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4. Sistemas de protecção

4.1. A nível internacional

4.1.1. Convenção da União de Paris

Os primeiros esforços na adopção de uma abordagem comum à propriedade industrial resultaram na Convenção da União de Paris (CUP) para a Protecção da Propriedade Industrial assinada em 20 de Março de 1883. O texto original foi objecto de revisão em 1900 (Bruxelas), em 1911 (Washington), em 1925 (Haia), em 1934 (Londres), em 1958 (Lisboa) e em 1967 (Estocolmo), tendo sido modificado em 1979.

Em Janeiro de 1975, Portugal aprovou o acto de Estocolmo da CUP164, tendo o acordo entrado em

vigor em 30 de Abril de 1975. Actualmente, a CUP tem 176 países membros165.

A CUP foi o primeiro acordo multilateral destinado a tornar a protecção da propriedade industrial mais eficaz, estendendo-a além do país de origem. Foi também o primeiro acordo multilateral a mencionar “indicações de proveniência ou denominações de origem” como objecto de protecção extranacional enquanto direitos de Propriedade Industrial autónomos.

O artigo 1º, nº 2 da CUP estabelece que “a protecção da propriedade industrial tem por objecto as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal”.

Apesar da referência “indicações de proveniência ou denominações de origem”, a CUP acaba por não definir os dois conceitos e por não proteger directamente as DO, não destinando a estas

164 Pelo Decreto nº 22/75, de 22 de Janeiro.

165 Conforme informação da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, de 15 Abril de 2016, disponível em http://www.wipo.int/export/sites/www/treaties/en/documents/pdf/paris.pdf.

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últimas nenhuma disposição. Não obstante, é comum aceitar-se na doutrina166 que o regime

referente às indicações de proveniência se aplica às DO, uma vez que estas são por definição indicações dessa natureza167.

Com o objectivo de proteger as indicações de proveniência, o artigo 10º da CUP estabelece que as disposições previstas no artigo 9º quanto à repressão da concorrência desleal são aplicáveis “em caso de utilização, directa ou indirecta, de uma falsa indicação relativa à proveniência do produto ou à identidade do produtor, fabricante ou comerciante”. O mesmo é dizer que o uso de uma falsa indicação de proveniência (refere-se a uma área geográfica não originária dos produtos por ela identificados) é considerada e tratada legalmente como fraude ou como violação de marca. De notar que a disposição refere-se a indicações de proveniência não necessariamente geográficas. As disposições previstas no artigo 9º prevêem sanções para os comportamentos ilícitos de, por força do artigo 10º, identificar produtos com falsas indicações de proveniência comercializados em qualquer país da União de Paris. As sanções consistem na apreensão dos produtos ilícitos no acto da importação, a qual pode acontecer no país onde ocorreu a aposição ilícita e também no país importador168.

O artigo 9º da CUP determina ainda que a legitimidade para requerer esta diligência cabe ao Ministério Público, a qualquer outra autoridade competente ou a quem nisso tiver interesse (pessoa física ou moral, de harmonia com a lei interna de cada país). Considerando que as indicações de proveniência não atribuem um direito individual a uma ou mais pessoas jurídicas específicas como as marcas ou os nomes comerciais, o artigo 10º, nº2 da CUP veio definir quem tem interesse, e assim legitimidade, para requerer a aplicação das sanções: “o produtor, fabricante ou comerciante (…) estabelecido quer na localidade falsamente indicada como lugar de origem, na região em que

166 ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominação de Origem e Marca, Stvdia Ivridica, 39, Coimbra, 1999, p. 144, e AUDIER, Jacques, “Indications

géographiques, marques et autres signes distinctifs: concurrence ou conflits?", in Bulletin de L’OIV nº 723-724, 1991, p.405.

