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Distintos analistas da realidade baiana concluem pela permanência de gritantes dis- paridades e desigualdades sociais apesar do crescimento econômico contínuo, a par- tir de 1992, ainda que com taxas oscilantes (1,3% em 1992, 3,9% em 1996, chegando a 6,7% em 1994, com média anual de 3,9% no período 1992/2000). Nesse período, destacaram-se os setores da indústria e de serviços e a consolidação da petroquímica e início da operação da indústria de celulose e metalurgia. A produção industrial per- manece concentrada, em termos geográficos, na Região Metropolitana de Salvador (70%) e especializada na produção de bens intermediários, sobretudo no ramo quími- co, voltada para abastecer o centro-sul e exterior. Observa-se o declínio da economia agrícola tradicional (cacau, sisal, mamona, fumo, café e algodão) que reduz sua parti- cipação no conjunto do PIB a 10%. Não obstante, a produção agrícola se diversifica com a ocupação dos cerrados (soja e fruticultura irrigadas); do Recôncavo Sul com especiarias e do Extremo Sul com a celulose, onde também cresce o turismo. Algu- mas perspectivas surgem na produção de soja, milho, sorgo, algodão, trigo, com a organização de agronegócio que associa aos grãos do oeste, o cacau do sul e os pro- dutos do semi-árido (UDERMAN e MENEZES, 1998).

Nos anos mais recentes, a economia baiana sofreu os impactos da política econômica recessiva: o setor agropecuário apresenta desempenho melhor, o industrial suporta crescimento modesto e o comércio enfrenta decréscimo, face à queda do rendimen- to e aumento do desemprego. As perspectivas não são animadoras se for mantida a política de juros e se os investimentos não forem incentivados; há, porém, promes- sas de mais investimentos nos setores de celulose, consolidação do complexo Ford, com ampliação para o setor de autopeças etc.

Em termos de distribuição dos investimentos, considerando-se os projetos anuncia- dos, verifica-se a concentração na RMS (60%) e no Extremo Sul (27%); as regiões Paraguaçu, Oeste, Serra Geral, Litoral Norte, seriam contempladas com projetos em torno de 2% a 3% dos recursos de investimento, envolvendo ampliação, implantação e reativação de atividades econômicas, enquanto as demais regiões não respondem sequer a 1% dos projetos (UDERMAN e MENEZES, 1998).

Aspecto importante a destacar é a distribuição destes projetos por ramos de ativida- de. No período 1997/2004, observa-se que o gênero alimentar recebe maiores in- vestimentos na região Oeste (47,7% dos projetos, vinculados à produção de grãos, com tendência à modernização) e na região Paraguaçu que participa em 38% dos projetos. A indústria de calçados, têxteis e confecções localiza-se mais na região Sudoeste, com 83% dos projetos, complementada pela RMS. As atividades mineral e de beneficiamento concentram-se na região da Serra Geral, com 80% dos projetos. Alguns ramos de maior valor agregado concentram-se basicamente na RMS: petro- química, metal mecânico, químico.

Há regiões que apresentam perspectivas a partir de algumas condições que lhes são favoráveis. A Litoral Sul, por exemplo, com a decadência do cacau, vem buscando de-

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senvolver a atividade eletroeletrônica, utilizando a boa infra-estrutura de que dispõe, fortalecendo seu pólo de informática mas também buscando a agroindústria em mol- des mais competitivos (fruticultura, dendê, cacau). A região Oeste tende a diversificar, com a produção de frutas e café, ainda que se concentre na produção de grãos e carnes. A região Sudoeste, além da produção de carnes, procura desenvolver a avicultura e suinocultura e investe na indústria de calçados. A Serra Geral volta-se para o segmento mineral (magnesita e urânio), potencial forte também do Piemonte de Diamantina. A produção do semi-árido ainda se baseia no sisal, mas vislumbra-se a criação de animais e seu melhor aproveitamento, inclusive com inovações genéticas, além de começar a despontar outras alternativas de transformação. Na região Nordeste, a instalação da barragem de Itaparica cria condições para projetos de irrigação, desenvolvendo culti- vos de uva, manga, cebola, manga, melão, cebola etc. Outras regiões, como a Litoral Norte, Médio São Francisco, Extremo Sul, apresentam possibilidades de certa diversi- ficação, principalmente na horticultura e indústria madeireira.

Além do Extremo-sul, outros novos eixos de expansão econômica podem ser esti- mulados a partir da identificação das suas potencialidades. A indústria têxtil e de calçados no Sudoeste, a mineração, a pecuária, o cultivo do sisal, na região do semi- árido, a fruticultura irrigada, no Baixo Médio São Francisco e a cadeia de grãos-car- nes no Oeste são exemplos de atividades capazes de propiciar a formação de pólos interiorizados, promovendo uma desconcentração espacial da economia baiana (UDER- MAN e MENEZES, 1998, p. 98).

