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2.1 Trajetória do rock brasileiro

2.1.2 Dos anos 1980 aos 2000: a consolidação

Júlio Ribeiro e Ricardo Alexandre servem de guias para entender esse período, além

de Janotti Jr. Para eles, com a chegada da década de 1980, surgia uma nova geração de

representantes do rock brasileiro. O Rio de Janeiro, inicialmente, foi o epicentro dessa

renovação, a partir de 1982:

O “rock carioca”, o primeiro a ter grande acesso às gravadoras instaladas no Rio de Janeiro, logo recebeu da imprensa paulista a alcunha de “rock de bermudas”, por ter um pretenso descompromisso com assuntos mais sérios – a seriedade exigida pela maior parte destes nativos roqueiros era qualificada, neste momento, numa atitude mais inconformista ou de rebeldia anárquica – e optar, de modo geral por uma música “comercial”, de apelo pop, caracterizada pela irreverência suave e pela exaltação da “juventude carioca da Zona Sul”. A expressão assumia uma conotação pejorativa principalmente quando empregada com a intenção de classificar o trabalho de uma banda de “armação”, ou seja, destituída de “atitude”, mise-en-scène com vistas somente a alcançar o sucesso. Foram abarcados por este rótulo – embora, é claro, nenhuma dessas bandas reconheça esse enquadramento, e algumas tenham posteriormente fugido desse estigma – os grupos “Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens”, “Blitz”, “João Penca e seus Miquinhos Amestrados”, “Paralamas do Sucesso” e “Barão Vermelho”, e os músicos Lobão, Ritchie, Lulu Santos e Leo Jaime. (RIBEIRO, 2009, p. 50).

A cidade de São Paulo também contribuía para esse novo momento do gênero no

Brasil:

São Paulo teve uma “cena” – articulada em torno do circuito das danceterias, onde diversas bandas iniciantes se apresentaram em um mesmo dia – de inclinações “vanguardísticas”, new wave e punk, sendo grande parte dos roqueiros (muitos deles críticos de música) antenados com as novas tendências européias e americanas. Destacaram-se para o grande público alguns conjuntos: “Titãs”, banda eclética, programaticamente camaleônica [...]; “RPM”, com balizamento sonoro e cênico no novo pop inglês, mas também com arranjos que lembram o rock progressivo; “Ultraje a Rigor”, que tanto por fazer um rock revisionista dos anos sessenta quando por criar letras de intenso bom humor lembrava mais (fora o sotaque) uma banda carioca; e Ira!, de ascendências punk e mod ressaltadas nas letras e no vestuário. (RIBEIRO, 2009, p. 51).

Embora muitos grupos começassem a surgir em outras capitais

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, era o eixo Rio de

Janeiro/São Paulo que capitaneava as novas bandas:

Rio de Janeiro e São Paulo foram o centro do “painel roqueiro” que se instaurou no país: as bandas de outros estados, antes de assinarem com qualquer gravadora, tiveram de peregrinar pelas danceterias paulistanas e/ou casas de shows cariocas

62 Foi o caso de Porto Alegre, responsável pelo surgimento de grupos como Engenheiros do Hawaii, Nenhum de

Nós, Replicantes, De Falla e também de Salvador, que tinha o Camisa de Vênus. Apesar de esses grupos terem práticas musicais diferenciadas, todos tiveram inserção na mídia e também certo padrão musical direcionado para tocar em rádios.

(Circo Voador, Noites Cariocas etc.), além de enviar fitas demos para rádio desses estados, como a Fluminense FM. Muitos dos “principais discos” foram gravados no estúdio “Nas Nuvens” no Rio de Janeiro, sob a batuta dos produtores Peninha e Pena Schmidt, que ofereciam equipamentos modernos e larga experiência em gravação. Liminha era multi-instrumentista e exímio baixista – tocou com os Mutantes desde a fase áurea – e estava sempre atualizado com o pop internacional influindo decisivamente no som de muitos artistas (Titãs, Ultraje a Rigor, Lulu Santos, etc.). (RIBEIRO, 2009, p. 52).

