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TEMPO DE TRABALHO: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA RECENTE

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imos nos capítulos anteriores que a sociedade atual passa por uma nova construção temporal e que, no que se refere ao tempo de trabalho, são diversas e profundas as transformações. Tais discussões aportam novos elementos para melhor compreender a construção do tempo de trabalho no Brasil, tanto do ponto de vista macro-político, como micro-organizacional. A análise que realizo, neste capítulo, tem como objetivo apreender o contexto macro social onde se desenvolvem discussões sobre o tempo de trabalho que, por sua vez, influenciam e são influenciadas pelas formas como esse tempo é organizado dentro das empresas. O que possibilitará, mais adiante, realizar uma análise detalhada do contexto micro-organizacional da Volkswagen do ABC, para então estudar as vivências temporais cotidianas dos trabalhadores nesta empresa.

Para tal, neste capítulo, trato da construção social do tempo de trabalho no Brasil, a partir dos anos 1990, considerando os processos de discussão e negociação em torno deste tema e procurando identificar as questões levantadas, as ações implementadas e os argumentos apresentados por trabalhadores, governo e empresários no período compreendido entre 1995 e 2005. Entretanto, para melhor compreender o momento atual, inicio sistematizando brevemente, evidencias recolhidas da literatura sobre como a questão do tempo de trabalho apareceu na esfera pública, expressa nos movimentos de trabalhadores, nas negociações entre sindicatos e empresas, e no espaço político institucional dos debates e iniciativas do Legislativo e do Executivo brasileiros. Desta forma, dou conseqüência ao entendimento, anteriormente expresso, de que a cultura temporal atual é o resultado de construções temporais que foram construídas historicamente e que, para entender o presente, há que se recuar minimamente no processo de sua construção histórica.

3.1 - Tempo, trabalho e tempo de trabalho: rastreando elementos importantes da sua construção no Brasil

Se o trabalho capitalista é uma invenção da modernidade, como vimos anteriormente, como se deu essa invenção no Brasil? Isto é, como se deu o processo de construção social do trabalho e do tempo a ser dedicado a essa atividade? Parto dessas indagações para realizar um rastreamento sobre alguns dos elementos da construção do tempo de trabalho no Brasil e que contribuirá para a compreensão das discussões no momento atual.

Como já discuti anteriormente, a cultura temporal das sociedades industriais teve o tempo do relógio como referência principal, um tempo preciso, abstrato, fracionado, mensurável e universal. Características que se destinaram a orientar os diversos espaços da sociedade, mas principalmente, o espaço do trabalho. De forma que, nessas sociedades, o tempo aparece como um dos principais objetos de disputa entre trabalhadores e capitalistas. No Brasil, veremos que a questão do tempo de trabalho também foi central na história das lutas dos trabalhadores, desde o início do processo de industrialização, sendo um tema catalisador e a partir do qual outras questões subsidiariamente foram sendo colocadas. E foi um processo que envolveu diversos conflitos entre os detentores das terras, do dinheiro e do poder político, que buscavam implantar uma nova concepção de tempo, de trabalho e de tempo de trabalho, e aqueles que tentavam resistir a esse processo.

Leite Lopes (1988) salienta que no início do processo de industrialização no Brasil os trabalhadores se encontravam em uma situação de total desnudamento, não tinham terra e nem instrumentos para produzirem sua subsistência, constituindo-se nas chamadas superpopulações. O autor sublinha que esse desnudamento abrangia muito mais que a questão econômica, sendo tomado, no amplo sentido, pela separação dos trabalhadores de seus antigos valores, de sua concepção de tempo e dos modos usuais de produção e reprodução social. A citação de Kowarick (1987), reflete muito bem o início do processo de industrialização no Brasil:

“(...) a exploração capitalista do trabalho, realizada por meio do assalariamento, não é uma equação que possa ser resolvida de uma maneira simples. Esse processo supõe criar relações sociais de produção que levam ao domínio do capital sobre o trabalhador. É preciso, pois expropriá-lo num duplo sentido: de um lado produzir condições materiais que metamorfoseiam a pessoa em força de trabalho, impedindo sua reprodução autônoma e obrigando-a a se transformar em “mercadoria” que se vende no mercado de trabalho; do outro, é preciso condicioná-lo, no sentido de se

“convencer” a se incorporar no processo produtivo, aceitando a situação de assalariamento ao invés de escolher uma alternativa de vida. O tortuoso processo de produzir força de trabalho, geralmente impregnado de acentuada dose de violência institucional e privada, implica, assim, tanto transformações materiais, em que o acesso da terra é um ponto fundamental, como mudanças culturais e ideológicas que geram no trabalhador a disposição de ingressar na disciplina do processo produtivo” (Kowarick,1987: 113 e 114).

