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Jackline Rabelo Maria das Dores Mendes Segundo Helena Freres Valdemarin Coelho Gomes

À luz da crítica marxista, pretendemos analisar no contexto da crise estrutural, o complexo da educação e sua função social expressa nos termos das conferências desenvolvidas pela Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) ocorridas nos anos de 1985, 1989, 1992, 1993, 1995, 1996, 1997, 1998, 2007 e 20081 e seus desdobramentos sobre a organização do ensino nos países da América Latina e do Caribe. O esforço investigativo pautou-se, sobremaneira, nas contribuições de teóricos afi nados com o campo do marxismo, particularmente nos estudos desenvolvidos por Mészáros, Saviani, Tonet, Lessa, Jimenez e Mendes Segundo, Rabelo e Carmo.

De início, lembramos que a OEI2, como organismo internacional, apresenta um caráter intergovernamental e visa à cooperação entre

1 Os títulos das Declarações e os locais onde aconteceram as referidas Conferências são os seguintes: “Conclusões da Reunião sobre Educação, Trabalho e Emprego, Havana, 1989; “A cooperação ibero-americano no campo da Educação”, Guadalupe, 1992; “A descentralização educacional”, Santa Fé de Bogotá, 1992; “Governabilidade democrática e governabilidade dos sistemas educacionais”, Concepción, 1996. As Declarações elaboradas em Salvador (1993), Buenos Aires (1995), Mérida (1997), Sintra (1998), Valparaíso (2007) e Salinillas (2008) receberam como título os nomes das cidades onde ocorreram.

2 A organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) nasceu em 1949 sob o nome de Escritório de Educação Ibero-americana, com caráter de agência internacional,o qual foi realizado em Madrid, o I Congresso Ibero-americano de Educação. Apenas em 1954, na efetivação do II Congresso, em Quito, que esta instituição foi transformada em organismo intergovernamental, tendo o seu Estatuto aprovado em março de 1957, em Santo Domingo.

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seus países-membros3 no que se refere à educação, à ciência e à cultura, mediante ações para estimular o desenvolvimento integral, a democracia e a articulação regional, bem como o desejo de “estabelecer o conhecimento, a compreensão mútua, a integração, a solidariedade e a paz entre os povos ibero-americanos4”.

A partir de 1985, ano em que seus objetivos foram ampliados, a educação na América Latina assumiu uma tripla função:

[1] humanista, desenvolvendo a formação ética, integral e harmoniosa das novas gerações; [2] de democratização, assegurando a igualdades de oportunidades educativas e a eqüidade social; e [3] produtiva, preparando para a vida do trabalho e favorecendo a inserção laboral (Idem, p. 2)

Essa tripla função, pretensamente humanista, democrática e produtiva, posta para a educação no atual contexto histórico de crise estrutural do capital, alastra-se por todo o planeta. Nesse contexto, a educação é vista como a panacéia capaz de resolver os dramas da humanidade, que vão do proclamado “respeito às diferenças”, da inserção dos indivíduos no mercado de trabalho até a pacifi cação dos confl itos e a redução da pobreza.

Partindo desse pressuposto, todos os problemas que atualmente afetam a humanidade são compreendidos como consequência da falta de investimento em educação, concepção essa própria dos mecanismos encontrados pelo capital para suavizar os efeitos catastrófi cos da crise desse sistema vivenciada desde o fi nal da década de setenta do século

3 Fazem parte da OEI os seguintes países ibero-americanos: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Chile, El Salvador, Equador, Espanha, Guatemala, Guiné Equatorial, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. A sede da OEI fi ca em Madrid, possuindo sedes regionais em alguns países americanos, dentre eles, o Brasil.

4 Texto de apresentação da OEI pelo Secretário Geral da instituição Francisco José Piñon, Disponível no site www. oeibrpt.org/xicie.htm. Acesso em 24.01.2006

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passado, que intensifi cou, sobremaneira, o processo de exploração e precarização do trabalho.