O rock brasileiro teve um marco divisor em um festival acontecido em janeiro de

1985: o Rock in Rio I, que significou o início da escalada do gênero na mídia brasileira. Esse

evento também provocou um boom fonográfico do rock, como atesta Ricardo Alexandre ao

enfatizar que “no janeiro do Rock in Rio, as vendas de discos foram 241% maiores que no

mesmo período de 1984” (ALEXANDRE, 2002, p. 218).

No ano seguinte, com o Plano Cruzado em curso, as vendas de LPs expandiram-se de

forma impressionante:

Com a inflação domada na marra, veio o aumento do poder de compra e uma injeção de novos consumidores no mercado. Até julho, a indústria de discos no Brasil já crescera 30% em relação ao mesmo período de 1985. No segundo semestre, com os lançamentos de “de peso” os números assombravam: 9 milhões de discos vendidos em relação ao ano anterior. [...] O Plano Cruzado e sua aparente estabilidade monetária foram um anabolizante e tanto para a indústria brasileira. A reboque, a música pop nacional viveu seus tempos de maior prosperidade. (ALEXANDRE, 2002, p. 239).

A prova de que o rock brasileiro desse período viveu um período de efervescência

resume-se no fenômeno de vendas do grupo RPM, cujos dois primeiros LPs impactaram toda

a mídia musical e também o público, através de uma superprodução:

[...] o RPM estreou seu show no Teatro Bandeirantes, em São Paulo [...]. Foi um evento. Mil e quinhentos lugares disputados a golpes de caratê. Chacrinha, mesmo doente, saiu do Rio de Janeiro só para assistir à estréia do grupo. Era algo coberto de ineditismo, pompa e circunstância. [...] Toda a imprensa, estupefata, vibrava com o detalhismo e a tecnologia envolvida na produção. “Há até um microcomputador no palco, fazendo as vezes de mais um instrumento, prometendo simular ao vivo, as condições de um estúdio de gravação”, dizia a matéria do Estadão. Luiz [Schiavon, tecladista do grupo], tocava com dois monitores de computador, um deles virado para o público, exibindo fractais e luzes piscantes. “Era um troço meio estúpido, mas era o Plano Real do rock brasileiro, tipo ‘Vamos entrar no Primeiro Mundo’”, acredita Paulo Ricardo. “O que importava era a sensação de modernidade. Vi um show de laser com o Genesis e depois com o RPM”. Sacou? Genesis... RPM... Cria- se uma ilusão de igualdade. O lance era que, depois de anos, o rock brasileiro não tinha mais cara de bandido. [...] Tínhamos todos aquela sensação de contemporaneidade com o que rolava no resto do mundo. (ALEXANDRE, 2002, p. 230).

Após o apogeu e o declínio do Plano Cruzado, o rock brasileiro entrou igualmenteem

queda. Essa tendência se manifestou a partir de 1987, mas foi no ano seguinte que o gênero

“francamente perdia sua posição de exclusividade no mercado juvenil de classe média. Não

era mais considerado pelos jovens e adolescentes, o mesmo que conquistou para o mercado

fonográfico, como sua primeira preferência.” (GROPPO, 1996, p. 273).

Na década seguinte, as mudanças ocorreram pelo víeis industrial: “Nos anos 90, o rock

brasileiro ganharia em profissionalismo, mas perderia esse romantismo, esse período amador.

Até bandas com formato de rock violento passaram a trabalhar em termos industriais.”

(ALEXANDRE, 2002, p. 367).

Ainda assim, o rock brasileiro, se chegou enfraquecido à década de 1990, através dos

grupos já mencionados

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, ele foi revigorado com o surgimento do grupo Sepultura e também

do movimento mangue beat. Janotti Jr. observa que se trata de um exemplo típico do binômio

envolvendomúsica e mundialização

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:

Abordar a trajetória da banda mineira “Sepultura” é um modo de exemplificar como as diversas ramificações do “rock” em suas relações com as tensões que envolvem o global e o local pode assumir contornos diferenciados de acordo com as cartografias dos diversos gêneros que transitam dentro do “rock”. Paradoxalmente, o “Sepultura” é uma banda com grande circulação em meio aos conglomerados multimidiáticos, mas pouco ouvida fora dos circuitos restritos de consumo especializado. Assim, esse parênteses, a trajetória do “Sepultura” e, em parte do heavy metal brasileiro, se justifica como exemplificação do consumo segmentado que caracteriza boa parte do “rock” produzido atualmente. (JANOTTI JR., 2003, p. 88).

