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2.4 A crítica à musica popular no Brasil

2.4.2 Contemporaneidade

Dessa fase, destacam-se dois trabalhos produzidos nos últimos tempos que tratam do

tema que interessa a esta tese. O primeiro intitula-se Indústria Fonográfica: um estudo

antropológico, de Rita Morelli, e o segundo, Cultura, rock e arte de massa, de Antônio

Marcus Alves de Souza. Ambos foram produzidos entre o final dos anos 1980 e a primeira

metade da década de 1990

85

. Nas palavras de Morelli, o seu trabalho analisa:

[...] a indústria fonográfica no Brasil na década de 1970. Mais especificamente, a análise de produção existente entre artistas e gravadoras e sobre as alterações sofridas por essas relações no período considerado. Por outro lado, procura-se abordar também a questão da produção e da divulgação do que se chama a imagem pública dos artistas, recorrendo-se para isso a uma análise mais aprofundada dos casos de dois compositores-intérpretes da música popular brasileira surgidos nesse período: Fagner e Belchior. (MORELLI, 2009, p. 19).

85 Indústria Fonográfica: um estudo antropológico, de Rita Morelli, foi originariamente uma dissertação de mestrado em antropologia social defendida em 1988 no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O título original era Indústria fonográfica: relações sociais de

produção e concepções acerca da natureza do trabalho artístico (Um estudo antropológico: a indústria do disco no Brasil e a imagem pública de dois compositores-intérpretes da MPB na década de 70). Já Cultura, rock e

arte de massa, de Antônio Marcus Alves de Souza, foi também uma dissertação de mestrado defendida em 1995 na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Ambos os trabalhos foram aqui analisados através de suas versões em livro.

Apesar da pesquisa de Morelli tratar de artistas ligados à MPB e aparentemente das

relações entre gravadoras e a construção da imagem dos artistas, um ponto dessa obra passa

pela crítica musical. Os dois compositores-intérpretes citados – Belchior e Fagner –, fora o

fato de serem naturais do Ceará, tiveram uma enorme influência ao longo da década de 1970

na mídia e também entre o público de classe média alta

86

.

A autora detalha como funcionou sua análise, que ela chama de “análise de conteúdos

das imagens públicas de artistas”:

Para a identificação do conteúdo de tais imagens baseamo-nos principalmente nos comentários feitos pela crítica especializada, dado que conforme observarmos é de fato ela quem fornece publicamente uma palavra final sobre o artista, depois de reelaborar por conta própria as informações fornecidas por ele mesmo e por sua gravadora, informações as quais recorremos contundo sempre que necessário. Por outro lado, conforme já foi dito [...] Fagner e Belchior são os outros artistas cujas imagens públicas serão tomadas como objeto desta análise, tendo sido ambos escolhidos como representantes do grupo de intérpretes que identificamos como os compositores-intérpretes de MPB surgidos nos anos iniciais da década de 1970. (MORELLI, 2009, p. 180).

Para a autora, enquanto Fagner passou para o público e também para a crítica uma

imagem de rebeldia que iria lhe acompanhar no restante da década, Belchior sofreu mudanças

nessa figura, que inicialmente era de rebeldia:

É preciso ver contudo que essa rebeldia só lhe rendeu prestígio na medida em que se voltou contra o “esquema” das gravadoras, quer dizer, na medida em que corroborou a mesma inclusão de Fagner no campo de artistas de prestígio que já fora o alvo daquela estratégia anterior de apadrinhamento, tornando essa inclusão de simultânea no campo dos artistas comerciais. (ibidem, p. 183).

Rita Morelli chama a atenção para o fato de o cantor e compositor Fagner ter tido

vários “padrinhos” quando se lançou na carreira artística.

Como estratégia, porém, isso se manifestou de maneira mais nítida no ano seguinte, quando para lançar o primeiro LP de Fagner, a Philips-Phonogram distribuiu às emissoras de rádio um compacto que continha a gravação de depoimentos pessoais de Ronaldo Bôscoli, Nara Leão, Chico Buarque e Afonsinho sobre o novo artista. (ibidem, p. 181).

