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Por uma abordagem qualitativa, pragmática e eclética

PARTE I APRESENTAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DA TESE E DA ABORDAGEM DE

CAPITULO 2 DO CONTEXTO ONTOLÓGICO, EPISTEMOLÓGICO,

2.3. Por uma abordagem qualitativa, pragmática e eclética

As reflexões anteriormente feitas sobre o contexto e a natureza do tema que estudamos levaram-nos a explicitar a nossa opção por uma abordagem qualitativa, por considerarmos que essa seria a mais adequada para perspectivar todo o estudo.

Esta opção radica, de imediato, no modo como equacionamos a problemática em apreço mas não é, de todo, uma opção pacífica. O próprio autor, ao encetar o caminho por uma abordagem de investigação que nunca antes utilizara, assume o risco de ele próprio possuir um conhecimento pré-paradigmático do próprio processo de conhecimento que vai utilizar, conhecimento esse que ele próprio construirá ao longo de todo o processo de investigação. Assume-se, assim, o autor, como centro das contradições que atravessam o campo da Gestão e do Turismo, como disciplinas científicas passíveis de investigação.

Com efeito, apesar de amplamente utilizados pelas Ciências Sociais, os estudos qualitativos não o têm sido quer na Gestão, quer no Turismo, a não ser na última dezena de anos. Nestas áreas, um modus faciendi, radicado essencialmente na área quantitativa, continua ainda prevalecente.

Esta predominância radica tanto nas concepções e constructos sobre o que é científico ou não é, como radica em práticas de investigação que cristalizaram no que é dado adquirido e rotina consagrada e, portanto, algo resistentes a outros modos de analisar e compreender a realidade (Phillimore, 2004). Radica ainda na própria tradição de reconhecimento do trabalho investigativo pela própria comunidade científica, centrado não na diversidade investigativa, no pluralismo das abordagens e na aceitação da ruptura com o saber adquirido (Easterby-Smith et al, 2004), mas sim na tradição institucionalizada em paradigmas e filosofias de investigação de natureza positivista que transformaram esses investigadores, no dizer de Tribe (2004), em verdadeiros

gatekeepers de um saber que afunila os modos de compreensão da realidade,

áreas do Turismo e da Gestão.

A nossa opção pela abordagem qualitativa, tal como a vemos e procuramos delinear neste estudo, para ser compreendida, não precisa apenas que percorramos, mesmo que brevemente, a sua emergência no confronto com outras perspectivas e no modo como essas perspectivas problematizam a sua relação com a realidade, o modo como apreendem essa realidade ou o papel que cabe ao investigador nessa construção do saber, mas assenta antes no ponto de vista do investigador que, em relação à complexidade do tema, considera fundamental a compreensão das dimensões humanas e suas interacções (Holliday, 2002) no quadro de um sistema complexo que é o destino turístico como sistema de produção.

A tradição quantitativa de investigação que assenta no paradigma positivista (Denzin e Lincoln, 2005) não permitiria a densidade de insight que descreva não só as idiossincrasias dos respondentes mas retenha a profundidade das suas relações enquanto informantes (Hollinshead, 2004a). Olhar para a gestão de um sistema complexo requer, por conseguinte, uma perspectiva de abordagem que permita uma visão holística desse mesmo sistema complexo (Yin, 2003), o que, só uma abordagem qualitativa permite em toda a sua latitude.

2.3.1. Como se caracteriza a abordagem qualitativa

A abordagem qualitativa da investigação é baseada em critérios e pressupostos que a diferenciam da investigação quantitativa e a sua própria emergência e afirmação tem-se feito pela crítica e contraste com a investigação quantitativa (Flick, 2006).

Tabela 2.1 – Comparação entre abordagens Quantitativa e Qualitativa

Investigação Qualitativa Investigação Quantitativa . fenomenológica / interpretativa

. indutiva . holística

. subjectiva / “insider centered” . centrada numa visão antropológica . falta de controlo das variáveis . objectivo: compreender o ponto de vista dos actores

. assume a dinâmica da realidade, “porções de vida”

. orientada para a descoberta . descritiva / explanatória

. positivista

. hipotético-dedutiva . particularista

. objectiva / “outsider centered” . centrada numa visão natural . tentativa de controlar variáveis . objectivo: encontrar factos e causas . assume uma realidade estática; relativa constância da realidade

