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Parte IV Os conflitos entre DO e IG Vitivinícolas e Marcas

1.1.1. Marcas idênticas a uma DO ou IG vitivinícola

O nosso CPI não permite que uma marca constitua infracção de outros direitos de propriedade industrial, como é o caso dos nomes de DO ou IG anteriores (artigo 239º, nº 1, alínea c) do CPI). Ao nível do registo de marcas na União Europeia, era aplicável a estas marcas até 23 de Março de 2016 o artigo 7º, nº1, alínea j) do RMC.

De acordo com o regime da OCM, uma DO ou IG vitivinícola impede ou prejudica o registo de marcas idênticas (artigo 102º, nº1 da OCM382). Embora concordemos com o princípio desta

disposição, não podemos deixar de manifestar a nossa discordância quanto requisito imposto à marca conflituante de não respeitar o caderno de especificações do produto em causa, no caso de se tratar de marca idêntica, na medida em que o registo da marca não será concedido precisamente pelo facto do sinal ser idêntico à DO ou IG, ainda que respeite o caderno de especificações do produto em causa, ou seja, que assinale produtos com a DO ou IG que imita. As marcas idênticas a uma DO ou IG vitivinícola são marcas com nomes geográficos, cujo regime referimos aqui pela sua importância nos produtos vitivinícolas e a relevância para as DO e IG vitivinícolas, actuais e futuras, ainda não registadas como direitos de propriedade industrial. Para qualquer produto agrícola, inevitavelmente ligado ao território de origem, como é o caso do vinho, estas marcas são poderosas armas de marketing porque se comportam no mercado como indicação de proveniência, ou seja, “falam” com o consumidor e influenciam a sua decisão de compra.

O CPI e o Regulamento da Marca da União Europeia (RMUE)383 proíbem que a marca seja

composta exclusivamente por termos descritivos quanto à proveniência geográfica, à qualidade ou a outras características do produto (artigo 238º, nº 1, alínea c) conjugado com o artigo 223º, nº 1, alínea c) do CPI e artigo 7º, nº 1, alínea c) do RMUE) e ainda que seja susceptível de induzir o

382 O artigo 102º, nº 1 da OCM dispõe o seguinte: “O registo de uma marca que contenha ou consista numa denominação de origem protegida ou

numa indicação geográfica protegida que não respeite o caderno de especificações do produto em causa, ou cuja utilização seja abrangida pelo artigo 103. o , n. o 2, e diga respeito a um produto de uma das categorias enumeradas no Anexo VII, Parte II: a) É recusado se o pedido de registo da marca for apresentado após a data de apresentação à Comissão do pedido de proteção da denominação de origem ou da indicação geográfica e se a denominação de origem ou a indicação geográfica for subsequentemente protegida; ou b) Invalidada”.

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público em erro, nomeadamente sobre a proveniência geográfica, natureza ou qualidade do produto (artigo 238º, nº 4, alínea d)384 e artigo 7º, nº 1, alínea g) do RMUE).

A primeira proibição pretende impedir a apropriação exclusiva dos nomes geográficos, os quais devem, em princípio, estar disponíveis para ser usados por outros interessados385 e segunda

reprimir as falsas indicações de proveniência.

Mas pode ser permitido o uso exclusivo numa marca de nomes geográficos caso o sinal geográfico

em questão tenha adquirido pelo uso carácter distintivo decorrente da aquisição de um

secondary

meaning

e tenha por consequência perdido a conotação geográfica como descritivo da proveniência do produto (artigo 238º, nº 3, conjugado com o artigo 223º, nº 2 in fine, do CPI e artigo 7º, nº 3 do RMUE).

Relevante é notar que, de acordo com jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias386, a protecção do carácter distintivo adquirido que viabiliza o registo de uma marca que

consista num nome geográfico terá de ser devidamente fundamentada por colocar em causa a disponibilidade desse nome para terceiros interessados com actividade económica nessa região. Para esse efeito, é primordial que na apreciação do carácter distintivo adquirido sejam globalmente considerados os elementos necessários, tais como “a parte do mercado detida pela marca, a intensidade, a área geográfica e a duração do uso dessa marca”, entre outros.

Por outro lado, a posição dominante na doutrina é de que poderá não existir falsa indicação de proveniência quando o nome geográfico não serve para designar a proveniência para os produtos ou serviços em questão porque, no caso concreto, o nome não tem significado geográfico para o consumidor desse produto por falta de associação do produto ou de produtos idênticos ou semelhantes ao local geográfico constante da marca.

