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O CONTEXTO DA PESQUISA: O TEMPO DE TRABALHO NA VOLKSWAGEN DO ABC

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esta pesquisa, tenho como locus de análise o espaço do local de trabalho da Volkswagen do ABC. Um dos espaços privilegiados onde se expressa o conflito entre os empresários, que buscam objetivar, entre outros, o tempo comprado dos trabalhadores e, por outro lado, onde os trabalhadores tentam se reapropriar subjetivamente do seu tempo. E esse conflito, que é permanente, irá se configurar de diferentes formas, a cada momento histórico. Assim, ao olharmos para a história da Volkswagen no Brasil, considerando o seu desenvolvimento geral e as mudanças ocorridas no tempo de trabalho, veremos que é possível dividi-la em quatro grandes momentos. Trato, neste capítulo, desses quatro momentos da história da Volkswagen, dedicando maior atenção para o quarto momento, pós 1995, por ser o foco da análise desta tese. No primeiro momento, entre os anos 1950 e final dos 1970, observo o movimento de expansão tanto da produção e do emprego como do tempo de trabalho. No segundo momento, entre o final dos anos de 1970 e meados dos anos de 1980, o foco está na retomada das lutas sindicais, principalmente, nas reivindicações voltadas para a redução da jornada de trabalho. Já no terceiro período, entre 1986 e 1995, enfoco o processo de mudanças na organização do trabalho e da flexibilização não declarada e não negociada do tempo de trabalho. A discussão do quarto período, entre 1995 e 2005, foi dividida na seguinte estrutura: primeiramente, localizo as mudanças ocorridas no contexto macro, bem como as mudanças mais gerais que se desenvolveram na Volkswagen, sobretudo, após o fim da Autolatina e da Câmara Setorial. Em seguida, observo com mais detalhes as negociações que foram desenvolvidas dentro da Volkswagen do ABC, no momento em que a Empresa ameaça fechar esta unidade. Estas negociações são estudadas a partir dos reflexos provocados no tempo de trabalho, com atenção especial às mudanças implementadas no próprio tempo de trabalho, como as diversas formas de flexibilização adotadas.

5.1 - Dos anos 50 ao final dos 70: expansão da produção, do emprego e do tempo no trabalho

Este primeiro momento da história da Volkswagen inicia-se com sua instalação no Bra- sil, em 1953, e se estende até final dos anos 1970. É caracterizado por um movimento de expan- são da Empresa, que, por sua vez, acompanhava o próprio crescimento do setor automobilístico no Brasil. Um momento, portanto, de expansão da produção, do emprego e do tempo no traba- lho. Desde os anos 20 registramos a presença de montadoras automobilísticas no Brasil. As primeiras a se estabelecerem no país foram a Ford, em 1919, e a General Motors (GM), em 1925. Entretanto, foi a partir da década de 1950 que o setor cresceu e começou a adquirir a complexidade atual, com a instalação de diversas empresas no estado de São Paulo, entre elas a Volkswagen. Mas não foi apenas a Volkswagen1 que nasceu durante esse período, pois medidas governamentais na forma de incentivos oficiais acompanharam e estimularam o rápido avanço das montadoras no Brasil, assim como investimentos em infra-estrutura e indústrias de base (Bresciani, 1997).

Em 1953, a Volkswagen localizava-se no bairro Ipiranga, em São Paulo, montando os seus primeiros veículos Kombi e VW Sedan, conhecido como fusca (Diário Grande ABC, 2003). Em 1957, quando instala a fábrica Anchieta, no ABC, a Volkswagen passa a assumir seu papel entre as pioneiras do “boom” de industrialização ocorrido no pós-guerra. Um dos símbolos da evolução industrial do país, a planta Anchieta, se caracterizou pelo gigantismo. No pico da produção dos anos 80, chegou a ter 38 mil trabalhadores; num total de 45 mil, se considerarmos todas as plantas da Volkswagen no Brasil. A fábrica Anchieta é estruturada em prédios de grande porte em geral correspondendo a uma “Ala”, como são denominados os departamentos produti- vos. Com estruturas de gestão segmentadas, ressaltando duas macro-áreas – a armação/monta- gem/pintura (ou B&A, body and assembly) e a área correspondente à força motriz (ou PTO,

powertrain, que inclui motores e câmbio) –, além da ferramentaria, engenharia e do setor admi-

nistrativo.