. orientada para a verificação . explicativa / confirmatória

Fonte: Elaboração do autor

Este debate que prevalece quer na Gestão (Cassel e Symon, 1994; Gill e Johnson, 1997; John e Lee Ross, 1998; Gumesson, 2000; Easterby-Smith, 2002; Prasad, 2002; Remyini

et al, 2005), quer no Turismo (Veal, 1997; Jamal e Hollinshead, 2001; Finn, 2002;

Davies, 2003; Goodson, 2004; Decrop, 2004; Phillimore, 2004; Tribe, 2004) ou mesmo na Sociologia (Silverman, 1993; Miles e Huberman, 1994; Patton, 2002; Flick, 2006; Hesse-Biber, 2006; Lofland et al, 2006) permite construir um conjunto diversificado de argumentos paralelos que se sintetiza no quadro anterior.

Este confronto traduz porventura apenas “diversas maneiras de encarar o mesmo conjunto de questões” (Denzin e Lincoln, 2000) ou, no dizer de Miles e Huberman (1994), diferentes modos de abordagem da investigação que não são mutuamente exclusivos, mas que se podem mesclar ou usar autonomamente em função dos temas da

investigação. Parece evidente pois, que a emergência da investigação qualitativa decorre da busca de uma maior adequação investigativa às realidades complexas das sociedades onde o factor humano e as dinâmicas sociais, nas suas múltiplas dimensões, são predominantes (Flick et al, 2004), demarcando-se, portanto, de um positivismo investigativo que tende a ignorar que, na acção humana, existe uma lógica interna, subjectiva e consciente, que deve ser compreendida para ser inteligível, uma lógica, no dizer extremo de Damásio (2000), ao nível da emoção, que controla e condiciona o discurso racional, lógica essa, que relê a abordagem de Descartes, fundamento de grande parte do discurso positivista.

Parece-nos no entanto que, se o discurso racionalista da ciência surge num quadro de um contexto datado, numa dada fase da compreensão humana do mundo que o rodeia, não menos datada e táctica será esta necessidade de afirmação da abordagem qualitativa por contraposição à tradição quantitativa, no sentido de encontrar o seu espaço e tipo de “racionalidade” e de acção.

Como definir, então, a investigação qualitativa?

Para Bogdan e Taylor (1975), “qualitative methodologies refer to research procedures which produce descriptive data: people’s own written or spoken words and observable behaviour.” Para Creswell (1998),

“Qualitative research is an inquiry process of understanding based on distinct methodological traditions of inquiry that explore a social or human problem. The researcher builds a complex, holistic picture, analyzes words, reports detailed views of informants and conducts the study in a natural setting.”

“Qualitative research is a situated activity that locates the observer in the world. It consists of a set of interpretative, material practices that make the world visible. They turn the world into a series of representations… Qualitative research involves an interpretative, naturalist approach to the world… Qualitative researchers study things in their natural settings, attempting to make sense of, or to interpret phenomena in terms of the meaning people give to them.”

Temos assim que a investigação qualitativa coloca o actor individual ou em grupo como o(s) agente(s) de compreensão e construção da vida social, no seu próprio contexto social; coloca o investigador como “bricoleur” (Denzin, 2005), cerzindo as interpretações dos vários actores sobre a realidade social e reconstruindo essa realidade social; coloca-se ainda, a investigação qualitativa, como o lugar geométrico de múltiplas práticas interpretativas (Lincoln e Guba, 2000), quando ao caracterizar a situação actual, afirmam:

“Qualitative research is an interdisciplinary, transdisciplinary, and sometimes counterdisciplinary field. It crosscuts the humanities, the social sciences, and the physical sciences. Qualitative research is many things at the same time. It is multiparadigmatic in focus. Its practitioners are sensitive to the value of the multimethod approach. They are committed to the naturalistic and to the interpretive understanding of human experience. At the same time, the field is inherently political and shaped by multiple ethical and political allegiances. Qualitative research embraces two tensions at the same time. On the one hand, it is drawn to a board, interpretive, postexperimental, postmodern, feminist, and critical sensibility. On the other hand, it is shaped to more narrowly defined positivist, postpositivist, humanistic, and naturalistic conceptions of human experience and its analysis.” (Lincoln e Guba, 2000a).

Flick et al (2004), acrescentam ainda, na sua fundamentação da necessidade de Investigação Qualitativa, que, numa época de desintegração de estilos de vida, de modelos globais de interpretação do mundo e de um cada vez maior número de novos modos e estilos de vida e de formas de organização social, cada vez mais se justificam estratégias de investigação que possam fornecer em primeira mão, “descrições substanciais e precisas” que tenham em conta os pontos de vista dos que estão

envolvidos nesses fenómenos, bem como os “constructos sociais e subjectivos” dos seus mundos.

