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Contexto e natureza do tema de investigação

PARTE I APRESENTAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DA TESE E DA ABORDAGEM DE

CAPITULO 2 DO CONTEXTO ONTOLÓGICO, EPISTEMOLÓGICO,

2.2. Contexto e natureza do tema de investigação

No Capítulo 1 da introdução, justificou-se, de forma breve, como o tema de investigação encontra razão de ser na evolução do próprio conhecimento do turismo, nas necessidades da fileira ou sistema do turismo e na própria percepção do investigador em relação à janela de oportunidade que se abre para a temática em causa.

Para além de se pretender desenvolver uma concepção de GDT, que se estruture a partir das práticas dos actores e necessidades das organizações no terreno, que seja sistémica e assuma que há necessidade de uma liderança ou pilotagem do sistema, ou mesmo uma consciência do seu desenvolvimento, pretende-se ainda identificar funções e variáveis próprias à gestão do espaço meso-económico que é o destino, estudar a articulação horizontal e vertical entre vários níveis de destinos, e, igualmente, analisar constrangimentos que se colocam à implementação dessa concepção, quando pensamos, sobretudo, no campo concreto de aplicação ou verificação de tais adaptações.

Ora, precisamente, é a produção desse modo de ver a GDT, a sua transposição entre, por um lado, uma formulação conceptual mais ou menos ideal a partir da revisão de literatura e, por outro, as dificuldades da sua aplicabilidade no terreno, que colocam múltiplas interrogações e contradições que justificam a adopção de uma determinada perspectiva de abordagem e de uma determinada estratégia de investigação.

Analisemos, então, brevemente, que problemas emergem do equacionamento das questões de investigação, socorrendo-nos do diagrama ilustrado na figura 2.3.

Figura 2.3 – Que questões de investigação?

Fonte: Elaboração do autor

A gestão dos destinos turísticos, como corpo conceptual específico de conhecimento no turismo, tem vindo a emergir nos últimos anos, fruto de três grandes influências: o desenvolvimento da produção teórica, a concretização de práticas em vários países

organizacionalmente mais evoluídos e que buscam respostas para os problemas com que se defrontam quanto à gestão dos destinos turísticos, e a actuação dos organismos internacionais como a Organização Mundial de Turismo (WTO, 2004), ou ainda a UNEP-DTIE (s.d.), que reconhecem a necessidade de tal ideia de intervenção.

Mesmo as necessidades do sistema turístico nacional apontam para essa necessidade de desenvolvimento da gestão e das suas organizações1 (Costa e Bernardo, 1998; Programa do XVII Governo Constitucional, 2004). É aqui, na confluência dessas quatro perspectivas, que surgem as primeiras dúvidas e interrogações, ou gaps, como optámos por designar, e que marcam o próprio trabalho de recensão teórica e de produção conceptual:

- GAP 2 – entre a produção teórica do turismo na área da gestão dos destinos e as práticas de gestão dos países organizacionalmente mais avançados. Estas duas áreas vêm trabalhando nem sempre em articulação. Assiste-se ao devir de modelos teóricos nem sempre testados empiricamente (Ritchie e Crouch, 2004)2, Jamieson (2006) e outros que resultam de práticas de organizações de consultadoria (TOMM, citado em Cooper, 98), de projectos comunitários, ou do pragmatismo das organizações do turismo (TMI, 2003). Enquanto que os primeiros modelos são aceites pela comunidade científica, mas não estão testados empiricamente dada a sua complexidade, a adequação dos segundos decorre do êxito das suas práticas e dos resultados obtidos, em termos de

1 Ainda uma palavra para afirmar que, se a problemática deste estudo se situa no grande quadro

conceptual da gestão, não menos certo é afirmar que esta problemática da GDT emerge, não da evolução das tendências de desenvolvimento da investigação em gestão, da prática da gestão ou de novos modelos de gestão, mas da evolução e tomada de consciência do próprio sistema do turismo e de alguns dos seus

stakeholders, para essa necessidade de gerir, de fazer emergir a gestão de alguns dos seus subsistemas e,

neste caso, as organizações que gerem os destinos, como eixo fundamental de melhoria do sistema de turismo global. Daí a necessidade de entender o sistema do turismo para o saber gerir, dialéctica essa que perpassará nos pontos seguintes.

sustentabilidade e competitividade desses destinos. Como reconhecer, incorporar, validar, estas duas diferentes linhas de produção de conhecimento, igualmente válidas enquanto fontes de saber coerentes internamente?