Esta citação estabelece um diálogo com o que vimos em Weber (1989) quando este sublinha que o surgimento de uma nova ética do trabalho não seria absolutamente um produto da natureza ou da violência, sendo seu alcance possível somente com a adoção de um longo processo de educação. Reconhece que o homem não desejava por natureza ganhar cada vez mais dinheiro, mas sim continuar a viver da forma como estava acostumado, trabalhando para ganhar o que sentia ser necessário para viver. O que significa que a invenção do trabalho

capitalista, ou do tempo que deveria ser dedicado a esta atividade, não pode ser pensada apenas do ponto de vista econômico, mas sim como fruto de um longo processo de construção social, envolvendo questões sociais e culturais. Ao mesmo tempo, é importante ressaltarmos que os

processos de desnudamento nunca são totais, e será a partir das experiências passadas de vida, de relação e produção, que os trabalhadores irão vivenciar o novo mundo, que irão aceitar e recusar certos modos de vida.

Assim, as primeiras gerações de proletários brasileiros foram formadas entre as camadas mais pobres da população, com grande presença de mulheres e crianças, além de uma parte originária do campesinato pobre e também de artesãos, ambos arruinados pela concorrência dos produtos industrializados. E é formado também por imigrantes europeus trazidos para o Brasil no final de 1800. Isso depois de forte pressão dos fazendeiros e dos primeiros industriais que enfatizavam o quanto os trabalhadores brasileiros não gostavam de trabalhar e não queriam aceitar a disciplina do trabalho. Em 1897, o Governo brasileiro, mesmo se referindo à existência de um excesso de trabalhadores, irá buscar trabalhadores na Europa, providenciando a vinda de mais 60.000 imigrantes, constituindo-se um grande exército industrial de reserva (Boris Fausto, 1976). De acordo com Hardman e Leonardi (1991), os trabalhadores europeus trabalharam nas fábricas e nas fazendas em condições de vida e de trabalho semelhantes às de muitos trabalhadores brasileiros que lá estavam, vivendo em alojamentos idênticos, com jornadas entre 13 e até 15 horas por dia, sem direito ao descanso semanal remunerado ou férias, além de forte controle e disciplina.

Em meados de 1910, a indústria têxtil era o ramo mais industrializado e, assim como ocorrido na Inglaterra, associava em seus primeiros tempos tanto à exploração extensiva como intensiva da força de trabalho. Resultando, na média mais longa da jornada de trabalho, entre 10 a 12 horas; em 8 horas na construção civil, 9 na indústria de chapéu e entre 9 a 11 nas fundições e oficinas mecânicas. Por sua vez, a intensificação do trabalho combinava formas veladas como o aumento da velocidade das máquinas, incentivos materiais e outras mais explícitas como a violência, sendo esta última a mais freqüente (Hardman e Leonardi, 1991).

Nesse contexto, logo os imigrantes também começaram a manifestar seu descon- tentamento em relação à situação vivenciada, pois a representação que tinham da vinda para o Brasil era de que esta significaria a compra de terras e o trabalho sem patrão. Assim, entre 1900 e 1914, os trabalhadores já tinham iniciado sua organização, realizando diversos congressos e greves onde, de acordo com Silva (1996), o tema da jornada de trabalho de 8 horas ocupava a atenção dos mais importantes atores sociais. Nesse período, conforme inquérito do Departamento Estadual do Trabalho, divulgado em 1912, as jornadas variavam entre 7 horas e meia e 12 horas. Já em 1919, o mesmo órgão divulga que a jornada predominante era de 8 horas.

Os socialistas realizaram seus primeiros congressos nos anos de 1901 e 1902, sendo que em ambos estava presente a questão da redução da jornada de trabalho para 8 horas, a proibição do trabalho de menores de 14 anos, limitação do trabalho das mulheres e do serviço noturno.