Após lançar seu primeiro disco pela gravadora holandesa Roadrunner, passou fazer

sucesso em todo o mundo. O trabalho fonográfico seguinte, Arise, vendeu no Brasil em torno

de 100 mil cópias. No exterior foram 800 mil cópias.

O movimento mangue beat, impulsionado por grupos como Chico Science & Nação

Zumbi e Mundo Livre S.A., surgiu em 1993:

63 A perda de mercado de grupos como Paralamas do Sucesso, Titãs, Legião Urbana, entre outros, foi afetada pelo esgotamento de uma fórmula que estava dando certo. Adotar o estilo pop rock acaba sendo uma estratégia utilizada em outros gêneros, como sertanejo, pagode e axé music, que estavam em voga naquela época. “Se o sertanejo, o pagode e a ‘axé music’ têm origens popularescas, no entanto recebem uma produção musical toda ela tomada do pop-rock (tecnologias de estúdio, instrumentos elétricos e eletrônicos etc.), assim como a divulgação (através das rádios FMs, telenovelas, shows pirotécnicos) e o público alvo (a juventude de classe média).” (GROPPO, 1996, p. 282).

64 Uma tendência que começou já na década anterior com os shows dos grupos Jackson Five (1974), Rick Wakeman (1975), Genesis (1977) e Frank Sinatra (1979). Nos anos 1980, a consolidação ocorre com o Rock in

Rio I, que sinaliza com a incursão definitiva de artistas estrangeiros ligados ao pop e rock internacionais, e também a consagração de grupos como Kid Abelha, Paralamas do Sucesso, Blitz e artistas como Lulu Santos e Lobão. Antes, porém, os shows dos grupos Queen e Kiss – respectivamente de abril de 1981 e maio de 1983, já davam mostras que havia uma mudança em incluir o Brasil no circuito dos grandes shows internacionais.

[...] foram as bandas que impulsionaram o movimento oriundo de Recife, que misturava em seu início, jovens universitários, pessoas oriundas das cenas “funk” e “hip hop”, além de jovens da periferia [...]. Como na época a MTV possibilitava ao rock uma existência independente do grande mercado fonográfico, as gravadoras começaram a apostar em lançamentos segmentados. Assim, a gravadora Sony lançou em 1994 Da lama ao caos, primeiro LP de Chico Science & Nação Zumbi que deu novo fôlego ao “rock” nacional. As 30 mil cópias vendidas inicialmente demonstram que apesar da visibilidade e da influência conquistadas pelo álbum, o consumo foi segmentado, voltado para um público que troca informações via internet, que assiste MTV e compra revistas especializadas. (JANOTTI JR., 2003, p. 100).

Apesar da morte de seu principal idealizador, Chico Science, em janeiro de 1997, esse

movimento “ajudou a cristalizar os mitos de sua genialidade e da cena recifense. O movimento

mangue beat afirmou-se valorizando o particular como modo de inserção na teia global”

(ibidem, p. 100).

Na última década do século XX, outros grupos surgiram com uma proposta de

contestação. Charlie Brown Jr., Planet Hemp e O Rappa “revitalizaram a contestação juvenil

através do apelo à diversão, à descriminalização da maconha e às denúncias das desigualdades

sociais em músicas agressivas e que não abrem mão da sonoridade distorcida sendo, em

termos musicais, essencialmente bandas de rock” (ibidem, p. 101).

Atualmente, vários desses conjuntos continuam em atividade. Outros surgiram e

desapareceram de forma abrupta. Porém esse ponto não será retomado posteriormente – serve

para ilustrar a trajetória do rock, – já que este trabalho enfoca a relação entre a crítica musical

e as revistas de música.