167 De referir que, no sector vitivinícola, as indicações de proveniência são indicações obrigatórias na rotulagem e apresentação dos produtos

vitivinícolas comercializados na União ou destinados a exportação (artigo 119º, nº 1, alínea d) da OCM), e servem para indicar o país em que as uvas colhidas e vinificadas, consistindo nas menções «vinho de (…)», «produzido em (…)», «produto de (…)» ou equivalente, completadas pelo nome do Estado-Membro ou país terceiro (artigo 55º, nº 1, alínea c) da Norma de Execução).

168 Prevê-se ainda a substituição da apreensão no acto de importação pela “proibição de importação ou pela apreensão no interior”, no caso da

legislação nacional não admitir a apreensão no ato da importação e pela apreensão no interior, e pelas acções e meios que a lei desse país assegurar em tais casos aos nacionais, no caso da legislação nacional não admitir também a proibição de importação nem a apreensão no interior e enquanto não for modificada.

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essa localidade estiver situada, no país falsamente indicado ou no país em que se fizer uso da falsa indicação de proveniência”.169

Concordamos com Ribeiro de Almeida170 quando afirma que o texto do artigo 10º da CUP é “pobre

para a protecção das DO”, uma vez que a disposição não está especialmente dirigida às DO, embora as abranja, destinando-se antes à prevenção de “fraudes puramente comerciais”, como as falsas indicações de proveniência. Nestes casos, parece de facto que não podem ser consideradas como falsas as denominações de venda compostas com a DO de outro país enquanto indicação genérica conjugada com a indicação de proveniência efectiva do produto (por exemplo: “Champagne” da Califórnia), bem como as DO sem significado geográfico para os consumidores do país de destino ou que se tenham tornado genéricas nesse país.

A CUP assegura um outro nível de protecção às indicações de proveniência, ou seja, no âmbito da repressão da concorrência desleal. Conjugando o disposto no artigo 10º

bis

com o conceito de protecção da Propriedade Industrial constante do artigo 1º, nº2 da CUP, cada país da União de Paris obriga-se a reprimir de forma efectiva os actos de concorrência desleal que incidam sobre “indicações de proveniência ou denominações de origem”, nomeadamente indicações susceptíveis de induzir o público em erro sobre a natureza e características. De referir que, como afirma Joan Scott171, o artigo 10º

bis

cobre o uso de IG que, não sendo falsas, pode no entanto induzir em erro

o consumidor, como é o caso das IG homónimas (IG de países distintos com o mesmo nome). Por ultimo, cumpre-nos referir que foi no seio da própria CUP que “nasceram” outros acordos para a protecção da propriedade industrial, como o Acordo de Madrid e o Acordo de Lisboa, uma vez que ficou protegido no artigo 19º da CUP o direito dos países da União de Paris celebrarem entre si e separadamente esses acordos, desde que em respeito das disposições da CUP.

169 Entendemos que estão excluídas do conceito de “parte legítima” do artigo 10º, nº 2 da CUP as Comissões Vitivinícolas Regionais enquanto

associações interprofissionais do sector vitivinícolas que representam os interesses das profissões relacionadas com determinadas DO e IG, embora possa ficar ainda em aberto a sua legitimidade enquanto entidades certificadoras dessas mesmas DO e IG. A própria redacção do artigo 10ºter, nº 2 vem reforçar este entendimento ao dispor os países da União de Paris que “(…) obrigam-se a adoptar providências que permitam aos sindicatos e associações de industriais, produtores e comerciantes cuja existência não for contrária às leis dos seus países promover em juízo ou junto das autoridades administrativas a repressão dos actos previstos nos artigos 9º, 10º e 10º bis, na medida em que a lei do país em que a protecção é requerida o permite aos sindicatos e associações desse país”.

170 ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA, Denominação de Origem e Marca, Stvdia Ivridica, 39, Coimbra, 1999, p. 150.

171 JOAN ANTONIA SCOTT,Geographical Indications and Trademarks: Synergies and conflicts, Interleges – Stephen Rayner Award 2009, p. 17,

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