Mesmo no chamado “congresso pelego”1 há referências à questão da duração do trabalho,

abrangendo os temas da redução da jornada de trabalho para 8 horas, a limitação do trabalho de mulheres e menores e o descanso semanal remunerado. Também no Congresso de 1906, realizado pelos anarquistas, havia a recomendação para os operários lutarem preferencialmente por uma menor jornada de trabalho, ao invés de enfatizarem a luta por maiores salários. A questão do salário seria então resolvida como resultado de um nível mais baixo de desemprego, isto é, se todos tivessem emprego, a questão salarial já seria em parte resolvida (Silva,1996).

Quando observamos as demandas trabalhistas pelo prisma dos movimentos grevistas, também reconhecemos a forte ênfase em relação ao tema da jornada de trabalho. A greve de 1907, por exemplo, teve como reivindicação principal a redução da jornada para 8 horas. Para Boris Fausto (1976), essa greve também deve ser vista como fruto da resolução do congresso de 1906 que havia definido que o movimento sindical “deveria envidar os maiores esforços, de acordo com 1. Este congresso foi assim denominado pelos anarquistas e socialistas por ter sido lançado pelo tenente Mário

o método seguido pelos companheiros franceses, para que o operariado do Brasil, no dia 01 de maio de 1907, imponha as 8 horas de trabalho” (1976: 149). No ano de 1912, em outro movimento ocorrido em São Paulo, novamente a reivindicação pela redução da jornada de trabalho para 8 horas estava presente. No que se refere aos resultados, observa Boris Fausto (1976) que neste momento poucas categorias profissionais conquistam essa redução, como o setor sapateiro onde se adotou a jornada de 8 horas e meia.

Segundo Kowarick (1987), neste momento de amplas manifestações dos trabalhadores e redução do processo de imigração, em função da guerra de 1914, há uma mudança radical no

discurso empresarial em relação aos trabalhadores brasileiros. Num primeiro momento esses

foram representados pelos donos do capital e pelo governo como vagabundos que não sabiam trabalhar e não tinham disciplina. Finda a imigração, o trabalhador brasileiro passa a ser exaltado,

ganhando qualidades face aos imigrantes, tachados de “anarquistas e baderneiros”. Se antes o

governo federal pagava despesas com vinda dos imigrantes para o Brasil, depois de 1914, ele passa a pagar para que os nordestinos e nortistas venham trabalhar em São Paulo. Muda o discurso predominante, que passa a valorizar os trabalhadores nativos, justificando aquilo que eles mesmos enfatizavam como falta de vontade de trabalhar: “quando chegam a São Paulo, mostram, na sua maior parte, pouca ambição e daí uma natural indolência. Verdade é que esta indolência [...] é também em grande parte devido ao seu estado de fraqueza. [...] em pouco tempo tornam-se elementos de trabalho [...]” (Leme, apud Kowarick, 1987:123 e 125). O trabalhador nativo, a partir de então, ganha status de trabalhador superior ao europeu, em função de sua resistência, fidelidade ao compromisso, capacidade de aprender e, sobretudo, pelo espírito de ordem, (Limongi, apud Kowarick 1987:126).

Neste período, o movimento dos trabalhadores continua forte e em 1917 há uma grande mobilização que se inicia em uma empresa de fiação e tecelagem, quando uma resolução patronal prolonga o trabalho noturno. Como resposta, os trabalhadores reivindicam o pagamento de 15

a 20% como adicional noturno, sendo que ao longo do processo a reivindicação se amplia

abrangendo a regulamentação do trabalho da mulher e dos menores. Em seguida, os trabalhadores da Empresa Antártica iniciam uma greve contra o prolongamento da jornada para 9 horas, sem

acréscimo de hora extra (Boris Fausto 1976:194). É constituído o Comitê de Defesa Proletária

tendo como pauta, entre outros temas, a redução da jornada de trabalho para 8 horas, o pagamento de 50% para as horas extras, a semana inglesa. Entretanto, ao final desta mobilização foram poucos os trabalhadores que conquistaram a redução da jornada de trabalho.