- GAP 3 – entre as práticas dos países mais avançados e as necessidades e práticas do sistema nacional de turismo3. Aqui existe uma diferença substancial em termos organizacionais na adopção e implementação da abordagem de gestão. Digamos que, tal

gap, traduz a grande diferença de competitividade organizacional entre os destinos

turísticos portugueses e os seus congéneres concorrentes, evidente no crescimento lento ou inexistente das quotas de mercado de muitos segmentos, na insuficiente diversificação dos produtos turísticos, ou no esmagamento sucessivo das margens e dos preços por parte dos operadores. Como incorporar nas práticas das DMOS portuguesas uma nova visão e perspectiva de abordagem da gestão dos destinos que fomente a competitividade e a sustentabilidade dos nossos destinos?

- GAP 4 – entre a actuação e orientações dos organismos internacionais e as nossas necessidades e práticas. Estes organismos internacionais vêm adoptando progressivamente a abordagem da gestão dos destinos, seja de um modo circunscrito a certas áreas de actuação (CE, 1999a,b,c) seja em relação a dimensões ou necessidades detectadas da gestão dos destinos (CE, 1998) ou a perspectivas mais globais de actuação, mas insuficientemente consolidadas como é o caso da WTO (2004). Mesmo o enfoque de intervenção desta agência tem vindo a deslocar-se, do apoio a políticas nacionais de turismo, para planos de intervenção mais regionais e locais à volta do

3 Compare-se o modelo TMI (2003) de gestão do turismo britânico (capítulo 5) e a análise que, a

legislação quadro das regiões de Turismo em Portugal faz das competências existentes inserida no contexto do caso regional, Cap. 10.

conceito de destino. Por outro lado, o sistema nacional parece imune à incorporação dessas boas práticas, quer por insuficiente participação nos organismos internacionais, quer por uma certa percepção e definição das políticas nacionais do turismo assente numa visão exclusivamente macroeconómica e a que falta a perspectiva de implementação sectorial4. Como incorporar muitos dos avanços e das boas práticas já divulgadas por esses organismos?

- GAP 5 – entre a actuação dos organismos internacionais e o desenvolvimento da teoria do turismo. Coloca-se aqui também, não só um problema de reconhecimento do conhecimento produzido dentro desses organismos mas, mais ainda, a aparente falta de articulação ou aproveitamento por esses organismos internacionais do conhecimento produzido nas universidades e centros de investigação. Enquanto os teóricos debatem o conceito de destino turístico, a WTO adopta uma definição pragmática do conceito, (WTO, 2002), enquanto se discute a viabilidade desta perspectiva de abordagem aparentemente inexequível pela sua diversidade e complexidade, os organismos internacionais promovem inquéritos e estudos que, a partir da situação no terreno, caracterizam boas práticas, avançam com propostas e modelos de implementação. Como articular a produção teórica com essas boas práticas e incorporá-las numa teoria de gestão dos destinos turísticos?

Estes quatro gaps iniciais convergem na grande questão de investigação que dá corpo a este estudo, que é o gap central do esquema e que denominamos de GAP 1 – entre os modelos, boas práticas e teorias existentes, não isentos de críticas ou de insuficiências, e

as práticas das DMOs em Portugal, como caracterizar, compreender e implementar a gestão dos destinos turísticos no sistema turístico nacional e nas nossas DMOs?

Esta interrogação já releva em si de uma opção de investigação (por que pretender caracterizar e não testar, por exemplo…) que resulta dos gaps anteriores e que, no fundo, traduz uma contradição que emergiu muito cedo no projecto de investigação5, a saber - perante a possibilidade de construção de um modelo conceptual de GDT que incorporasse o que há de mais relevante na teoria e nas boas práticas de hoje em dia, como testá-lo num contexto organizacional que, à partida, pelo que conhecemos directa e indirectamente desse meio, se traduz num conjunto empobrecido de práticas de gestão e/ou em estruturas organizacionais insuficientes? Perante a contradição que em si encerra este modo de colocar a questão, evoluiu-se assim para a interrogação que apresentamos como gap central, mais descritiva, que se concretizará posteriormente em objectivos de investigação e que encontrará resposta na abordagem de investigação adoptada. Resolver-se-á, assim, quer o receio do investigador anteriormente manifestado, quer a necessidade de se adaptar a teoria global existente a uma evidente necessidade de construção de um saber que, a partir das práticas existentes e estudadas, possa fornecer alicerces teóricos ao que se faz, à prática existente, como condição para um processo de evolução e de mudança.

O equacionamento desta ideia central encontra pormenorização e desenvolvimento noutros tantos obstáculos e interrogações traduzidas nos gaps seguintes:

5 É talvez um apriori mental do investigador fornecido pelo seu envolvimento no próprio sistema de

turismo onde irá decorrer a investigação, quer como agente quer como observador. Verificar o ponto 2.4.5 deste capítulo, sobre o standpoint do investigador.