Entre início e meados dos anos 1960, a indústria automotiva passou por dificuldades com o declínio da economia do país, acompanhada de uma capacidade produtiva acima do potencial de absorção pelo mercado, além da recessão e do golpe de Estado. A partir de 1967, o 1. Entre elas a Toyota, em São Bernardo do Campo (SBC), 1959; Willys, 1952; Mercedes-Benz, em SBC, 1956; Scania, SBC, 1957; Simca, 1958; GM, em São José dos Campos (SJC), 1959; Karmann Ghia, em SBC, 1960 e Ford, em SBC, 1969 (DIEESE, 2002).

setor passou por uma reconfiguração através de processos de fusão e aquisição entre Empresas, a partir do qual Volkswagen, Ford e GM solidificaram suas posições no mercado brasileiro. No final dos anos 1970, novas Empresas e plantas foram instaladas no Brasil2, consolidando o processo de recuperação do setor. Em relação à gestão do trabalho, de acordo com Salerno (1989), no período entre os anos 1950 ao final dos 1970, num contexto de mercado ainda pouco competitivo, as empresas automobilísticas tinham suas estratégias marcadas pela redução do custo do trabalho, controle de preços, repressão aos Sindicatos, compressão dos salários, alta rotatividade e intensificação e extensão da jornada de trabalho. Nos relatos de José, trabalhador aposentado na Volkswagen desde 1968, ou ainda Gomes, dirigente sindical também aposenta- do, fica explícita a extensão da jornada de trabalho.

“Quando eu entrei fazia 2 horários, me lembro como se fosse hoje, trabalhava das 6h00 as 4h30, que hoje mudou muitos os horários, era 48 horas até mais, hoje eu nem sei quanto que é deve ser 39, 40 horas. Então diminuiu bastante, naquele tempo não, era das 6h00 as 16h24 e das 16h24 as 2h20 da manha” (José).

“A grande reivindicação era salário e redução da jornada do trabalho. Que para falar para você, eu entrei na fábrica, 1974, trabalhávamos 48 horas semanais. Eu saí agora [aposentou] em 2003, trabalhando 40 horas semanais. Isso significou uma redução em 30 anos de 8 horas por semana que não é pouca coisa, esse foi uma conquista palpável” (Gomes ).

Mas não era apenas a jornada de trabalho contratada que era longa, pois a esta se soma- vam as horas extras que, em função da pressão da Empresa, os trabalhadores se viam obrigados a cumprir, como vemos na fala de José:

“Então eu trabalhava das 16h24 as 6h direto. Ou às vezes que eu entrava às 6h, eles pediam para ficar até às 18h. Teve época que ficou apertado, você era praticamente obrigado a fazer isso daí. O pessoal que não colaborava era visto de outra maneira. Você vê que muita gente foi mandada embora, porque às vezes o cara não fazia o que a chefia queria”. (José)

Somado a este contexto, havia ainda a própria situação de muitos trabalhadores que relatam terem chegado à São Paulo sem dinheiro, tendo ainda a responsabilidade com a família

2. Como a Ford, em Taubaté - SP, 1974; Fiat, em Betim - MG, 1976; Mercedes-Benz, em Campinas - SP, 1978; Volvo, em Curitiba - PR, 1979 e a Agrale, com plantas em Caxias do Sul - RS e duas em Manaus - AM, no ano de 1983 (DIEESE, 2002).

que ficou na terra de origem. Entrar na Volkswagen significava uma perspectiva de mudança radical na vida: um tempo de trabalho regular, um salário garantido, uma carteira de trabalho e um tempo de trabalho contínuo. Assim, vemos que do ponto de vista do tempo de trabalho, este período foi marcado pela sua expansão, seja pela longa jornada de trabalho contratada, como também pela forte demanda pela realização de hora extra.

5.2 - Anos 80: o início da luta pela redução da jornada

Um segundo momento, abrangendo o final dos anos 1970 e seguindo até meados dos 1980, se caracteriza pelo grau de conflito mais acentuado entre Empresa e Sindicato, no contex- to da reafirmação do movimento sindical3como ator político. O foco da reivindicação abrangia a questão da negociação direta com o setor patronal, o reajuste salarial, a organização no local de trabalho e a redução da jornada de trabalho.