Ainda no que se refere ao movimento sindical, Silva (1996) observa que além do tema da redução da jornada de trabalho e do pagamento de adicionais para a hora extra e o trabalho noturno, outro tema muito presente na imprensa operária, era o problema da saúde do trabalhador, sendo enfatizada a relação entre longas jornadas e depressão física e moral. Havendo a preocupação em demonstrar as conseqüências maléficas do tempo de trabalho excessivo, além de estar presente a necessidade de um tempo maior para ser dedicado à família, à cultura, ao “recreio do espírito” e ao amor. De acordo com o autor, também havia a intenção de “mostrar que a diminuição de horas poderia ser benéfica para o próprio sistema, pois contribuiria para alimentar o circuito da acumulação através do aumento do consumo” (Silva, 1996: 76 e 77). Além disso, de acordo com Silva, na imprensa sindical já havia muitas referências de que o desenvolvimento tecnológico ao mesmo tempo em que levaria ao desemprego maior, possibilitaria a redução da jornada de trabalho. Assim, ressaltavam a necessidade da redução da jornada para combater o desemprego, sem, entretanto questionar e apontar uma possível contradição entre tempo dedicado ao trabalho e “bem viver” (1996:76).

Também estava muito presente na imprensa sindical a valorização do trabalho como maneira de se contrapor a uma sociedade que o havia transformado em “maldição e castigo”. O trabalho passa a ser mostrado como algo que dignifica o homem, sendo definido como “toda a atividade manual ou mental que aumenta os confortos da vida coletiva, alargando os nossos conhecimentos e as possibilidades humanas de mais progresso, de mais civilização, de mais fraternidade e solidariedade (....)” (Silva, 1996:99).

Silva (1996) salienta que no período entre 1906 e 1932, os empresários se colocaram totalmente contrários à redução da jornada de trabalho, entendendo as reivindicações dos trabalhadores e as leis discutidas no Congresso como limitação ao seu direito de trabalhar e organizar a empresa segundo suas próprias determinações. No que se refere aos projetos de lei sobre a duração do trabalho dos menores e as férias anuais de 15 dias, os argumentos patronais consideravam os custos da produção altos e que havia a necessidade de uma vida moralmente regrada, disciplinada e voltada para o trabalho. Consideravam ainda que precisavam de

trabalhadores que tivessem interiorizado a ética do trabalho, disciplinado como modo de vida.

Logo, sobre a lei de férias, em 1926 argumentavam: “o que fará o trabalhador braçal com 15 dias de ócio”. (Silva, 1996:201).

Cedo o tema da jornada passou a transcender os espaços da luta sindical e a ser parte do debate político institucional. Silva (1996), por exemplo, observa que a questão da redução da

jornada foi introduzida na Câmara dos Deputados já em 1911, quando um projeto apresentado visava a regulamentação da jornada no comércio em 12 horas. No ano seguinte, uma nova proposta limitava-a em 8 horas e proibia a hora extra; em 1915, outro projeto fixa a jornada em 8 horas com um máximo de 12 e, em 1918, a Comissão de Constituição e Justiça fixa a jornada em 10 horas diárias, podendo-se trabalhar mais horas desde que pagas como extras (Silva,1996) Muito embora nenhum projeto tenha sido aprovado, diversas discussões ali ocorreram (Silva, 1996). O grupo partidário da intervenção do Estado defendia que a preservação da saúde do trabalhador era razão suficiente para pleitear-se uma redução da jornada de trabalho. Outros demonstravam preocupação com o extremo desequilíbrio de situações entre trabalhadores e patrões, gerando descontentamento por parte dos trabalhadores, como os já acontecidos entre 1917 e 1920. Os liberais entendiam que os próprios trabalhadores não estariam de acordo com

a redução da jornada para 8 horas, principalmente no que se refere à limitação de horas extras,

sendo a intervenção do Estado um atentado à liberdade do trabalhador “que ficaria impedido de dispor como melhor lhe conviesse da sua força de trabalho, que era propriedade particular dele” (1996:135).