Face à importância político-social da agricultura é preciso levar em conta, primeiro, a estrutura agrária do Estado. Nesse sentido, observa-se que 57,5% dos estabelecimen- tos têm menos de 10 hectares, ocupando apenas 4,6% da área total. Portanto, a maior parte dos estabelecimentos constitui-se de minifúndios. O número destes estabeleci- mentos cresceu entre os anos de 1970 a 1990, mantendo-se a mesma área e, portanto, reduzindo ainda mais o tamanho das propriedades. Acima de 100 hectares, o número de estabelecimentos corresponde a 42% ocupando uma área de 69% do total, revelando assim o alto grau de concentração fundiária. Observa-se, inclusive, que a extensão da área ocupada pelas grandes propriedades vem aumentando, passando de 3,7% em 1970 para 10% em 1995. Considerando-se um horizonte de tempo mais amplo, verifica-se que, do ponto de vista da estrutura de propriedade, a situação pouco mudou. Entre os que ocupam a terra, 10% não são proprietários, ou seja, são parceiros, arrendatários e ocupantes. Embora a grande parcela seja de proprietários, 50% destes possuem propri- edades de menos de 10 hectares (IBGE – Censo 1995-1996).

Predomina, ainda, a atividade agropecuária tradicional, apesar da crise de culturas como o cacau, sisal, algodão, mamona e do surgimento de novas culturas (cereais e frutas, madeira para celulose). Nas áreas agrícolas mais dinâmicas, os lucros não foram reinvestidos na região, nem houve melhoria da qualidade de vida dos trabalha- dores. Ao lado da crise da agricultura tradicional como a cacauicultura, cuja participa- ção no Valor Bruto de Produção (VPB), cai de 36% em 1985 para 5,9% em 2000. As demais culturas (mamona, café, algodão) seguem a mesma tendência, caindo a parti- cipação no VBP de 18,8% em 1985 para 10,8% em 2000. Observa-se, contudo, a ex- pansão de novas culturas, como soja, milho que passam de 3% de participação no VBP para 10% e 5%, respectivamente. Os setores frutícola, de silvicultura e de granja,

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também se expandem, elevando sua participação (SOUZA e PEDREIRA, 2002) Esta modernização não estendeu seus resultados para o conjunto do Estado, não só em termos de território, como de categorias de produtores. A configuração do espa- ço rural baiano comporta “dois mundos”. De um lado estaria um novo mundo rural desenvolvido, onde proliferam novas atividades agrícolas e os segmentos agroindus- triais modernos associados às atividades não agrícolas ligadas ao turismo rural e às atividades urbanas. Do outro lado, estaria o mundo rural atrasado, onde se destacam a intensificação de estratégias de sobrevivência impulsionadas pelo trabalho em tem- po parcial e pela transferência de rendas do setor público, na forma de aposentadoria e pensões. O novo mundo rural desenvolvido comportaria duas grandes áreas: as “ilhas de prosperidade”, com porções do oeste, norte e extremo-sul da Bahia com uma agricultura produtivista (grãos, fruticultura e silvicultura) e a “litorânea tradicio- nal”5 com a agricultura tradicional em crise, mas com outras alternativas, inclusive

não agrícola, como o turismo (SOUZA e PEDREIRA, 2002).

Em termos de emprego, observa-se maior nível de ocupação das famílias entre os empregados chamados pluriativos e não agrícolas, oriundos de pequenos estabeleci- mentos comerciais. No caso de trabalhadores agrícolas, o crescimento se dá pela expansão da fronteira agrícola no Oeste do Estado e dos projetos de irrigação – fru- ticultura, expansão da horticultura e cafeicultura. O semi-árido, que ocupa 2/3 do Estado, é uma área pobre, cujas atividades econômicas são dependentes das rendas agrícolas que sofrem influência negativa do clima e da falta de adaptação: a cada qua- tro safras apenas uma é satisfatória. Há regiões como a cacaueira em constante crise mas onde há cidades que desenvolvem setores não agrícolas como o do turismo, com hotéis, pousadas e poucas empresas industriais. As pequenas propriedades são incapazes de prover o sustento familiar, estimulando a busca de outras atividades, nem sempre agrícolas.

As rendas e transferências governamentais e aposentadorias desempenham papel importante na composição geral das rendas. Cerca de 40% dos benefícios são para pessoas do campo e em muitos municípios o volume pago constitui quase que a única fonte de renda das famílias. As rendas não agrícolas das famílias são relevantes, em- bora vindas de atividades pouco qualificadas.

O rendimento médio dos chefes de família, no estado, é de R$ 574,00 na área urbana e de R$ 190,00 na área rural, um pouco maior que a do Nordeste (IBGE – Censo de 2000). Essa defasagem de renda entre área urbana e rural é bem maior no Nordeste e na Bahia do que no país como um todo. Em termos de analfabetismo, a Bahia está acima da média nacional, com 24,7%, atingindo, na zona rural, 40% (sobretudo nas faixa mais elevadas de idade – 40 anos). A população sem instrução e com menos de um ano de estudo atinge na Bahia 24,15% (IBGE, PNAD – 1999).