Assim, apesar de retratar a múltipla riqueza das escolas e perspectivas de abordagem genericamente designadas por abordagens qualitativas, acrescenta este autor, mais tarde, uma síntese de conceptualização do que é a prática de investigação qualitativa, elencando características que a sintetizam e surgem como múltiplo denominador comum, como corpo teórico unificador dessa mesma investigação qualitativa e que se identificam no quadro seguinte.

Tabela 2.2 - Características da Prática da Investigação Qualitativa

1 - Um leque alargado de métodos, mais do que um método simples 2 - Adequação de métodos

3 - Orientação para os acontecimentos/ conhecimento de todos os dias 4 - Contextualização como principio orientador

5 - Perspectivas dos participantes

6 - Capacidade reflexiva do investigador 7 - Compreensão como princípio de descoberta 8 - Princípio da abertura

9 - Análise de casos como ponto de partida 10 - Construção da realidade como base

11 - Investigação qualitativa como disciplina textual 12 - Descoberta e formação da teoria como finalidade

Fonte: Flick (2006)

A Investigação Qualitativa pode ser então abordada no âmbito de uma prática diversificada de paradigmas, todos eles com benefícios para a abordagem e estudo da realidade humana. Com efeito, Patton (2002) enfatiza o ponto de que não há uma única

maneira de conduzir a investigação qualitativa e que compete ao investigador ser ele a escolher o que é mais apropriado ao estudo do fenómeno social a ser estudado. Este ponto de vista leva-nos à apresentação dos múltiplos paradigmas e, finalmente, à justificação da nossa perspectiva eclética e pragmática da investigação qualitativa como a mais conveniente ao trabalho em curso.

2.3.2. A Investigação Qualitativa, os paradigmas dominantes e a opção paradigmática para o estudo em curso

A investigação consiste na descoberta e compreensão pelo Homem do mundo ou ambiente que o rodeia (Johns e Lee Ross, 1998), mas esta dialéctica de compreensão levanta várias questões sobre o quê, o como e o porquê do processo de conhecimento.

Estamos no domínio da filosofia do próprio conhecimento e do modo como esses sistemas de intuir o que é cognoscível, se podem transformar em sistemas de apropriação e conhecimento da realidade, isto é, de transformação da filosofia em ciência.

Estes sistemas, quer intuitivos de contextualização do processo de conhecimento, quer compreensivos da realidade, constituem o que se chama de paradigmas.

Um paradigma é o conjunto básico de valores que orienta o trabalho do investigador (Goodson e Phillimore, 2004). Ou, no dizer de Guba e Lincoln (1998) “um paradigma é uma construção humana que representa simplesmente o ponto de vista mais informado e sofisticado que os seus proponentes foram capazes de desenhar”.

Ora é precisamente este sistema coerente de valores, princípios e constructos filosóficos, éticos e, algumas vezes, até políticos (Easterby-Smith, 2004), que contextualizam, moldam e orientam a nossa relação como investigadores face ao objecto do nosso estudo.

Para Hesse-Biber (2006), Goodson e Phillimore (2004) ou Denzin e Lincoln (1998), e para a generalidade dos investigadores sociais, qualquer paradigma deve integrar três grandes questões fundamentais – a ontológica, a epistemológica e a metodológica: - a primeira, a ontologia, que é o estudo do ser e que levanta questões acerca da natureza da realidade enquanto referência aos credos e pressupostos que qualquer abordagem adopta acerca da natureza da realidade social (Denzin e Lincoln, 1998), ou seja, a natureza do que é cognoscível, (da natureza do comportamento humano ao estudo da realidade social ou do que a natureza da realidade é em termos de “ser, tornar-se ou do seu significado”) (Hollinshead, 2004);

- a epistemologia como teoria do conhecimento, que está interessada nas suas origens e natureza, na sua construção, no modo como podemos ter acesso ao conhecimento seja ele para descrever, para prever, para agir ou para reflectir nos credos e pressupostos que são formulados acerca do que é a natureza do conhecimento (Goodson e Phillimore, 2004), isto é, a visão e questões que ajudem a compreender as relações entre o artífice do conhecimento e o que é passível de ser conhecido (Hollinshead, 2004);

- a metodologia, como o estudo da forma como coligimos conhecimento acerca do mundo (Goodson e Phillimore, 2004), ou seja, que práticas e procedimentos operativos são preferidos (e determinados pelas dimensões ontológica e epistemológica) e respeitados pelo investigador quando sai para descobrir o conhecimento (Hollinshead, 2004).