86 Fagner e Belchior começam a gravar nos anos 1970. O primeiro aparece em 1972, em um projeto intitulado

Disco de Bolso. Era um projeto idealizado pelo extinto jornal carioca O Pasquim, no qual dois artistas – um consagrado e um iniciante – dividiam a gravação de um compacto. Tratava-se de um “disco de vinil de tamanho reduzido, que trazia geralmente apenas uma faixa por lado. Inicialmente em 45 rpm, o compacto passou a ser gravado também em 33 rpm nos anos 1960.” (DOURADO, 2008, p. 88). Belchior lançou um compacto em 1973 pela gravadora Chantecler. Dois anos antes, ele havia ganhado o IV Festival Universitário da TV Tupi. (MORELLI, 2009, p. 188-189).

O seu primeiro LP foi lançado em 1973 pela mesma Philips-Phonogram. Contudo o

cantor rompeu com a gravadora e ressurgiu somente em 1975 quando lançou um novo disco

pela gravadora Continental. Houve novo rompimento e, no ano seguinte, ele foi contratado

pela CBS, onde permaneceria até 1986

87

.

Morelli aponta que, apesar de Fagner ter sido contratado por uma poderosa

multinacional, a imagem de rebelde não foi prejudicada, visto que ele já tinha a simpatia por

setores da imprensa musical como um sujeito “rebelde”, que não aceitava as pressões de

vendagens pela indústria do disco. Um exemplo é a citação do Jornal da Música, edição de 23

de setembro de 1976, a respeito do cantor:

A sombra do jagunço com mania de Dom Quixote, pronto para apontar as manchas no império multinacional das gravadoras, está agora apenas observando o desenrolar dos acontecimentos, diante da sua forte candidatura a novo superstar da MPB. (REYS apud MORELLI, 2009, p. 186)88

Sobre Belchior, as considerações são mais extensas. Inicialmente, ele surgiu na cena

musical juntamente com Fagner, mais precisamente em 1973, quando lançou pela gravadora

Chantecler um compacto simples. No ano seguinte, saiu seu primeiro LP. Mas, ao contrário

de Fagner, que adotou o discurso de contestação, Belchior foi por outro caminho:

[...] assim como a estratégia de apadrinhamento só seria vitoriosa em seu objetivo de agregar prestígio ao nome de Fagner quando complementada pela rebeldia declarada do artista diante do “esquema” das gravadoras e dos grandes meios de comunicação, também a contestação a alguns dos artistas já então estabelecidos no campo da MPB parece ter feito diminuir o prestígio de Belchior porque se fez acompanhar [...] de uma atitude de extrema aceitação desse mesmo “esquema”. Isso, de fato, terminou por radicalizar a exclusão do artista do próprio campo da MPB que ele já vinha contestando, num processo inverso ao ocorrido com Fagner, cuja rebeldia contra as gravadoras reforçou a mesma inclusão do artista em tal campo que já fora anunciada desde o início por seus padrinhos famosos. (ibidem, p. 190).

Essa perda de prestígio em relação a Belchior deve-se ao fato de ele ter mudado a

temática das suas músicas e também em relação à sua imagem pessoal. Porém Morelli chama

a atenção para este detalhe importante:

87 “Fagner permaneceu na CBS até 1986 e de fato se transformou em ‘novo superstar’ da MPB a partir dos últimos anos da década de 1970, como o estouro de vendas do LP Quem viver chorará, de 1978, e a chegada da música ‘Revelação’ aos primeiros lugares de paradas de sucesso do todo o Brasil, sendo interessante assinalar que essa música era ao mesmo tempo tema da novela ‘Cara a cara’ da TV Bandeirante, e que a música ‘Noturno’, constante no LP seguinte, seria tema da novela ‘Coração Alado’ da TV Globo.” (MORELLI, 2009, p. 186). A gravadora, até então, não era bem vista pelo fato de agregar no seu elenco artistas como Roberto Carlos, e por não ter artistas voltados para o público de classe média.

88 Ressalta-se que a autora menciona outras fontes de imprensa, não somente as especializadas em música, mas também com o perfil mais amplo como Folha de São Paulo, Veja, Jornal do Brasil, O Globo.

[...] no início de 1976, ao ser interpretado por Elis Regina e lançar o LP Alucinação, Belchior era ainda muito bem quisto pela maior parte da crítica especializada, sendo saudado por ela devido sobretudo à força crítica das letras de suas músicas, ainda que algumas delas se voltassem também contra os “antigos compositores baianos”, como era o caso inclusive daquela que viria ser a mais executada do LP, qual seja, “Apenas um rapaz latino-americano”. (MORELLI, 2009, p. 191).