384 O artigo 238º, nº 1, alínea c), conjugado com o artigo 223º, nº 1, alínea c), determina que as marcas não podem ser constituídas,

exclusivamente, “por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos”, sendo assim o seu registo recusado.

385 Claro que, acrescentando um figurativo ao elemento nominativo de uma marca, transformando-a assim em marca mista, é possível atribuir ao

sinal a eficácia distintiva em falta e poder desta forma contornar a referida proibição.

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Veja-se o caso dos nomes geográficos de fantasia “Mont Blanc” para esferográficas, “Polo Norte” para bananas, “Alasca” para tabaco ou até “Sagres” para cervejas; o caso de nomes geográficos que deixaram de existir como “Dácia” ou “Babilónia”; o caso de nomes geográficos com outros significados mais reconhecidos como “Magnólia”, nome de um local nos EUA e também de uma árvore; o caso de nomes geográficos que identificam um local propriedade do requerente como um prédio ou uma exploração vitícola; e ainda o caso de nomes geográficos manifestamente

desconhecidos do consumidor dos produtos e serviços em causa387.

Somos da opinião que, estando em causa produtos vitivinícolas, não devem ser permitidas marcas com nomes geográficos mesmo que tenham adquirido capacidade distintiva ou que não estejam associados à proveniência geográfica desses produtos. Na verdade, parece-nos que as especificidades do sector e do correspondente mercado condicionam a aplicação destas excepções.

Por um lado, não temos dúvidas que também induzirão em erro o consumidor quanto à origem do produto vitivinícola os nomes geográficos que, embora não estejam associados à produção vitivinícola, correspondam a locais conhecidos e causem assim impacto ou ilusão ao consumidor no sentido de serem provavelmente o local de produção do vinho (uma região ou até uma sub- região). O mesmo se aplicará a nomes geográficos até desconhecidos mas que o consumidor pressuponha estarem relacionados com a origem do vinho.

Tal acontece devido à enorme variedade de nomes de DO e IG vitivinícolas e outras menções e à complexidade da informação técnica, disponíveis na apresentação dos produtos vitivinícolas, em contraposição com o fraco grau de cultura vínica do consumidor médio de vinhos. Como exemplo, apontamos a marca nacional nº 430855 “Cabo da Roca”, destinada a produtos da classe 33 – “aguardentes; alcoólicas (bebidas) [com excepção das cervejas]; bebidas alcoólicas [com excepção das cervejas]; bebidas destiladas; digestivos [vinhos e licores]; espirituosos; vinhos” e que é comercializada para vinhos de várias DO e IG (DO Vinho Verde, DO Douro, IG Lisboa e IG Alentejano).

387 Neste sentido, ALBERTO RIBEIRO DE ALMEIDA,A Autonomia Jurídica da Denominação de Origem: Uma perspectiva transnacional. Uma garantia

de qualidade, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 940 a 949, e também LUÍS COUTO GONÇALVES, Manual de Direito Industrial – Propriedade Industrial e Concorrência Desleal, 6ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, pp. 208 a 212.

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Por outro lado, pensamos que, na avaliação do eventual carácter distintivo adquirido em relação à necessidade de manter a disponibilidade do nome geográfico, dever-se-á considerar o potencial desse nome vir num futuro próximo a ser protegido como DO ou IG vitivinícola, a utilizar pelos interessados com actividade económica nessa região.

Para esse efeito, será pertinente averiguar a existência actual e futura de actividades do sector vitivinícola nessa área geográfica, ainda que apenas referentes à fase de produção da matéria- prima (uva), que assinalam a possibilidade de desenvolvimento futuro da actividade de produção de vinho. Também é relevante analisar a existência na área geográfica de outras actividades agrícolas (actividade florestal, produção de milho, pastagens, por exemplo) e de factores naturais favoráveis que criem condições de viabilidade futura da produção vitivinícola.

Na definição desta nossa posição específica para as DO e IG vitivinícolas, tomámos por referência o

entendimento de Ribeiro de Almeida388 sobre o princípio da verdade nas marcas geográficas.

A reforçar a nossa posição temos na legislação vitivinícola uma das excepções à supremacia das DO e IG sobre as marcas que, como abordaremos no ponto 1.2. infra, consagra as marcas anteriores com notoriedade ou reputação como obstáculos intransponíveis ao registo de uma DO ou IG conflituante (artigo 101º, nº2 da OCM).