Múltiplas abordagens ou paradigmas dentro das várias áreas sociais têm-se sucedido ao longo do tempo, fruto da própria evolução ideológica e filosófica das várias escolas de pensamento, mas, também, fruto do trabalho dentro de cada área científica do saber, o que permitiu a assumpção, predominância ou adaptação dos vários paradigmas às circunstâncias do momento ou da disciplina em questão.

O quadro seguinte sintetiza os principais paradigmas dominantes nas duas grandes áreas que balizam este trabalho, a Gestão e o Turismo. Optou-se ainda por incluir a área da Sociologia, por se reconhecer que esta ciência tem tido um papel predominante nas Ciências Sociais enquanto pioneira na investigação qualitativa.

O que se depreende é que o campo filosófico das práticas qualitativas é vasto e diversificado, o modo como os autores de referência equacionam os paradigmas não é isento dos próprios aprioris filosóficos do campo onde se situam, também eles fruto de necessidade de demarcarem espaços de referência.

Mas a perspectiva temporal apresentada, pretende ainda constatar:

- a presença da Sociologia como percursora do desenvolvimento paradigmático antecipando no tempo a própria progressiva diversidade adoptada mais tarde na Gestão e no Turismo;

- a progressiva adopção pela Gestão e pelo Turismo das correntes e escolas desenvolvidas na Sociologia;

- a falta de paradigmas próprios à Gestão e ao Turismo, com excepção da breve incursão de Burrel e Morgan (1979) o que, naturalmente, limita a própria assumpção destas disciplinas como ciências estabelecidas;

Tabela 2.3 - Algumas referências a paradigmas predominantes em uso nas áreas científicas que orientam este estudo

Fonte: Elaboração do autor

- o advento de um grande pluralismo e diversidade de perspectivas que se reflecte na síntese final de Flick (2006), mas que contempla também a anterior citação de Lincoln

e Denzin (2000a).

Esta grande diversidade paradigmática é, a um tempo, conflituante e potenciadora. Potenciadora porque abre caminho à adopção coerente e justificada dos vários paradigmas que revelam olhares complementares sobre a realidade social, e conflituante no sentido em que, pelo facto de emergirem, muitas vezes, como reacção crítica às insuficiências das outras escolas, criam a ilusão de um antagonismo prático.

Pretende o autor ultrapassar este duplo dilema e reflectir sobre um modo de o superar.

Patton (2002) afirma que, de acordo com a sua experiência, “one can learn to be a good interviewer or observe and learn to make sense of the resenting data, without first engaging in deep epistemological reflection and philosophical study” e, descontando que esta opinião do autor, apenas quer dizer que a experiência de investigação pode anteceder o estudo da filosofia das ciências como estratégia de aprendizagem na investigação, ideia de que o investigador comunga totalmente, quer pelo seu percurso de vida, quer pela sua prática, vê o investigador nessa afirmação um campo igualmente pragmático, que pretende adoptar como resposta ao dilema anteriormente mencionado.

De facto, considerando que os vários paradigmas revelam características complementares que, precisamente devido ao carácter complexo da realidade social, ao facto do destino turístico ser sobretudo um sistema complexo e vivo de dinâmica social e produção de um conjunto de produtos, serviços e experiências, só uma abordagem totalizante e holística, também neste campo dos paradigmas, permitirá essa compreensão global, que é um dos objectivos da investigação. Assim, mais do que

optarmos por um posicionamento paradigmático determinado, optamos por relevar das várias escolas as características paradigmáticas fundamentais que, a um tempo, servem de orientação ou contextualizam este processo de investigação e, complementarmente, justificar por que outros paradigmas não nos parecem relevantes.

São essas características as seguintes:

1. Características naturalistas

O naturalismo procura ajustar a natureza dos fenómenos sociais dentro do contexto social (Hammersley, 2002). O papel do investigador é obter uma visão holística do contexto em estudo sem manipular esse contexto (Miles e Huberman, 1994). No estudo em apreço, a própria temática emerge, é circunscrita e exprime essa característica de fenómeno social dentro de um contexto delimitado, pretendendo o investigador apreender precisamente, não apenas os pontos de vista dos actores, mas sobretudo a visão global do fenómeno em estudo (Creswell, 1998; Denzin e Lincoln, 2000).