Do ponto de vista econômico, este período é marcado pela recessão dos anos 80, depois de um crescimento da produção brasileira de veículos automotivos, até atingir o pico no ano de 1980. Essa crise teve como conseqüência, a queda da produção, diminuição das vendas, rebai- xamento do nível de emprego e pouco investimento em termos de expansão de sua capacidade (Bresciani, 1997). Provocou ainda uma alteração no enfoque adotado pelas montadoras para o mercado externo.

Neste contexto, a Volkswagen inicia alguns processos de mudanças tanto do ponto de vista tecnológico como organizacional, considerando que, de acordo com Barbosa (2002), as mudanças implementadas até este momento não chegaram a produzir alterações significati- vas na configuração da estrutura produtiva. Em relação às inovações tecnológicas, de acordo com o autor, as mudanças que ocorrem neste período são: a introdução dos equipamentos de comando numérico computadorizado na ferramentaria e manufatura e a instalação da primei- ra estação de solda automática. Já no que se refere à mudança organizacional, a Empresa implementa, na campanha “Juntos para o Futuro”, um programa de Círculos de Controle de 3. O surgimento do chamado “novo sindicalismo”, tendo como berço os metalúrgicos do ABC, coloca em xeque o modelo de relações industriais vigente no país desde meados dos anos 30. Na relação trabalho/capital, esse momento é marcado pela resistência do setor patronal em negociar diretamente com os trabalhadores, resultan- do, na maior parte das vezes, na intervenção do Estado através da Justiça do Trabalho. Essa ação é alterada quando os metalúrgicos passam a pressionar o setor patronal através de paralisações, forçando a negociação direta, sendo que, a partir daí, vemos novas demandas e conquistas surgirem nas negociações coletivas neste setor. (Cardoso, 1998b).

Qualidade – CCQ, com objetivo de envolver os trabalhadores na busca de soluções voltadas para a melhoria da qualidade do produto e do processo produtivo.

Este programa não teve uma duração muito longa, com encerramento em meados dos anos 80. Para Barbosa (2002), a implantação dos CCQ’s era vista com desconfiança pelo Sindicato, em função da recusa da Empresa em discutir este processo, numa relação já desgastada com o recente episódio da Volkswagen tentar implantar uma Comissão de Fábrica, em 1981 –, à revelia do Sin- dicato que se encontrava sob intervenção do regime militar. Sobre o período em questão, Arlindo, um dos dirigentes sindicais entrevistados, ressalta que, “... foi um período muito confuso, pois os trabalhadores não sabiam quem os representavam, se era a Comissão de Fábrica ou o CCQ”.

E apesar da ação sindical contrária ao CCQ, de acordo com Mendes, antigo representante dos trabalhadores, “ o CCQ nunca deixou de existir por conta de uma ação sindical..., no geral sempre que a fábrica chamou, a peãozada sempre participou, como hoje participa do tal PMC², dos planos de sugestões”. Ainda ressalta que a participação nesses programas, sobretudo nos CCQ’S, significou, para os trabalhadores, a possibilidade de ser reconhecido pela Empresa além de fazer um trabalho diferente, durante alguns períodos, saindo, portanto da pressão das linhas de produção. Diante dessas inovações, de acordo com Barbosa (2002), a posição do Sindicato foi de reivindicar contrapartidas para o aumento de produtividade, no sentido de manutenção dos empregos, redução da jornada de trabalho e aumento da remuneração, bem como o acesso a informações sobre os processos que estavam sendo implementados. Segundo o autor, a conquista da Comissão de Fábrica, no início dos anos 80, foi fundamental para viabilizar as demandas da época. Como citado anteriormente, no ano de 1980, a Volkswagen implanta, unilateralmente, um sistema de representação dos trabalhadores, em meio a uma intervenção do governo no Sindicato de São Bernardo, como forma de combater uma “comissão clandestina”, já existente na Volkswagen desde os anos 70. Após muita negociação, contando inclusive com a participação do Sindicato dos metalúrgicos – IG Metall, em 1982, foi acordada a existência de uma Comissão de Fábrica4 eleita pelos trabalhadores nas plantas Anchieta, Ipiranga e Taubaté5 (Barbosa, 2002). Ainda no que se refere ao alcance dessas contrapartidas, na revisão do estatuto da Comissão de 4. No estatuto elaborado pela Volks estava definido que o Sistema de Representação seria constituído por 17 membros (sete horistas sindicalizados, sete não sindicalizados e três mensalistas), com estabilidade e liberação parcial de jornada. Neste estatuto estava previsto ainda que a Empresa teria a prerrogativa de alterar as disposi- ções do documento, enquanto as propostas dos trabalhadores só entrariam em vigor se aprovados pela Volks. Além disso, não havia nenhuma referência à entidade sindical.