Em consonância com a concepção do fortalecimento do capital em tempos de crise estrutural5, entendemos que há diversas formas de validar o metabolismo do capital, que também atribui à educação o papel de compor o sistema de controle totalitário e sociometabólico do próprio sistema, que se serve, na mesma medida, das políticas estatais das nações subsumidas a essa lógica de assegurar, proteger e fortifi car permanentemente a produtividade do mercado capitalista. Recorrendo a Mészáros, compreendemos claramente os termos da relação entre capital e estado moderno, pois este

[...] é uma exigência absoluta para assegurar e proteger permanentemente a produtividade do sistema. O capital chegou à dominância no reino da produção material paralelamente ao desenvolvimento das práticas políticas totalizadoras que dão forma ao Estado moderno (MÉSZÁROS, 2006, p. 96).

Quanto ao conteúdo próprio das Conferências Ibero-americanas promovidas pela OEI, avaliamos que as mesmas somam-se, indiscutivelmente, às orientações e às determinações dos organismos internacionais à espreita da tutela do Programa de Educação para Todos, cujo marco foi a Conferência de Jomtien, na Tailândia, em 1990, na qual foram defi nidas as Necessidades Básicas de Aprendizagem (NEBAS). Esse conteúdo foi encaminhado, originalmente, pelo Banco Mundial e pela Unesco, sob os preceitos, à primeira vista, vantajosos do desenvolvimento de uma qualidade educacional destinada à população da periferia do mundo, mas que, de fato, giram em torno dos interesses

5 De acordo com Mészáros (2006), essa crise é universal, global, contínua e rastejante pelos seguintes motivos, respectivamente: a) atinge todas as esferas da produção; b) não se limita a um conjunto de países; c) não é cíclica; “rasteja-se” até nossos dias.

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de reprodução e expansão do capital, contando sempre, nessa atuação, com o auxílio fundamental das políticas estatais dos países envolvidos.

Destacamos que a própria OEI, em sua I Conferência Ibero- americana de Ministros da Educação6, no ano de 1989, reconhece que “nossos países enfrentam uma crise estrutural7, que afeta profundamente os agentes econômicos, o Estado, o modo de produção, a inserção externa, a situação social e que, além disso, se desenvolve de modo caótico” (1989, p. 1).

Desse modo, para a solução do problema, os ministros de educação desses países propõem “medidas drásticas de contenção de gasto e a inversão pública, com seu dramático custo social que ampara a marginalização e os atrasos existentes” (idem), advogando, em seus termos, a necessidade de criar políticas que visem “paliar as mais severas repercussões que, na conjuntura, afetam a produção, o emprego e os níveis de renda e consumo da população” (idem).

Nessa direção, defendem ainda que a possibilidade de solução desses problemas estaria fortemente determinada “pelas condições e características das estruturas econômica, social e política” de cada país (idem), afi rmando, ademais, que a solução para os graves problemas da humanidade, que tendem a se agudizar cada vez mais, deve ser encontrada por cada país e depende da boa vontade individual de seus concidadãos.

Os membros partícipes da referida Conferência, reunidos em Havana, apregoam que os setores do emprego e da educação constituem-

6 Documento fi nal foi intitulado Conclusões da Reunião sobre Educação, Trabalho E Emprego (Havana, Cuba, 29 de maio a 2 de junho de 1989)

7 A crise de que tratam no documento em tela seria de natureza administrativa, que pode ser resolvida, segundo eles, com um bom planejamento e com a elaboração de políticas públicas setoriais e intersetoriais. Não fazem referência, portanto, à crise estrutural do capital, defi nida por Mészáros (2006), conforme explicitamos anteriormente em nota.

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se em molas-mestras do desenvolvimento econômico e social, sendo que esta, a educação, a base do primeiro – já que o mundo capitalista é impossibilitado, por sua própria lógica, de prover emprego para todos, ratifi cando, por essa via, que a “educação não constitui um fenômeno isolado, mas, sim, que se inscreve, determina e atua em um marco social, econômico, político, produtivo e tecnológico concreto” (idem).

Alertavam ainda para o fato de que a chamada “revolução” tecnológica produziria “mudanças signifi cativas na forma de organização dos processos de trabalho, na natureza da divisão internacional do trabalho, na hegemonia por países e regiões, nas condições setoriais de produção, nas condições de vida e de trabalho da população de diversos países [...]” (idem, p. 2). Diante dessas mudanças, colocou-se a necessidade de uma exigência muito maior em relação à qualifi cação, à distribuição espacial da população e à natureza dos instrumentos da política econômica para que os países possam promover tanto as “potencialidades” necessárias a essas mudanças como também diminuir o custo social e “o perigo derivado das perseguições que essa nova realidade pode apresentar para as condições gerais de vida dos nossos povos” (idem, p. 2).