- GAP 6 – Este é o desfasamento que se situa dentro das próprias organizações com responsabilidade de gestão dos destinos turísticos: de um lado temos uma dimensão política, que se manifesta na eleição dos principais responsáveis, os quais são fortemente condicionados pela sua visão própria do mundo, da política, da vida colectiva, enquanto agentes políticos alinhados em cargos de confiança partidária, da visão que têm eles próprios do que é o turismo, do que é o turismo enquanto bem público, do que é preciso gerir ou não gerir enquanto tal, das dinâmicas de exercício do poder, da sua margem de latitude entre o lugar político e as suas competências mais ou menos expressas na lei, ou, ainda, a sua formação e experiência profissional anterior no sector; do outro lado, temos a própria visão administrativa do funcionamento das DMOs enquanto formas híbridas dentro da própria administração pública portuguesa, a um tempo com regras da Administração Pública mas, simultaneamente noutro, com um sistema de eleição e governação com forte intervenção dos stakeholders regionais, públicos e privados, visão esta que releva de uma forte tradição organizativa e participativa a que, historicamente, sempre se assistiu em Portugal (Flores, 1999), Pina (1988) Vital Moreira (2000); finalmente, temos os próprios desafios com que as DMOs se confrontam, sejam as questões de competitividade dos destinos, sejam as questões da sustentabilidade da base do turismo, alicerçada em bens públicos e diferenciadora do sistema produtivo, seja a observância de legislação fortemente protectora dos direitos dos consumidores turistas e a necessidade de assegurar um alto patamar de satisfação desses turistas, ou, ainda, a necessidade de desenvolvimento de novos produtos, numa perspectiva de diversificação das actividades do destino.

Como, pois, adoptar práticas mais adequadas de gestão que assegurem uma visão estratégica e integrada do destino turístico, tendo presentes esses pressupostos políticos, administrativos, de mercado e mesmo pessoais?

- GAP 7 – Dentro ainda dessas organizações, ainda marcadas pela perspectiva administrativa e por uma excessiva atenção apenas à promoção, marketing e animação, portanto com práticas sectorializadas e fragmentadas de gestão, quiçá mesmo insuficientes devido a condicionalismos vários, como fazê-las evoluir, adoptar processos de mudança, que incluam essa visão estratégica, que incluam uma profissionalização crescente da sua gestão e a utilização de instrumentos de gestão modernos e adaptados à gestão dos sistemas complexos como são os destinos turísticos?

- GAP 8 – Ao mesmo tempo, neste quadro de complexidade da gestão do destino e sabendo que a administração pública ou sistema de governação do turismo se encontra repartida em múltiplos serviços, direcções regionais e organismos nacionais da tutela com as carências evidentes de diálogo e comunicação, fruto de uma excessiva verticalização da administração pública portuguesa, como suscitar, dinamizar e manter activo um sistema de articulação de competências e atribuições na gestão dos destinos, ao nível dos vários patamares de organização, quer numa perspectiva horizontal quer numa perspectiva vertical ou ainda, no plano da articulação entre os vários destinos, do local ao regional?

- GAP 9 – Finalmente, entre a descrição das práticas e constructos de gestão, a problematização de uma articulação horizontal e vertical entre os vários níveis de destinos, o esboço de um modelo “glocal” de gestão dos destinos, no quadro da especificidade de cada caso delineado, versus os constrangimentos naturais e institucionais detectados, será possível identificar mecanismos, atitudes, boas práticas que permitam fazer evoluir esta gestão dos destinos localizada e contextualizada?

Em síntese, os problemas identificados permitem distinguir vários níveis de análise que enformarão, quer a investigação empírica, quer a apresentação dos resultados de investigação:

- num primeiro nível, trata-se de compreender e caracterizar as práticas das organizações que gerem o turismo, bem como de quem gere os destinos a nível das DMOS, nas suas limitações de actuação, nos seus preconceitos, mas também na sua acção, seja ela mais ilusória, quando se trata do discurso político, seja ela mais concreta, quando é evidenciada por documentos orientadores de actuação ou pelos resultados conseguidos, ou, ainda, pelo modo como as competências de gestão existem ou não, disseminadas ou não, dentro dessas organizações;

- trata-se, ainda, e em suma, de compreender a latitude de comportamentos humanos, de idiossincrasias, de constructos que modelam o que se passa, o que se diz e o que não se diz, o que se faz, num segundo nível de compreensão;