5. No caso da Volks Resende, São Carlos e Pinhais, a Comissão de Fábrica foi conquistada, em 1999, em função do acordo coletivo celebrado entre a Volks e os respectivos Sindicatos no âmbito do Mercosul.

Fábrica, em 1985, foi inserida uma cláusula garantindo o acesso do Sindicato às informações sobre as mudanças tecnológicas e organizacionais (Bresciani e Cardoso, 1999).

A redução da jornada de trabalho também aparece, nesse momento, como uma das rei- vindicações de contrapartida, apesar de já fazer parte da pauta do Sindicato desde 1976. No início de 1985 esta reivindicação foi ampliada para toda a categoria metalúrgica, com a deman- da de uma jornada de 40 horas e aumento do adicional de horas extras para 200%, desencadean- do um amplo movimento grevista, envolvendo os metalúrgicos e químicos do Estado de São Paulo, com duração, na Volkswagen, de 53 dias. Entre 1985 e 1986, a jornada de trabalho, na Volkswagen, foi reduzida para 44 horas semanais.

Mas, se por um lado, os trabalhadores conquistaram a redução da jornada de trabalho, por outro, a Volkswagen inicia uma pressão para reduzir as pausas e expulsar do tempo de trabalho aqueles tempos nos quais os trabalhadores não estivessem produzindo diretamente. Neste caso, a Empresa retirou 5 minutos diários entre o início oficial da jornada de trabalho e o início do funcionamento da linha, utilizados pelos trabalhadores para caminharem entre o vesti- ário e o setor ou ainda preparar o que fosse necessário para rodar a linha, como nos relata Mendes.

“... 06h05 era o horário que começava rodar a linha. Porque esses cinco minutos era o tempo que eu tinha para chegar do vestiário até o meu setor, colocar os meus equipamentos de proteção, acertar as minhas ferramentas, verificar a máquina e aí que eu iria começar a trabalhar. [...] Era uma hora de almoço, e fazia o horário normal e nesse caso não tinha os cinco minutos de tolerância porque supunha que a parte de equipamento e de ferramenta já estava tudo visto na parte da manhã”. (Mendes)

Da mesma forma, as pausas não regulamentadas, as chamadas pausas marrons, foram foco de disputa já a partir de 1986.

“... não ia se ter mais as paradas de café, mas as pessoas podiam fazer o café individualmente. Então, se eu adiantasse a minha produção, se tivesse alguém para segurar ou tivesse uma parada de linha eu sairia e teria o café à disposição. Mas em algumas áreas deu 6 horas da manhã, a chefia ia lá e catava as garrafas de café, jogava tudo fora para não deixar café na área. Então, tudo isso foi cortado esse negócio de cinco minutos pra se higienizar, parada de café cortada, basicamente tudo, claro que isso sim foi cortado num primeiro momento, mas gradativamente foi se ajustando; até hoje você ainda tem na maioria das áreas” (Mendes).

Vemos, então, que, desde a segunda metade dos anos 80, existia uma disputa declarada pelo tempo de trabalho na Volkswagen do ABC. Por um lado os trabalhadores buscavam a redução da jornada de trabalho e o aumento do adicional de hora extra, mas não a sua limitação. Por outro, a Empresa buscou ocupar ao máximo o tempo contido na jornada de trabalho, reduzindo pausas ou expulsando tempos considerados não produtivos. Entretanto, não vemos uma discussão sobre a natureza das mudanças organizacionais, que já começam neste período e que irão se aprofundar a partir da criação da Autolatina com fortes impactos no tempo de trabalho. Como bem salienta Bresciani (1997), nesse período a Empresa não teve problemas para implementar as modificações no processo de trabalho, “seja porque o estatuto facultava apenas a informação, seja porque a comissão não desenvolveu políticas que pudessem questionar os processos objetivamente” (1997:77). Salienta ainda que a Comissão focava a discussão na introdução dos robôs quando eram as mudanças organizacionais que tinham maiores efeitos sobre os trabalhadores, tanto sobre a organização e conseqüente racionalização do trabalho, como sobre o nível de emprego na fábri- ca, que se torna decrescente a partir dos anos 80.