A mudança na carreira do cantor deu-se a partir do ano seguinte, quando lançou o LP

Coração selvagem, terceiro de sua carreira e primeiro na gravadora WEA.

Belchior já demonstraria, nas letras das músicas do novo disco, estar abandonando o caminho da contestação – muito embora isso não tenha sido observado pela maior parte dos críticos, que chegou a afirmar inclusive o caráter repetitivo desse LP em relação ao anterior89. De fato, o tema dominante nas letras do novo disco continuava sendo a experiência da juventude que tinha sido vivida pela geração de 1960. No entanto, não se encontrava mais nas referências a essa geração a mesma autocrítica encontrada no disco anterior. (ibidem, p. 194).

Porém, conforme Rita Morelli, tal mudança acabou ligada ao expressivo sucesso que

esse disco alcançou, visto como uma moldagem do cantor ao esquema do show business.

Reproduz-se, aqui, a crítica de Jary Cardoso, publicada na edição de 3 de setembro de 1977

do jornal Folha de São Paulo, sobre o show de lançamento do referido LP.

A impressão que tive ao ver “Coração selvagem” é que Belchior não parece mais convicto de que “nada é divino, nada é maravilhoso”. Ele está encantado com o rápido sucesso alcançado em poucos meses. Já não é mais “apenas um rapaz latino- americano” e muito menos “sem dinheiro no banco”. Pelas letras que se ouvem o tempo todo no rádio, Belchior é amargo, ressentido, desiludido e talvez fosse assim mesmo quando veio para o Sul, em 71, mas agora não é mais. No palco comporta-se como quem está nas nuvens, levitando com os aplausos, vaidoso, feliz e despreocupado. Porque não ser sincero, assumindo integralmente essa nova imagem e deixando de lado a morbidez? (CARDOSO apud MORELLI, 2009, p. 197).

Mas foi no ano seguinte, 1978, que ocorreu a grande mudança na imagem do cantor,

quando foi lançado o LP Todos os sentidos, lançado pela mesma gravadora WEA

90

. O que

antes era uma tendência de rejeição do cantor pela crítica, agora estava se consolidado:

Em parte, a rejeição do novo trabalho de Belchior pela unanimidade dos críticos pode ser atribuída à própria adoção do ritmo discotheque, que não deixava de ser

89 Edições de 26 abr. 1977 do jornal O Globo; Revista Veja, de 25 abr. 1977 e 27 jul. 1977; Jornal de Música, ago. 1977 (MORELLI, 2009, nota 60, p. 194).

90 Em termos musicais, o LP conta com a participação do grupo As Frenéticas e do cantor Ney Matogrosso. Com a presença destes, somada à iniciativa do produtor Marco Mazzola, conforme observa a autora, “houve uma tentativa de explorar ao máximo o ritmo discotheque, que então fazia sucesso devido à exibição do filme ‘Os embalos de sábado à noite’ e da novela ‘Dancing Days’. E de fato, as três músicas do LP Todos os sentidos cuja temática é sensual, são também músicas que têm ritmo de discoteca.” (MORELLI, 2009, p. 199).

uma adaptação do conteúdo de sua obra no mercado, consistindo assim uma atitude artística extremamente desprestigiosa. No entanto, o que parece ter causado maior repugnância à crítica foi na verdade a sensualidade e, acima de tudo, o fato de o artista tem aparentado explorá-la não apenas no conteúdo de sua obra mas também em sua própria imagem pública. O fato de Belchior ter aparentado estar querendo construir uma imagem sensual, e principalmente o fato de que essa imagem não parecia ser exatamente uma emanação direta e espontânea de sua própria personalidade devem ter sido, de fato, as principais razões da perda de prestígio. E isso porque, mais do que uma adaptação de seu trabalho artístico ao mercado, essa atitude podia significar, aos olhos da crítica, que seu trabalho estava perdendo a própria característica de trabalho artístico, através da perda do caráter autêntico de sua imagem pública [...]. (MORELLI, 2009, p. 200).