- num terceiro nível, trata-se de compreender sistemas complexos como o são os destinos turísticos, nos seus múltiplos subsistemas orgânicos, nas suas múltiplas relações e, em particular, com uma grande variedade de actores e stakeholders, com interesses nem sempre convergentes e com comportamentos diversificados, de capturar a sua visão da temática em apreço, quer enquanto informantes individuais, quer enquanto membros de grupos politicamente definidos, nuns casos, quer noutros enquanto membros de grupos organizacionalmente estruturados (Hollinshead, 2004), com as implicações que daí derivam em termos de constante preocupação ontológica, epistemológica e metodológica;

- num último nível epistemológico trata-se de descrever a realidade (Reto, 1999) não de um modo totalmente aberto mas a partir de um corpo já existente, ainda que imperfeito, de teoria. Trata-se de compreender a realidade (Reto, 1999), de compreender práticas inseridas em contextos precisos mas complexos, que poderão conduzir à elaboração teórica, mas sempre com a ideia imanente de uma formulação local (Johns e Lee-Ross, 1998).

Perante o conjunto diversificado de reflexões anteriores e de níveis de análise, cremos ser, assim, necessária, uma opção por uma abordagem eminentemente compreensiva e qualitativa, mais do que uma perspectiva de abordagem de natureza dedutivo- positivista.

Definir-se-á, naturalmente, um quadro conceptual de síntese, mas não se trata de o validar, por antevermos que as práticas utilizadas não são suficientemente densas e alicerçadas no que poderiam ser chamadas de “boas práticas de gestão”. Correríamos, assim, o risco de, na sua testagem, não se obter informação sólida para a sua comprovação. Perante este pressuposto não faz sentido equacionar hipóteses de investigação, mas antes objectivos de investigação. Longe de nós, no entanto, pensar que toda a investigação se destina a comprovar teoria, mas parece-nos mais certo que, no contexto organizacional em que se processa a gestão das organizações que gerem o Turismo em Portugal, mais do que testar teorias ou modelos, é prioritário compreender o que se faz, para compreender o que não se faz e porque não se faz. Consideramos, assim, que uma abordagem qualitativa contribui mais adequadamente para enquadrar e orientar esta investigação.

Com efeito, o quadro problemático que acabámos de traçar, ao pôr a tónica na descrição das práticas de gestão, na percepção dos pressupostos e constructos que os agentes no terreno têm dessas práticas, e como as influenciam, a intenção do investigador em compreender comportamentos como forma de construir proposições que possam descrever, compreender e fazer emergir uma teoria marcadamente contextualizada e local, apontam nesse sentido – a opção por uma abordagem eminentemente qualitativa6.

Em síntese, trata-se, pois, de compreender, caracterizar holisticamente, os modos de gestão das organizações que gerem o Turismo (DMOs) na sua dimensão mais local e regional, percorrendo duas grandes linhas de investigação:

- a primeira, a articulação entre dois tipos de saberes, o saber considerado aceite e validado pela comunidade científica, como o são os modelos e conceitos expressos na literatura de referência mas não validados empiricamente e os modelos e conceitos que emergiram da aplicação no terreno como se referiu anteriormente; esta dimensão perpassará pela revisão da literatura e do conhecimento produzido e coloca questões sobre a descrição crítica e aceitação desse conhecimento não académico, não impedindo, no entanto, a construção de um quadro conceptual de referência que incorpore todos esses desenvolvimentos;

- a segunda, que tem em conta as necessidades e práticas das DMOS portuguesas, cuja caracterização fará emergir modos, obstáculos que permitam a construção de uma teoria local, marcada, não tanto pela construção teórica pura, mas pela

6 Relativizamos aqui e ainda a expressão “qualitativa” porque a visão de abertura à realidade empírica,

por parte do pragmatismo e de reflexividade investigativa que a seguir se defende justifica que, se alguns aspectos da realidade empírica a estudar revelem acontecimentos ou fenómenos que justifiquem a utilização de um instrumental quantitativo tal se fará, não comprometendo, pensamos nós, a tónica geral

confrontação/adopção/adaptação/reflexão de e sobre as práticas, que dê origem a um modo regional e local descritivo, mas problematizador de gestão dos destinos.

Tal desiderato encontra ainda concretização e articulação com os gaps identificados anteriormente, através do esquema seguinte:

Figura 2.4 – Resposta aos gaps de investigação  

GAP GAP 2 2

 

GAP GAP 3 3

 

GAPGAP4 4

 

GAP GAP 5 5

 

GAPGAP

11

 

GAP 9GAP 9

GAP

GAP

66

 

GAPGAP77

 

GAPGAP88

Estado da arte/

Conceptualização

teórica

Investigação

empírica

Modelo glocal /

caracterização das

práticas

Fonte: Elaboração do autor

A adequação das respostas encontradas aos gaps e problemas inventariados será naturalmente objecto de avaliação e discussão na parte final da tese.