5.3 - Meados dos 80 a meados dos 90: a flexibilização não-declarada e não negociada do tempo de trabalho

O ano de 1987 marca o início do terceiro período, quando o sistema Volkswagen passou por um choque de culturas resultante da fusão com a Ford, no processo de formação da Autolatina (DIEESE, 1987). Por sua vez, o fim da Autolatina, em 1995, é justificado pela própria Volkswagen como decorrente da abertura das importações e do reaquecimento do mercado interno (Volkswagen, 1998). Do ponto de vista macro, após um período de retração do mercado, a indústria automotiva volta a ocupar um lugar de destaque nos dispositivos governamentais, com políticas específicas direcionadas para o setor, tais como a implantação das Câmaras Setoriais e do Regime Automotivo. As conseqüências foram recordes de produção e produtividade, investi- mentos em novas fábricas e intenso processo de transformação do setor.

Com a instalação da Câmara Setorial Automotiva 6, envolvendo Estado, trabalhadores e seus representantes e empresários, caberia aos diversos atores do complexo automotivo elabo-

6. A Câmara Setorial teria como um de seus efeitos substituir o controle de preços realizado pelo CIP, organismo interministerial que discutia basicamente a estrutura de preços de determinados produtos, visando o controle da inflação, o que incluía os veículos. Essas decisões eram discutidas, unicamente, pelo governo federal junto aos empresários das montadoras e autopeças.

rar um diagnóstico sobre os seus problemas principais, bem como um conjunto de proposições comuns e um programa de médio e longo prazo para a recuperação do setor. Este processo resultou em dois acordos, em 1992 e 1993, que possibilitaram respostas econômicas e políticas rápidas, eliminando-se assim as pressões sobre o setor7. Vale ressaltar que na Câmara Automotiva a questão da redução da jornada de trabalho não esteve presente nas negociações tripartites, porque o foco parecia estar na geração de emprego via o crescimento do setor, já que se avaliava que havia muita demanda reprimida. Assim, foi discutido o aumento do adicional de hora extra, em função da retomada e aumento da produção e conseqüente pressão da Empresa para a reali- zação de trabalho no final de semana, como vemos na fala de Edgar:

“Neste momento que havia necessidade de produção o que fez o Sindicato? Tirou do capital o que pôde. Domingo, hora extra era 200%, sábado era 100%”. Mas quando acabou o acordo a produção voltou a reduzir a Empresa começou a falar em mais reestruturação, em demissão, em redução de jornada e salário e, neste momento, “...o Sindicato muda a sua estratégia, demanda a redução ou eliminação de hora extra e a estabilidade no emprego. Então, são dois momentos, dois tempos”. (Edgar)

Neste contexto de crescimento as montadoras passaram a adotar estratégias que abrangi- am a diversificação de modelos, rapidez no lançamento de novos tipos e ampliação dos modelos de carros populares, redução dos tempos de projeto e fabricação dos novos produtos, redução de estoques, ampliação do controle gerencial sobre a produção e o aumento da qualidade (DIEESE, 2002). Todas essas mudanças geraram forte impacto no rendimento do trabalho, resultante tanto de processos de intensificação8 do trabalho como do aumento da produtividade. Assim, apesar da produção recuperar-se a partir de 1992, o número total de trabalhadores em montadoras de veículos passou de 138 mil, em 1990, para 94 mil, em 2001 (DIEESE, 2002).

7. Como resultado destas negociações, o nível de emprego se estabilizou, sendo os planos de demissão suspensos, os salários evoluíram nas montadoras do Estado de São Paulo, havendo ainda desempenho positivo na arrecada- ção do Estado. Além disso, a produção foi retomada, atingindo o patamar de 1.073.761 veículos produzidos no país, semelhante à produção de 1988 (em 90 foram 914.366). “As Empresas também viram seu nível de produ- tividade aumentar de 7,7 veículos/trabalhador em 1990 para 14,8 veículos/trabalhador, em 1994” (DIEESE, 2006: 2). Entretanto, nem todas as metas foram atingidas, pois enquanto as de produção foram superadas, não houve, ampliação do nível de emprego no setor metalúrgico como um todo. (Bresciani e Benites, 1995:92 e Arbix, 1995).

8. De acordo com Coriat (1979, apud Salerno 1989), chamamos de intensificação do trabalho quando dada uma tecnologia constante, um mesmo número de trabalhadores produz ao mesmo tempo uma quantidade maior de