O impacto dessa situação é imediato ante a crítica da época. A própria autora relata:

[...] nas matérias publicadas pela imprensa paulistana às vésperas da estréia do show “Todos os sentidos”, em São Paulo, há referências críticas ou irônicas ao novo conteúdo da obra de Belchior, tanto no que diz respeito ao ritmo discotheque quando no que se refere à temática sensual das letras. “Estaria o cantor e compositor Belchior abandonando sua contestação para embarcar no alucinante ritmo discoteca?”, pergunta, por exemplo, o crítico do Diário Popular91. Já o da Última

Hora parece ironizar: [...] Belchior que foi influenciado por Bob Dylan no início da sua carreira, agora está com Reich e não abre. O corpo, o prazer, os sentidos são inspiração para músicas novas e uma nova compreensão das coisas.”92. No entanto, a ênfase dessas matérias é sempre a imagem sensual do artista e, principalmente, as artimanhas aparentemente empregadas por ele, com o objetivo de construí-la. (ibidem, p. 201).

Morelli relata que o investimento na imagem do cantor e as repercussões negativas na

imprensa musical refletiram no LP seguinte. Em Era uma vez um homem e seu tempo essa

postura foi deixada de lado, quanto à imagem do cantor e quanto à musicalidade

93

.

Independentemente do encaminhamento da autora, cabe mencionar aqui o que diz

Simon Frith (1996) a respeito da crítica. Apesar de ele falar especificamente do rock e do pop,

a questão não se restringe a esses gêneros:

A crítica ao rock é induzida pela necessidade da diferença: a música é boa porque é diferente, diferente da tendência dominante no pop, diferente na intensidade especial de sensações que induz a partir disto. A crítica no caso é também parte de explicação da música: o julgamento é a explicação, a explicação é um julgamento. As descrições musicais são rotineiramente analisadas, por exemplo, em termos

91 Diário Popular, 2 ago. 1978 (MORELLI, 2009, nota 79, p. 201). 92 Última Hora. 2 ago. 1978 (MORELLI, 2009, nota 80, p. 201).

93 “[...] apesar da presença esporádica de frases relativas à temática sensual em algumas letras, sendo uma delas inclusive inteiramente dedicada a isso (‘Medo de avião II’), e apesar de haver por outro lado algumas letras nas quais o tratamento dado à temática da juventude dos anos de 1960 é muito mais saudosista do que crítico, como é o caso da própria letra da música que viraria a ser a mais executada do LP (‘Medo de avião’), a maior parte das letras das músicas desse disco é voltada para a crítica social e política, havendo duas que questionam imagens estereotipadas do Brasil e dos brasileiros (‘Retórica sentimental’ e ‘Meu cordial brasileiro’), uma que ironiza a situação do povo nordestino em relação ao resto do país (‘Conheço o meu lugar’), outra que fala do cotidiano de um homem pobre e trabalhador numa cidade grande (‘Pequeno perfil de um cidadão comum’) e finalmente uma na qual se saúdam a anistia e a volta dos exilados ao Brasil. (‘Tudo outra vez’).” (MORELLI, 2009, p. 205).

sociológicos: “música ruim” não é taxada em referência a sistema “ruim” de produção ou tão “ruim” aos efeitos sociais; a avaliação crítica funciona pela referência as instituições sociais ou as maneiras pelas quais, a música simplesmente age como uma marca. (FRITH, 1996, p. 69).

Frith esclarece esse ponto. Para ele, música ruim é estandardizada ou significa uma

fórmula de música, enquanto que a boa música remete a uma estética original ou autônoma.

Nesse sentido, podem ser tecidas algumas considerações a respeito da associação entre esses

dois autores, em esferas de análise compartimentadas.

No caso de Morelli, ela observa que a estratégia de Fagner foi permanecer como um

artista “rebelde”, pois em “em várias entrevistas anteriores, datadas de 1976, Fagner já tivera

oportunidade de comparar-se a Belchior e Ednardo

94

e de sustentar sua imagem de rebelde e

seu próprio prestígio a partir dessa comparação.” (MORELLI, 2009, p. 211). Para a autora,

Fagner restringiu seu discurso à justificativa de ser um artista rebelde, inclusive passando a

adotar uma boina – associada geralmente com o líder guerrilheiro Che Guevara.

Posteriormente, tal imagem foi deixada de lado e, gradativamente, Fagner passou a ser

integrado às paradas de sucesso. Em relação a Belchior, a crítica não se limitava à questão

musical:

[...] é preciso lembrar que mesmo a adoção de uma imagem e de uma temática sensuais por Belchior só foi depreciativa porque se tornou evidente o seu caráter artificial, isto é, porque se tornou evidente a existência de intenção e estratégia, não sendo a sensualidade uma característica inerente àquilo que se poderia considerar como a verdadeira natureza pessoal do artista. (ibidem, p. 214).