A esse respeito é importante problematizar que não foi a “revolução” tecnológica quem produziu essas mudanças, mas o próprio capital em seu contexto de crise que já explodia na década de 1970. O sistema metabólico do capital é que buscou na inserção da robótica e da microeletrônica no processo produtivo a possibilidade de saída dessa crise, intensifi cando, ainda mais, a extração do sobretrabalho. Essa intensifi cação da exploração do trabalho representou para a classe trabalhadora tanto a expropriação completa dos meios de trabalho e de vida como uma tentativa muito maior de cooptação de suas subjetividades – além do desmoronamento dos direitos trabalhistas por

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ela conquistados e da fragmentação da sua classe, limitando a sua luta à sobrevivência imediata.

Lembremos que com a substituição do taylorismo/fordismo pelo toyotismo como modelo de gerenciamento técnico-científi co (embora tal substituição não tenha ocorrido em sua totalidade), recaiu sobre os trabalhadores a responsabilidade de se constituírem como indivíduos trabalhadores de novo tipo: fl exíveis, polivalentes, multifuncionais, que saibam lidar com as incertezas e tomar decisões, além de se qualifi carem constantemente para ocuparem uma possível vaga no mercado de trabalho.

Em crise concorrencial ampliada, cabe ao capital reestruturar as suas relações de produção, impondo, sem limites, a humanidade à beira da destruição total. É para “impedir” e enevoar a compreensão por parte dos trabalhadores desse processo de contradições estruturais que põem em risco a humanidade por inteiro, que a educação passa a assumir, de forma mais sistemática, o caráter de centralidade na resolução das desigualdades sociais geradas nesse contexto.

Em nossos estudos que se encaminham na contramão dessa concepção sócio-educacional, afi rmamos, apoiadas na ontologia marxiana-lukacsiana, que a atividade educativa nunca será a categoria central do desenvolvimento histórico dos homens, não competindo à mesma a resolutividade das contradições gestadas no seio de uma sociedade classista. O trabalho é que possui a primazia de ser essa atividade fundante do ser social, por ser criador do mundo dos homens. Na medida em que o homem transforma o existente para a satisfação de suas necessidades, transforma também a si enquanto ser genérico, pois, nesse processo de modifi cação do existente, adquire novas habilidades e novos conhecimentos que precisam ser universalizados. Assim, a educação surge como uma atividade que, além de repassar o

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saber historicamente acumulado pelos homens, atua na subjetividade, infl uenciando os indivíduos para agirem desta ou daquela maneira.

Retomando o conteúdo da I Conferência (Havana), nas proposições dos ministros, representantes do escritório da burguesia, a educação dos povos ibero-americanos, envolveria “todos os níveis de formação, qualifi cação, reciclagem e conversão dos recursos humanos com que contam os países” (1989, p. 2). A “forte pressão” sobre o sistema educacional – para que ele se adaptasse às “exigências do mundo produtivo” e, assim, cumprisse com a função de preparar os indivíduos necessários ao mundo da produção – ocorreu, no caso brasileiro, sete anos depois.

Tal Conferência antecede a Declaração de Jontiem, marco do Programa de Educação Para Todos (EPT). Em ambas, encontramos referência às “exigências cognoscitivas”, ou seja, à necessidade do desenvolvimento de valores e habilidades que o indivíduo precisa desenvolver para estar inserido no mundo produtivo. Para tanto, a Conferência ibero-americana anuncia que é “preciso potenciar a capacidade transformadora da educação para apoiar os esforços de mudança dos padrões de desenvolvimento produtivo, o que exigirá a conjunção dos esforços de todos os âmbitos políticos e administrativos e agentes sociais” (1989, p. 4), visando à interdependência entre os povos e à consolidação da democracia e do desenvolvimento econômico-social, através, claro, da educação – é o que podemos depreender do texto da segunda Conferência ocorrida três anos após a de Havana, em Guadalupe, Espanha, reiterando, com a mesma disposição, as preposições acerca do papel central da educação em tempos de desigualdade social.

