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Em debate os chamados “novos paradigmas”

Já no início do século XXI, o escolanovismo ao sobrepor a discussão técnico-pedagógica à preocupação com a discussão política, põe em alto relevo o lema do “aprender a aprender”, ideário que recebe contribuição direta de John Dewey (1859-1952). Tal lema presente nos estudos de Piaget é revisitado tanto por Perrenoud, ao formular os fundamentos sobre o estudo das competências, quanto por Donald Schön, em seus estudos sobre o professor refl exivo. Desse modo, o lema learning by doing/ learning to learning vem se mantendo presente nos documentos ofi ciais contemporâneos, os quais são referências mundiais para a educação do milênio.

O relatório da comissão internacional da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), conhecido como relatório Jacques Delors, norteia os Parâmetros Curriculares Nacionais, destacando quatro pilares do conhecimento, quais sejam: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser. Duarte (2001) analisa com propriedade o ideário das pedagogias do aprender a aprender, evidenciando um conjunto de teorias, dentre as

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quais destacamos a pedagogia das competências, o construtivismo e os estudos que consubstanciam a linha teórica sobre “professor refl exivo”.

Como assevera Facci (2004, p. 87), o construtivismo constitui “[...] a maior corrente propulsora da difusão das ideias de Piaget no Brasil.” Recebida com entusiasmo por parte dos professores brasileiros, as ideias piagetianas eram colocadas como inovadoras, no sentido de se contraporem ao ensino tradicional, ao excesso de teorização, às aulas enfadonhas, à centralidade no professor, à concepção de aluno como objeto, com a proposta de aulas mais leves e dinâmicas através de atividades planejadas a fi m de que o tipo de conteúdo e sua transmissão ocorressem de maneira signifi cativa para o aluno.

Após duas décadas de sua inserção no contexto de formação de educadores e, por conseguinte, de sua prática, o construtivismo vem recebendo críticas por vezes marcadas por confl itos1 dos professores, pela difi culdade em admitir as falhas oriundas de tal arcabouço teórico que vem fundamentando sua formação e sua prática. As críticas também são feitas por estudiosos reconhecidos nacionalmente no meio acadêmico, seja na perspectiva de apenas complementar os princípios que norteiam o construtivismo e seu ideário, ou por apontar uma teoria que se contrapõe radicalmente ao que está posto nessa corrente, em termos de formação humana.

Compondo o conjunto de teorias do aprender a aprender, duas categorias aparecem no contexto da formação de professores, a saber, competências e habilidades, indispensáveis ao professor, na assim chamada “sociedade do conhecimento”. Nesse sentido, cabe ao trabalhador um conhecimento diversifi cado e genérico a fi m de que possa se adaptar à amplitude das situações e tarefas exigidas.

1 Ao discutir sobre a construção retórica e valorativa da imagem do construtivismo por parte dos professores, Rossler (2006) identifi ca um misto de amor e ódio, sendo difícil às vezes identifi car se determinado professor, ou até mesmo autor, defende ou critica esse ideário.

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Facci (2004) chama atenção para outro nome associado à pedagogia das competências: Philippe Perrenoud. Conforme este autor, o conceito de competência vem sendo difundido no Brasil como uma capacidade de agir com a devida efi cácia em determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, no entanto, sem se limitar a eles. Defendendo que a formação de competências2 depende da transformação na prática docente, uma das metas para que se alcance tal objetivo, é antes fazer aprender do que ensinar.

Uma terceira proposição teórica vem se somar a duas aqui comentadas3 e consiste no ensino refl exivo que teve início na Inglaterra, nos anos de 1960 e nos Estados Unidos, nos anos de 1980. Tendo base deweyana e rogeriana a formação de professores nessa perspectiva tem como destaque no Brasil o nome de Donald Schön e vem defender a ideia de que não podemos ensinar ao aluno aquilo que ele vai ter necessidade de saber, mas ajudá-lo a adquirir esse conhecimento. Chamamos a atenção para a articulação4 com os fundamentos das teorias aqui apresentadas como integrantes das pedagogias do aprender a aprender.

Ao discutir os preceitos das pedagogias do aprender a aprender na assim chamada “sociedade do conhecimento”, Duarte (2001)

2 Jimenez, Bertoldo e Morato (2006) – em painel intitulado: “Que paradigmas educam o educador?: a formação docente e a crítica às pedagogias das competências”, apresentado no XIII ENDIPE – tratam da formação do educador no contexto da crise da sociabilidade contemporânea, questionando sob esse enfoque, a insurgência dos chamados “novos paradigmas” que contrariam a perspectiva do trabalho, reeditando o ideário do pragmatismo, representado por excelência pela pedagogia das competências.