2. Características interpretativas / construtivistas

O paradigma interpretativo/construtivista vê a realidade social ser construída através da compreensão das acções dos indivíduos ou do grupo nos seus contextos naturais (Denzin e Lincoln, 2000). Esta maneira de ver reconhece que o investigador não é completamente objectivo, manifestando as suas subjectividades e orientações conceptuais tal e qual como os seus respondentes (Miles e Huberman, 1994), reconhece a mútua criação do conhecimento “by the viewer and the viewed” (Charmaz, 2000). O objectivo desta investigação é precisamente compreender como os informantes-chave / actores dos destinos vêem e conhecem as suas representações do mundo e do tema em

apreço, mantendo-se um jogo dialéctico com a capacidade de interpretação do próprio investigador. Este pretende representar e reconstruir a realidade também através da interpretação desses actores. Ora, é na compreensão do sistema complexo que é o destino, das organizações que o gerem e do papel dos actores que gerem essas organizações, que se situa um dos objectivos deste estudo.

3. Características relativistas

Considera-se que há múltiplas realidades nos contextos sociais, incluindo a do investigador, que não pode reclamar uma só visão da compreensão dos fenómenos (Denzin e Lincoln, 1998; Charmaz, 2000). Num sistema complexo há múltiplas realidades que precisam de ser compreendidas. O investigador está munido do seu ponto de vista subjectivo da investigação e não pode, portanto, reclamar-se de ser o dono da única visão de compreensão do fenómeno em estudo. Outro investigador, com outra visão do mundo, legitimamente reclamaria uma outra visão da realidade social. Acrescente-se que o fenómeno/ sistema do Turismo não é só um sistema cujo funcionamento defende algumas das múltiplas realidades construídas pelos actores mas também, radica o turismo, num conjunto de emanações físicas e geográficas que igualmente o estruturam e condicionam para além das múltiplas leituras dos actores no terreno.

4. Reflexividade

Esta característica surge como o envolvimento consciente e crítico do investigador na investigação, “the human as instrument” (Guba e Lincoln, 1981), e de como constrói o conhecimento a partir do processo de investigação (Lincoln e Guba, 2000). Para além de ser concebida como uma maneira de assegurar o rigor da investigação (Miles e

Huberman, 1994), incorporar a reflexividade no processo de investigação requer da própria investigação a monitorização cuidada e a ponderação precisa da teoria desenvolvida no processo, bem como o reconhecimento do papel subjectivo do investigador na investigação.

O modo reflexivo implica ainda que as dimensões éticas, políticas e epistemológicas da investigação sejam parte integrante da produção do conhecimento (Marcus, 1999) citado em Goodson e Phillimore (2004). Acrescentam estas autoras que, dada a importância do contexto onde o conhecimento é produzido e o modo como esse conhecimento se relaciona com um determinado momento temporal, geográfico e social, só através de uma interpretação reflexiva e aberta se pode proclamar a validade de qualquer investigação.

Está ainda este conceito de reflexividade na base do que Denzin e Lincoln (1998) afirmam como critério fundamental da aceitação da investigação – o da transparência, critério esse que, para além de conduzir a uma maior aceitação e legitimação, permitiria ao investigador ser aprendente e crítico - “… that we learn from it as well as judge it” - ao referir-se a esta abordagem qualitativa menos “tradicional”. Esta questão da reflexividade requer ainda que o investigador identifique o seu relacionamento com os participantes / actores e, que o seu papel social ou profissional, no contexto do meio que quer investigar, seja também explicitado (Hall, 2004).

Finalmente a reflexividade reflecte-se ainda na relação complexa do investigador consigo próprio como produtor e aprendente no quadro deste percurso de investigação, não sendo impermeável perante as dificuldades suscitadas por esse duplo papel, à

emergência, conflito e reconfiguração dos seus múltiplos “selfs” como actor social, como profissional, como estudante e como elemento familiarmente integrado (Reinharz, 1997, citado por Lincoln e Guba, 2000).

Como diz Baert (2005), “cognitive aims of social investigation include the critique of society, understanding and, as I will stress, self-understanding.”

Para além deste último aspecto que será desenvolvido adiante neste capítulo, sobressai então que a reflexividade é fundamental para compreender sistemas de governação ou gestão do destino que oscilam entre a gestão política, administrativa e empresarial,