No que toca ao debate em torno da democracia, os ministros de educação, numa posterior conferência de 1996, consideram que ela “é a única adequada para assegurar uma convivência pacífi ca e o pleno

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respeito aos direitos essenciais das pessoas” (1996, p. 1). A educação para a democracia, de acordo com os ministros, “deve contribuir para o desenvolvimento, preparando pessoas adequadamente qualifi cadas e formando cidadãos arraigados na cultura cívica democrática” (1996, p. 1). Nesse propósito, delegam aos professores que os mesmos “não só transmitam como também pratiquem, juntamente com os alunos os valores democráticos” (1996, p. 1).

A tese de que a “educação é um instrumento fundamental para a efetivação da democracia”, considerada como o “tipo de organização de sociedade em que se superam as desigualdades sociais”, constitui- se uma análise superfi cial da realidade por quatro aspectos: a) não é a educação a atividade central do mundo dos homens, conforme indicamos acima, portanto, não se deve a ela a construção de outra forma de sociabilidade, seja qual for; b) a origem das desigualdades sociais está na própria forma de organização social, que tem como base a exploração dos homens pelos homens, portanto, enquanto essa forma de sociabilidade não for superada, tais desigualdades também não o serão; c) a democracia não é a alternativa de organização social que eleva a humanidade a um patamar superior de sociabilidade, pois ela possui seus limites históricos no próprio sistema que a criou; d) a luta por outro patamar de organização social é uma atividade prática dos homens – que tem, no trabalho, o modelo de toda práxis – e visa a superação do capital.

No entanto, não é dessa forma que os ministros compreendem, e nem poderiam. Estes, em consonância com o pensamento posto pelo sistema, defendem idéias falsas, mas socialmente necessárias à materialidade do sistema do capital, acerca da própria realidade que, por sua vez, justifi cam as desigualdades existentes.

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Reiterando o proclamado potencial transformador da educação, a Conferência de 1992, em Guadalupe, representada pelos seus ministros de educação, propuseram ações que visassem à cooperação entre os países através da educação. Essas ações são destinadas à cooperação: a) nos projetos de políticas e estratégias para a transformação dos sistemas educacionais; b) no apoio aos processos de democratização da educação; c) na vinculação da educação com processos sócio-econômicos; d) no apoio aos processos de integração e concertação (sic) regionais e sub-regionais; e) na modernização das administrações educacionais. Todas essas ações, vale salientar, visam à consolidação da democracia, à integração das comunidades e à melhoria social, política e econômica dos povos ibero-americanos.

Os “avanços signifi cativos” dessas ações foram reconhecidos pela terceira Conferência, ocorrida em Santa Fé de Bogotá, Colômbia, que reafi rma, então, as decisões tomadas anteriormente e conclama a todos os países-membros da OEI a se comprometerem com a promoção de planos integrais e intersetoriais de desenvolvimento, “que maximizem os recursos e incorporem ações para a melhoria da qualidade de vida” (1992, p. 2). Afi rmam os ministros que a necessidade de desconcentrar e descentralizar a distribuição e a aplicação dos recursos destinados à educação, atendendo à realidade de cada país, já que “as opções adotadas por uns países não constituem modelos transladáveis mecanicamente a contextos diferentes” (1992, p. 1).

Para a solução desses problemas, consideram necessário que cada país invista em educação como preparação para o mercado de trabalho. Para atender a essa educação no contexto desse “mundo cambiante”, é importante a criação de “estruturas de educação e formação mais variadas, abertas e fl exíveis” (1993, p. 4)8, ou, em outras palavras,

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educação à distância, dentre outras modalidades semelhantes que fl exibilizam a oferta de ensino. Essa estratégia, segundo os ministros, visa “multiplicar e diversifi car as ofertas educacionais para todas as pessoas, ajudando a realizar o ideal da verdadeira democratização da educação” (idem, p. 4), afi rmando ainda que

[...] são variadas as razões que justifi cam esta decisão, entre elas, a enorme variedade de grupos com necessidades de educação básica e de formação para o trabalho, sobretudo aqueles que, por razões de residência, familiares ou de emprego, estão impedidos para seguir cursos regulares presenciais, o qual aconselha o desenvolvimento de sistemas fl exíveis que permitam a auto-aprendizagem e a autoconstrução do saber (1993, p. 4)

Esta decisão representa o ápice da responsabilização individual para que cada um se liberte da sua condição de miséria. Afi nal de contas, num tempo de barbárie humana crescente, o mecanismo ideológico de convencimento dos indivíduos é extremamente necessário. Essa proposta cai por terra pelo fato de que existem regiões inteiras no Brasil que nem mesmo a televisão, a luz e o telefone chegaram até lá: os povos ribeirinhos da região amazônica, por exemplo.

