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4. Sistemas de protecção

4.2. A nível da União Europeia

4.2.4. Conteúdo da protecção concedida

Em primeiro lugar, o registo de uma DO ou IG vitivinícola confere o direito de uso exclusivo desse nome em produtos vitivinícolas conformes com o respectivo caderno de especificações a “qualquer operador que comercialize” o produto e não apenas ao “produtor” (artigo 103º, nº1 da OCM).Este

266 Regulamento (CE) nº 1493/1999. 267 Regulamento (CE) nº 753/2002.

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direito de uso está limitado às categorias268 de produtos vitivinícolas para os quais a DO ou IG está

registada e aos produtos com as características exigidas para beneficiarem da DO ou IG. Por outro lado, o direito de uso não inclui a faculdade do titular transmitir o direito ou de apenas ceder o seu gozo através de uma licença, o que decorre da sua natureza jurídica de direito colectivo.

Em segundo lugar, o registo concede à DO ou IG vitivinícola uma tutela muito ampla contra qualquer prática indevida que não cumpra as especificações legais do produto, que explore a sua reputação, que usurpe, imite ou evoque a DO ou IG e que engane ou induza em erro o consumidor. De notar que o âmbito da protecção das DO e IG vitivinícolas inclui os sinais idênticos à DO ou IG, cujo uso constitui uma usurpação, e os sinais semelhantes em termos gráficos, fonéticos ou conceptuais, cujo uso constitui uma imitação ou uma evocação.

O nº2 do artigo 103º da OCM especifica várias modalidades de práticas indevidas contra as quais as DO e as IG estão protegidas, as quais passamos a analisar individualmente. A alínea a), subalínea i) da disposição indica “qualquer utilização comercial directa ou indirecta do nome protegido por produtos comparáveis não conformes com o caderno de especificações”da DO ou IG. Trata-se do uso do nome da DO ou IG com fins comerciais (na rotulagem, na publicidade, em

documentos comerciais, nos locais de venda, etc.), de forma directa ou indirecta269. Além disso, a

tutela dirige-se a produtos não conformes com as especificações da DO ou IG que sejam comparáveis com esses produtos. O conceito não está definido na lei, pelo que é matéria desenvolvida na doutrina270 e na jurisprudência.

Tomando em consideração a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia no caso Cognac271

(sobre bebidas espirituosas), entendemos que podemos afirmar, com as necessárias adaptações

268 Trata-se das categorias definidas no Anexo VII, Parte II, pontos 1, 3 a 6, 8, 9, 11, 15 e 16 da OCM: vinho, vinho licoroso, vinho espumante, vinho

espumante de qualidade, vinho espumante de qualidade aromático, vinho frisante, vinho frisante gaseificado, mosto de uvas parcialmente fermentado, vinho proveniente de uvas passas e vinho de uvas sobreamadurecidas.

269 A utilização indirecta traduz-se no uso da DO ou IG sem destaque especial numa marca mista (ex: marca-rótulo), no uso de indicações sem

referência expressa à DO ou IG, mas que são susceptíveis de induzir em erro quanto à proveniência, origem, natureza ou qualidades dos produtos ou no uso da DO ou IG na publicidade a um outro tipo de produto.

270 Como afirma Ribeiro de Almeida, “por produtos comparáveis não se quererá apenas incluir produtos da mesma classe (…) ou do mesmo tipo (…),

mas não estamos perante um conceito tão amplo quanto o da afinidade (este conceito é mais indeterminado ou goza de uma auréola mais vasta do que a da comparabilidade)”. Devem assim ser considerados comparáveis aos abrangidos pelo registo da DO ou IG os produtos que nem são afins nem idênticos (conceitos do direito das marcas) mas são “quase idênticos” (ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA,A Autonomia Jurídica da Denominação de Origem: Uma perspectiva transnacional. Uma garantia de qualidade, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 1057, nota (2462)).

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para os produtos vitivinícolas, que são produtos comparáveis aos que beneficiam da DO ou IG os produtos que, independentemente da categoria em que se integrem, apresentam características objectivas comuns que, do ponto de vista do público em causa, correspondem a ocasiões de consumo amplamente idênticas e que sejam distribuídos e comercializados nos mesmos termos. Concordamos com os critérios indicados neste acórdão para avaliar a comparabilidade dos produtos e sublinhamos a importância de se considerar que o conceito é independente da categoria dos produtos. Na verdade, julgamos que não faz sentido considerar o mosto de uvas e o vinagre de vinho como comparáveis a vinhos, desde logo por não terem a natureza de produtos bebíveis como têm os vinhos.

É ainda nosso entendimento que a protecção das DO e IG vitivinícolas em relação aos produtos comparáveis justifica-se pelo facto destes serem, por natureza, não conformes com as especificações da DO ou IG, uma vez que não são precisamente os produtos certificados com a DO ou IG, mas apenas produtos susceptíveis de serem a eles comparados.

Na alínea a), subalínea ii) do nº2 do artigo 103º da OCM, a protecção está prevista para “qualquer utilização comercial directa ou indirecta do nome protegido na medida em que tal utilização explore a reputação da DO ou IG”.

Tal como na subalínea anterior, estamos perante o uso do nome da DO ou IG com fins comerciais, de forma directa ou indirecta, mas o requisito particular desta disposição é a exploração da reputação da DO ou IG. Terá de existir uma DO ou IG com reputação (ou seja, com bom-nome, força atractiva, imagem expressiva) e o respectivo aproveitamento indevido dessa reputação, o que inclui os actos susceptíveis de provocar a diluição ou prejuízo da força distintiva da DO ou IG. A protecção concedida vai para além dos produtos comparáveis aos incluídos no registo da DO ou IG, implicando assim o afastamento do princípio da especialidade das DO e IG. A própria OCM

vitivinícola de 2008272 referia no seu Considerando (32) que, para promover uma concorrência leal

e não induzir os consumidores em erro, a protecção contra utilizações que beneficiem

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indevidamente da reputação associada aos produtos conformes deverá abarcar igualmente produtos e serviços não abrangidos pela OCM vitivinícola.