3 Ver mais sobre considerações referentes ao professor refl exivo em Facci (2004).

4 Duarte (2001) faz referências a passagens de textos de Perrenoud contidas na “Revista Nova Escola” (2000), tentando analisar a inclusão da pedagogia das competências no grupo das pedagogias do aprender a aprender, juntamente com o construtivismo, a Escola Nova, os estudos na linha do “professor reflexivo”, entre outros. O autor busca estabelecer as interfaces entre esses ideários pedagógicos vistos normalmente por boa parte dos educadores brasileiros como ideários pertencentes a campos distintos.

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destaca ilusões que falseiam a contribuição que o ideário constituinte do conjunto dessas pedagogias presta à reprodução do capital, fragmentando desse modo a formação humana. Nesse sentido, o autor elenca quatro posicionamentos valorativos a partir dos fundamentos desse conjunto teórico:

[...] aquilo que o indivíduo aprende por si mesmo é superior, em termos educativos e sociais, àquilo que ele aprende através da transmissão por outras pessoas e 2) o método de construção do conhecimento é mais importante do que o conhecimento já produzido socialmente. O terceiro posicionamento valorativo contido no lema “aprender a aprender” seria o de que a atividade do aluno, para ser verdadeiramente educativa, deve ser impulsionada e dirigida pelos interesses e necessidades da própria criança. O quarto posicionamento valorativo contido no lema “aprender a aprender” é o de que a educação deve preparar os indivíduos para acompanharem a sociedade em acelerado processo de mudança (DUARTE, 2001, p. 36-38).

Fica claro, então, que o cerne das críticas mais contundentes às novas abordagens: pedagogia das competências (Perrenoud), professor refl exivo (Donald Schön, Tardiff , Edgard Morin, Cesar Coll) fi nca-se na afi rmativa de que o conjunto dessas teorias fortalece o subjetivismo, a fragmentação do sujeito, o esvaziamento e a desvalorização do professor, em detrimento da articulação sujeito-objeto na perspectiva ontológica do ser social, tendo no trabalho sua categoria fundante. Desse modo, tais perspectivas se coadunam com a chamada sociedade do conhecimento e com as ilusões dissimuladas por um véu ideológico, contribuindo para a reprodução do capital em seu sistema metabólico.

Em meio a críticas apontadas à abordagem tradicional, as chamadas pedagogias do aprender a aprender vêm num golpe duplo, secundarizando o papel do professor, retirando do ato de ensinar a transmissão do conhecimento historicamente produzido pela humanidade. Segundo Lima (2009, p. 97):

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No bojo desse ideário pedagógico, a aprendizagem espontânea – realizada de maneira “autônoma” pelo aluno – é estimulada, em detrimento dos processos de apropriação do conhecimento resultantes de atividades de ensino, atribuindo-se um valor maior àquilo que o aluno aprende sozinho em relação às apropriações efetivadas a partir da transmissão por outras pessoas. Na mesma linha valorativa, a apropriação do conhecimento sistematizado perde espaço para a aquisição de métodos de construção do saber. Assim, o acesso às objetivações produzidas pela humanidade, imprescindível para o desenvolvimento do indivíduo como partícipe do gênero humano, é restrito à assimilação de métodos e técnicas de como aprender. O aluno comparece, nessas pedagogias, como um indivíduo que tem o “direito” de ser sujeito da sua própria aprendizagem, desde que ela não ultrapasse os bens defi nidos limites dos conhecimentos espontâneos e do senso comum, produzidos na mais imediata cotidianidade.

Apesar de estudos científi cos críticos encetados às promessas de erradicação da pobreza e do analfabetismo, as pedagogias hegemônicas, mesmo diante de seus resultados sofríveis no tocante à formação humana, continuam sendo aplicadas nacionalmente na escola pública, confi gurando um claro exemplo da educação a serviço do capital. Nesse sentido, o construtivismo, diante de um suposto desgaste, segue sendo reforçado por um time de pedagogias (competências, dos projetos, do professor refl exivo e tantas outras), as quais se retroalimentam, uma vez que guardam em seu objetivo maior uma base comum: o aprender a aprender. Para além da utilização coletiva desse bloco de pedagogias, ocorre ainda, e de forma sistemática, a apropriação indébita da teoria vigotskiana, a qual sofre uma aproximação inóspita com o construtivismo, sendo divorciada dos estudos de Luria e Leontiev, exemplifi cando um esforço em garantir a manutenção desse ideário na formação de educadores. Tal aproximação asseptiza a psicologia de Vigotski, retirando a base marxista de seus delineamentos teórico- metodológicos.

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