Na aludida Conferência, registra-se a preposição de que educação, destinada ao mundo laboral, “deve promover o pleno desenvolvimento da personalidade humana, enriquecer o acervo cultural da sociedade e preservar o meio ambiente dentro do desenvolvimento sustentado, objetivos considerados básicos por nossos povos” (1993, p. 2). Visando a essa formação “plena” da personalidade, a educação tem, “entre suas incumbências principais, a de preparar as pessoas para sua participação social no mundo do trabalho, desenvolvendo os valores, condutas e competências que permitam sua prosperidade e a dos países” (idem).

Sobre essa função da educação de responder “aos desafi os atuais”, podemos lembrar que Saviani (2003), ao contrário do que apregoam os

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ministros, afi rma que a função da educação é transmitir os conhecimentos, os valores e as habilidades construídas historicamente pelos homens, cuja apropriação contribui para o processo de reprodução social.

No contexto dessas conferências, não podemos deixar de considerar que, no atual momento histórico se torna necessário negar o acesso ao conhecimento científi co e universal, e que a educação está impedida, em última instância, de cumprir o papel destacado por Saviani. O acesso ao saber sistematizado é dever da educação, mas esse saber está sendo negado cada vez mais porque ele possibilita o salto do senso comum ao conhecimento cientifi camente elaborado. Sem o acesso a esse conhecimento, é impossível a elevação cultural dos indivíduos.

No que se refere especifi camente aos valores, os ministros lamentam, na Declaração de Mérida, Venezuela (1997), no cenário da VII Conferência Ibero-americana de Ministros da Educação, que, apesar do “pleno desenvolvimento da capacidade tecnológica do ser humano, surge com renomada força a pergunta pelos valores” (1997, p. 1). A educação, assim, “começa a reagir compreendendo que a cultura é mais do que sua capacidade cognitiva” (idem). Surgem, então, nesses tempos de crise estrutural do capital (MÉSZÁROS, 2006), diversos tipos de cultura: cultura de paz, cultura empreendedora, cultura sustentável, cultura democrática, cultura plural, multiculturalismo etc. Aliás, a Conferência recomenda que “o respeito e a promoção de tal pluralismo e a confi ança, que são fatores de progresso individual e coletivo, supõem reconhecer, de fato e de direito, o poder formador da comunidade” (1997, p. 2), requerendo a promoção da “autocrítica de nossa própria cultura, a aprendizagem do valor das outras e o cultivo do diálogo como via para abordar e, se possível, resolver os confl itos” (p. 2), transformando situações de iniquidade, violência, impunidade e corrupção, sem a necessária superação do tipo de organização social que

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as gera, em níveis de justiça, equidade e solidariedade, pois as diferenças existentes devem ser corrigidas pelas sociedades do conhecimento9. Portanto, de acordo com os ministros, devemos “[...] evitar que esta sociedade gere novas diferenças de classes, que implica discriminação entre culturas por sua desigual possibilidade de acesso ao conhecimento” (1997, p. 2).

Compreendemos, com apoio na crítica marxista, que as “diferenças de classes” têm como base a relação antagônica entre capital x trabalho e não correspondem a uma categoria amorfa acima da própria realidade. Isso signifi ca dizer que a sociedade capitalista aprofunda cada vez mais a relação antagônica entre capital e trabalho, jogando na mais aguda miséria a classe produtora do conteúdo material da riqueza, riqueza essa cada vez mais crescente e apropriada pela classe que não a produz. Portanto, as diferenças entre classes, ou melhor, a luta de classes, é uma categoria do real que, a partir da mesma, podemos apreender as complexas diferenças de cor, de gênero, de religião e/ou de línguas.

Nessa dita “sociedade do conhecimento”, conforme a Conferência de Mérida, é “papel da escola promover um efetivo acesso ao conhecimento científi co, humanístico, artístico e tecnológico como