esse objeto é constituído por um lado exterior, um limite ou fronteira e um interior, no qual se situa outro objeto (LAKOFF & JOHNSON, 1999. p. 32-3). A emergência desse esquema imagético

decorre de padrões percebidos em situações como estar em/dentro de uma sala, observar um objeto no interior de outro etc.

Por sua vez, o esquema de TRAJETO, que também faz parte do exemplo (10), é constituído por um ponto de partida ou origem, um alvo ou ponto final e uma sequência de localizações contíguas ligando os dois extremos. Esse esquema não inclui direção, a qual acaba sendo imposta pelos variados propósitos que as pessoas têm ao seguir um trajeto. O embasamento espacial desse tipo de esquema está em experiências como ir de casa para a escola ou observar um caminho percorrido por uma pedra lançada num lago. Ao final, vai- se de um ponto A para um ponto B e, portanto, segue-se em direção a B.

Outro esquema que também se aplica a certos usos dessa preposição é o de CONTATO com uma superfície, quando duas ou mais entidades se tocam, como na situação descrita em (11). Existe uma noção topológica de ‘contato’ entre a “quadra” e “acampar”. A prototípica configuração bidimensional do marco favorece a emergência desse esquema. Mais que isso, através de seu conhecimento leigo sobre a física do dia-a- dia, o falante compreende o efeito funcional de ‘suporte’ por parte da quadra em relação à atividade, uma consequência muito comum em tal configuração espacial.

(11) Se for preciso, vamos acampar na quadra. (Estado de Minas – 05.08.2008)

FIGURA 2 – Representação do esquema de CONTATO, sem orientação intrínseca, no qual se destaca uma base sobre a qual se apoia um objeto.

Esses são alguns dos esquemas imagéticos relacionados à semântica da preposição em. Enquanto sua adequação a esses usos e na descrição de outras preposições é incontroversa entre semanticistas cognitivos, existe certa dificuldade em determinar critérios para o emprego do termo imagético (GRADY, 2005). Certos padrões motores, de dor, de emoção, de relações etc., nem sempre permitem a criação de imagens mentais. Johnson (1987. p. 23, e ao longo dessa obra) utiliza o termo amplo – esquema –, sem especificação, para se referir a esquemas ‘imagéticos’ ou ‘corporificados’, o que é razoável em face de sua clara posição a respeito da base corpórea dos mesmos. Nesta tese, o termo “esquema” também é aplicado àqueles imagéticos ou não.

Ressalva-se, porém, que a noção de ‘localização’ não constitui um conceito imagético nos termos descritos acima. Vandeloise (1991), por exemplo, a considera uma relação funcional, tendo em vista que o ser humano naturalmente busca localizar uma entidade em relação a outra. Em suma, a ‘localização’ pode ser considerada um esquema mais abstrato que se realiza imageticamente quando associado a outros elementos, constituindo, assim, instâncias mais específicas, com posição própria na rede esquemática de polissemia da preposição em.

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