Essa conjuntura de equilíbrio de forças se romperá apenas no inicio do governo Vargas, quando, em 1932, uma lei fixou a jornada de trabalho em 8 horas, além de outras medidas

relacionadas à jornada2. Em 1949, por exemplo, houve a implantação do repouso semanal

remunerado, sendo necessário trabalhar toda a semana anterior, cumprindo integralmente o horário de trabalho para o seu recebimento; incentivava-se, com isso, o trabalhador assíduo e punia-se o faltoso. Evidenciava-se, assim, que já desde esse momento havia uma campanha contra o absenteísmo (Silva, 1996), expressando a necessidade do “desnudamento simbólico”, para retomar o argumento de Leite Lopes, daqueles que ainda se recusavam a trabalhar todos os dias da semana. No local de trabalho estava em jogo o movimento de construção da figura do “trabalhador brasileiro”, como bem observa Ramalho (1989), tomando como exemplo da constituição da

2. Dentre as regulamentações relativas à jornada de trabalho, quinze decretos-leis foram colocados em vigor entre os anos de 1932 e 1938, abrangendo diversos setores como bancos, transporte terrestre e ferroviário, serviço público e empresas jornalísticas. Em 1943, a CLT limita a duas as horas extras diárias e define um adicional de 20%; fixa ainda o direito a férias anuais, sem prejuízo da remuneração. Nos anos 60, nota-se a continuidade de mudanças na legislação no que se refere às categorias profissionais específicas: em 1962, a legislação reduziu a jornada de trabalho dos bancários para seis horas e, em 1967, estabeleceu a jornada de 40 horas para os servido- res públicos (Cardoso, 2002) No anexo 1, pode ser observada toda a legislação sobre jornada de trabalho para categorias profissionais específicas.

Fabrica Nacional de Motores, a FNM, nos anos 40. Para o autor, o projeto político da empresa apresentava uma proposta de formação para seus trabalhadores que se fundamentava na criação de um homem adaptado à nova realidade industrial: “levar o progresso e a ciência para o interior do País e, ao mesmo tempo, valorizar a capacidade do trabalhador brasileiro e o papel do Estado em comandar esse desenvolvimento”. Assim, “volta-se para o trabalhador como a expressão máxima das possibilidades de desenvolvimento sócio-econômico” (idem: 42). Mesmo que para alguns trabalhadores ainda faltasse “amor ao trabalho e pelo trabalho” a forma de combater certa displicência estava na disciplina militar, que devia ser utilizada para premiar os operários dignos e castigar os indignos. (Ramalho, 1989: 44, in Discurso do Brigadeiro Guedes Muniz no primeiro Congresso Brasileiro da Indústria, em 1944).

Dentro da empresa, ainda segundo Ramalho, a disponibilidade de tempo dos trabalhadores era total. O autor sublinha que em diversas falas desses operários aparece a contradição entre as vantagens oferecidas pela empresa para aqueles que moravam nas vilas operárias e o ônus que isso representava dada a interferência direta exercida na forma de controle do seu tempo livre. Morar nas vilas significava que também o tempo livre passava a ser controlado pela fábrica. Além disso, do ponto de vista financeiro, o “serão” significava para o trabalhador a possibilidade de uma vida melhor em função do pagamento de horas extras, considerando a sua baixa remuneração, alem de melhorar a relação com as chefias. Mas o “serão” também era percebido negativamente, dado o cansaço e a redução do tempo disponível para estar com a família.

Leite Lopes (1988), a partir de seu estudo sobre a companhia Paulista de Tecidos, ressalta que a construção de um novo imaginário em relação ao trabalho se colocava para todos que estavam na fábrica: homens, mulheres, velhos e crianças. Todos passam a ser submetidos à forte disciplina do trabalho fabril, de modo que a construção da disciplina e da moral do trabalho era realizada por essa universalização do trabalho fabril. “A imponência dessa moral do trabalho atinge não somente os corpos, mas as coisas, plantas fabris, edifícios, portos, terras, construção e manutenção das casas, transformadas em tantas frentes e fontes de trabalho (...)” (Leite Lopes, 1988:89).

Entretanto, é importante frisarmos que a construção social de uma nova relação com o trabalho e com o tempo dedicado ao trabalho não se restringiu à relação trabalho-capital, extrapolando o espaço do local de trabalho e da legislação trabalhista, abrangendo ainda a música, os programa de rádio, a propaganda comercial, entre outros. Segundo Rocha (2002), tratava-se de construir uma percepção de que o progresso estaria vinculado às virtudes da capacidade de

trabalho, como podemos observar no documento de comemoração do IV Centenário da Cidade

de São Paulo:

“São Paulo nestes quatro séculos de existência mostrou ao mundo a pujança de seu valor. O valor do homem que produz e anda apressado, consultando o seu relógio que funciona rigorosamente