Outra modalidade de prática indevida contra DO e IG vitivinícolas está prevista na alínea b), do nº2 do artigo 103º da OCM: “qualquer utilização abusiva, imitação ou evocação, mesmo que a verdadeira origem do produto seja indicada ou que o nome protegido seja traduzido, transcrito ou transliterado ou acompanhado de termos tais como «género», «tipo», «método», «estilo», «imitação», «sabor», «modo» ou similares”.

Esta disposição inclui os sinais idênticos à DO ou IG (utilização abusiva ou usurpação) e os sinais semelhantes em termos gráficos, fonéticos ou conceptuais (imitação ou evocação), mas, ao contrário da primeira modalidade, o âmbito da protecção situa-se nos produtos incluídos no registo da DO ou IG em termos de categorias.

Embora não exista definição legal dos conceitos de imitação e de evocação, corroboramos a posição de que a evocação se distingue da imitação por exigir apenas que, pela semelhança gráfica, fonética ou conceptual da designação ou semelhança da apresentação de um produto, o consumidor seja induzido a associar esse produto ao produto com DO ou IG, quanto às qualidades, características, origem ou controlo. Na imitação, a semelhança gráfica, fonética ou conceptual dos sinais gera confusão ao consumidor273.

De notar que a protecção não pressupõe a indução do consumidor em erro ou um risco de confusão ou associação, pretendendo-se claramente tutelar as DO e IG contra o perigo da vulgarização decorrente do uso da DO ou IG traduzidas, transcritas ou transliteradas274 e com

termos deslocalizantes, desqualificantes e correctivos.

A alínea c) do nº2 do artigo 103º da OCM determina que as DO e IG vitivinícolas são protegidas contra “qualquer outra indicação falsa ou falaciosa quanto à proveniência, origem, natureza ou

273 Neste sentido, OSKARI ROVAMO, Monopolising names? The Protection of Geographical Indications in the European Community, Pro Gradu Thesis

(for LL.M.), IPR University Center, 2006, p. 69, e ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA,A Autonomia Jurídica da Denominação de Origem: Uma perspectiva transnacional. Uma garantia de qualidade, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 1077 e 1078.

274 Conforme o Dicionário da Língua Portuguesa sem Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2016, disponível em http://www.infopedia.pt, o significado de "transcrição" é representação das letras ou caracteres de um sistema de escrita pelos de outro sistema de escrita; o significado de "transliteração" é substituição das letras com que está escrita uma palavra no seu alfabeto pelas letras correspondentes de um outro alfabeto.

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qualidades essenciais do produto, no acondicionamento ou na embalagem, na publicidade ou nos documentos relativos ao produto vitivinícola em causa, bem como contra o acondicionamento em recipientes susceptíveis de dar uma impressão errada quanto à origem do produto”.

A primeira parte da disposição remete-nos para a proibição constante do Acordo TRIPS (artigo 22, nº4), já analisado supra. No entanto, na OCM o erro reporta-se não só à origem mas também à simples proveniência ou até à natureza ou qualidades essenciais do produto, quer as indicações ilegais constem no acondicionamento ou na embalagem do produto vitivinícola, quer na respectiva publicidade ou nos documentos comerciais que o acompanham.

A tutela estende-se contra os recipientes susceptíveis de induzir em erro o consumidor quanto à origem do produto, pelo facto da forma do recipiente estar associada de facto ou de direito à DO ou

IG, funcionando nesse caso como uma indicação de proveniência indirecta275.

A última modalidade prevista consta da alínea d), do nº2 do artigo 103º da OCM: “qualquer outra prática susceptível de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto”. Estão incluídas nesta disposição as mais diversas práticas indevidas relativas à comercialização do produto vitivinícola, embora exista o requisito da indução em erro apenas quanto à origem.

O nº3 do artigo 103º da OCM afasta qualquer possibilidade de generalização das DO e IG vitivinícolas, uma vez que determina que as mesmas “não podem tornar-se genéricas na União, na acepção do artigo 101º, nº1”, ou seja, não podem transformar-se num nome de um vinho que, embora corresponda ao local ou à região onde o produto foi inicialmente produzido ou comercializado, passou a ser o nome comum de um vinho.

A OCM especificou ainda no seu artigo 102º medidas de protecção das DO e IG vitivinícolas contra marcas que com elas conflituem, tema a que dedicamos a Parte IV deste trabalho.

A protecção de uma DO ou IG vitivinícola começa na data de inscrição da mesma no Registo (artigo 19º, nº1 da Norma de Execução)276 e “aplica-se a todo o nome, incluindo os elementos que o

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constituem, desde que sejam eles próprios distintivos”, uma vez em que os elementos não- distintivos ou genéricos de uma DO ou IG não são protegidos (artigo 19º, nº3 da Norma de Execução).

Esta última regra tem a maior relevância para DO ou IG constituídas com mais de um termo, sendo pelo menos um desses termos não distintivo. Tal é o caso da DO Vinho Verde, que assim viu o termo “Verde” ganhar protecção destacada enquanto elemento distintivo para produtos vitivinícolas dado o carácter não distintivo e genérico do termo “vinho” que também a compõe. 21º a 23º da Norma de Execução, quanto aos requisitos de forma e substância.