A discothèque – adotada por Belchior a partir de 1978 – era uma estética musical

malvista por grande parte da crítica daquela época. A partir de então, o cantor passou a ser

criticado de forma contundente por essa mudança, como já foi relatado.

Saindo do contexto do qual Morelli faz sua análise, a questão de Belchior, se

direcionada para o âmbito deste estudo – a crítica musical –, pode ser traduzida perfeitamente

através do enunciado de Simon Frith: “a avaliação crítica funciona pela referência às

instituições sociais ou as maneiras pelas quais, a música simplesmente age como uma marca”.

Em outras palavras, no caso do cantor, a atitude dos críticos musicais foi de questionar

especificamente a mudança na sua imagem, em vez de estabelecer uma análise estritamente

musical.

94 Tanto Fagner, quanto Belchior e Ednardo são cearenses. Naquele momento, o acontecia era que Fagner fazia menos sucesso que seus conterrâneos.

Outro estudo acadêmico que trata sobre a crítica é o livro Cultura, rock e arte de

massa, de Antônio Marcus de Souza. O objetivo do autor é “consideravelmente mais simples:

pretendo discutir algumas questões da cultura rock no Brasil durante a década de 80, com um

enfoque centrado a partir da trajetória das bandas ‘Paralamas do Sucesso’, ‘Legião Urbana’ e

‘Titãs’ (SOUZA, 1995, p. 19). Em sua obra, relata várias formas de criticismo envolvendo a

música pop e também o rock que apareceu em nosso país nos últimos anos 30 anos.

Souza nos detalha os motivos de usar estes textos:

A minha tentativa será de mapear momentos em que a crítica expulsou, ou negligenciou, a polissemia da música popular (MPB ou rock) industrial e concentrou-se em um tipo de esforço para inaugurar, ou simplesmente dar continuidade, às atitudes contemplativas desta arte. O material que estou trabalhando é basicamente constituído de ensaios, artigos e entrevistas produzidos por intelectuais ou críticos de cultura. Discussões feitas às vezes para cadernos especializados do jornalismo cultural e posteriormente transformados em livros. É, na maioria das vezes, uma crítica organizada no meio da intelectualidade, da academia brasileira. É necessário antes de tudo, observar que o pensamento dos críticos selecionados não tem necessariamente estacionado no determinado momento histórico que escreveu o artigo ou ensaio – nada impede que os autores tenham executado outros movimentos teóricos ou estéticos e superado suas eventuais lacunas no entendimento dessa cultura. Os textos selecionados são, precisamente, indicações teórico-estéticas sobre o comportamento da crítica mais especializada no tratamento da música comercial brasileira, centrando-se sobretudo na novidade sonora feita a partir do fenômeno rock. (ibidem, p. 53).

Nos dois primeiros textos trabalhados pelo autor

95

, identifica-se um traço comum em

relação ao rock como elemento estranho à cultura musical brasileira. Apesar de terem sido

escritos em épocas diferenciadas, Souza aponta justamente para a busca de uma base estética

que enfrentasse os músicos brasileiros que integravam o rock brasileiro: as ideias

antropofágicas criadas por Oswald de Andrade. E acrescenta, numa clara referência a críticos

como Tinhorão e Tárik de Souza: “A questão das importações, que na verdade revela a

relação cultural do Brasil com países do Primeiro Mundo, tem aparecido nos últimos anos

como um fantasma para muitos críticos.” (ibidem, p. 56). Souza faz ressalvas à forma como

Tárik de Souza faz críticas severas a toda e qualquer forma dos grupos de rock que surgiam

nos anos 80 no país.

Ao agir desta forma, os dois autores [José Ramos Tinhorão e Tárik de Souza] acabam promovendo a sacralização do ideário antropofágico e impedem que uma das heranças do modernismo se concretize contemporaneamente – ou pelo menos as novas gerações procurem o exercício dessa antropofagização. (ibidem, p. 59).

95 Tropicalismo, de José Ramos Tinhorão, publicado no livro Pequena História da Música Popular. São Paulo: Art Editora, 1986; Punk, disco, reggae, new wave, nova jovem guarda, de Tárik de Souza, publicado no livro O

Júlio Medaglia

96

abordou em um artigo o rock mundial, fazendo um corte e inserindo