Em termos de perspectivas e de possibilidades de se instituírem políticas públicas de caráter inovador existem algumas formulações em discussão e outras em prática. Como exemplos, citam-se: 1) atividades agropecuárias que agreguem valor: produ-

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ção de flores, especiarias, horticultura; animais silvestres em cativeiro; há sugestões de formatos organizacionais novos (cooperativas, consórcios); 2) atividades pluriati- vas no meio rural voltadas para o lazer (turismo ecológico, turismo cultural, artesa- nato); 3) funcionamento de consórcios intermunicipais de desenvolvimento local sus- tentável como o do Vale do Jiquiriçá, estruturado desde 1993 e o da Costa do Coquei- ro na região Litoral Norte, mais recente. O primeiro envolve 25 municípios e visa criar fóruns de desenvolvimento local, capacitando lideranças na área de associativis- mo, cooperativismo, elaboração e gestão de projetos, captação de projetos; o segun- do, coordenado pela ONG Ondazul, visa realizar projetos comuns a 7 municípios, com ênfase na questão ambiental.

Apesar da importância destas iniciativas, é preciso, no entanto, encará-las critica- mente pois, apesar da participação de ONGs e de outras associações, há um forte controle do Governo estadual, por meio de órgãos como Sebrae, Conder, CDA e, no caso dos Consórcios, dependência das políticas locais, já que as prefeituras são seus membros e os prefeitos têm seus interesses político-eleitorais próprios e nem sem- pre querem submeter-se a decisões coletivas. O fortalecimento da sociedade civil e sua autonomia vai depender da articulação das organizações e da proposição de alter- nativas viáveis de desenvolvimento, além das possibilidades de controle social que possam vir a exercer, influindo, inclusive, nas decisões de aplicação de recursos. As mudanças econômicas com o surgimento de novos setores mais dinâmicos, ainda que não alterem as estruturas de concentração espacial e de propriedade, permitem o surgimento de novas relações sociais e de novos tipos de organização, como agências de comercialização, centrais de associações voltadas para exportação, cooperativas de crédito, organizações empresarias não tradicionais como a Associação dos Irrigantes da Bahia, Associação Baiana de Criadores de Caprinos, organizações de economia soli- dária, redes de cooperativas de crédito – Sicoob-Ba (Sistema das Cooperativas de Cré- dito), a Ecosol (Sistema Nacional de Cooperativas de Economia e Crédito Solidário) abrangendo 13 municípios, Ascoob (Associação das Cooperativas de Apoio à Economia Familiar), vinculada a APAEB/MOC, sindicatos de trabalhadores agrícolas assalaria- dos (Juazeiro), Fetraf (Federação dos Trabalhadores na Agricultora Familiar), a Articu- lação em Agroecologia na Bahia.

Em decorrência da implantação de novas culturas, são criadas novas organizações, com formatos diferentes, embora dentro do mesmo padrão legal, já que em termos institucionais pouco se tem renovado, com exceção da regulamentação das OSCIP e OS. É o que aconteceu em Irecê com a introdução da cultura do tomate e a criação do Sindicato de Produtores Rurais, envolvido diretamente na mobilização de agriculto- res ligados àquela cultura, em detrimento dos tradicionais Sindicatos de Trabalhado- res Rurais que agregam pequenos proprietários, meeiros, parceiros etc. e dos Sindi- catos Rurais, formado por médios e grandes proprietários. Em Eunápolis, para esti- mular a criação de caprinos e ovinos, e com atuação em todo o Estado, criou-se em 1999 a Accoba – Associação de Criadores de Caprinos e Ovinos da Bahia, desenvol- vendo inclusive um programa de cunho social como o “Ovelha Escola”, reproduzindo o programa existente em Retirolândia chamado de “ Bode Escola”, que consiste na doação de 2 cabeças de gado a cada família que, em contrapartida, se compromete a

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manter os filhos na escola (A Tarde Rural, 22 dez.2003, p. 8). Do cultivo de flores e plantas ornamentais em 28 municípios surgiu a Asblafor, congregando os produtores desta cultura.

A renovação de certas culturas com introdução de novas tecnologias e alguns proje- tos desenvolvidos pelo Sebrae têm contribuído também para o surgimento de articu- lação de organizações como as Redes Associativas de Mandiocultura, estimulada pelo Projeto Oportunidades de Negócio. Embora seja possível perceber que se trata de uma estratégia onde a organização passa a ser um mero instrumento facilitador de implantação do projeto, cria-se a oportunidade para que estes segmentos se encon- trem, discutam problemas comuns e se mobilizem em torno de reivindicações mais gerais que respondam a problemas que afetam a comunidade.