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CONTEXTO: FREQUÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

APÊNDICES 235 ANEXOS

1.3 CONTEXTO: FREQUÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Segundo Oliveira (1996 apud FRANÇA, 2008), as instituições de Educação infantil nasceram no século XVIII em resposta à situação de pobreza, abandono e maus tratos de crianças pequenas cujos pais trabalhavam em fábricas criadas pela Revolução Industrial. Iniciava-se, assim, naquela época, uma relação entre cuidado e educação, na tentativa de combater as péssimas condições de saúde e higiene das crianças pertencentes às populações mais carentes.

Em se tratando de delineamento da história da Educação Infantil no Brasil, Oliveira (1996 apud FRANÇA, 2008) assinala uma correlação entre concepção assistencialista e classes sociais, pois, para os filhos das classes dominantes, havia uma preocupação em desenvolver o afeto e a cognição, enquanto que, para as crianças mais pobres, o cuidado estava voltado para o atendimento de necessidades de guarda, higiene e alimentação. A partir do momento em que a classe média procurou atendimento em creches para seus filhos, a instituição se sentiu forçada a procurar uma proposta pedagógica de atuação, comprometida com o desenvolvimento e com o conhecimento da criança pequena.

A Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988) reconheceu a educação em creches e pré-escolas como um direito da criança e um dever do Estado. Tal fato decorreu do contexto político e econômico vigente no país, nas décadas de 70 e 80, na tentativa de combater as desigualdades sociais. No rastro da nova constituição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (título V, capítulo II, seção II, art. 29) situa a educação infantil como a primeira etapa da educação básica, tendo como finalidade o desenvolvimento integral da criança de zero a seis anos.

Segundo Kramer (2000), a Educação Infantil não se restringe aos aspectos sanitário ou assistencial, mas também não se resume à mera antecipação da escolaridade, nem à transmissão sequencial de informações. Para a autora, é preciso fortalecer uma visão das crianças como criadoras de cultura, e simultaneamente, valorizar o saber que elas trazem, possibilitando a aprendizagem e a construção de novos conhecimentos em relação ao mundo físico e social, nos mais diversos espaços de socialização.

A correlação entre educar e cuidar deve ser incorporada nas instituições que atendem às crianças, não devendo priorizar somente uma ou a outra, e sim, ambas. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997, p. 23), na educação infantil “pode-se oferecer condições de aprendizagem que ocorrem nas brincadeiras e aquelas advindas de situações pedagógicas intencionais ou aprendizagem orientada pelo adulto”. Ainda, conforme os PCNs (BRASIL, 1997) pode-se também cuidar das crianças em um contexto educativo, desde que possa existir uma integração entre os conhecimentos e uma cooperação de profissionais de diferentes áreas.

Considerando ainda a importância em se frequentar uma escola de educação infantil, é necessário ressaltar que “a capacidade de uma criança de aprender a ler na educação infantil e nas séries elementares pode depender tanto de como ela é ensinada, quanto da existência e natureza dos laços entre a escola e a família” (BONFENBRENNER, 1996).

Parece que a passagem pela educação infantil é um importante recurso de apoio para o enfrentamento dos desafios da escolarização formal. Pesquisas indicam que crianças com mais tempo de educação infantil têm melhores resultados acadêmicos e sócio-emocionais na primeira série (ENTWISLE; ALEXANDER, 1998).

Com vistas ao desempenho escolar e resultados futuros dos indivíduos, a literatura investiga o que é possível fazer pelas crianças na primeira infância - como alimentação, saúde e atividades educativas - para que elas obtenham um melhor aproveitamento na escola e em outras atividades. Cunha et al. (2005) apresentam modelos de desenvolvimento infantil e mostram que um ambiente adverso ao desenvolvimento de habilidades pela criança pode ser compensado por intervenções no início do desenvolvimento infantil. Mais que isso, as habilidades adquiridas em um período precoce aumentam o retorno do investimento no período seguinte, enquanto ações tardias são custosas e pouco eficientes.

Feinstein, Robertson e Symons (1998) apontam, a partir de uma amostra de crianças na Inglaterra, que os melhores resultados aos 7 e aos 11 anos de idade são alcançados se a criança passa o tempo com sua mãe ou em uma pré-escola. A entrada antecipada na escola não seria, portanto, condição essencial para o desenvolvimento de habilidades para todas as crianças, mas crianças que não têm o acompanhamento contínuo da mãe ganhariam muito com a frequência à escola.

Pesquisas recentes sobre o desenvolvimento do cérebro humano nos primeiros anos de vida mostraram que os cuidados precoces têm um impacto decisivo e duradouro no modo como as crianças se desenvolvem, no seu potencial de aprendizagem e na sua capacidade para regular as emoções (SHORE, 1997). Pesquisas conduzidas em diversos países têm demonstrado efeitos positivos da educação infantil. Por exemplo, Entwisle e Alexander (1998) verificaram que crianças norte-americanas com educação infantil tinham notas melhores em leitura e matemática no 2º ano; elas também se saíam melhor em testes padronizados de compreensão verbal e matemática. No México, Benitez e Flores (2002), comparando habilidades pré-acadêmicas, tais como compreensão verbal e aptidões numéricas, entre crianças com e sem educação pré-escolar, puderam observar que o grupo com experiência na educação infantil teve melhor desempenho que o grupo sem esta experiência, embora ambos os grupos tenham mostrado pontuações baixas nos testes. Kashkary e Robinson (2006) verificaram que o acesso à educação infantil propiciou a crianças sauditas um melhor desempenho em matemática, nos três primeiros anos do ensino fundamental.

Bhavnagri e Samuels (1996) estudaram a influência da educação infantil em programas desenvolvidos pelo Estado. As crianças foram acompanhadas do início do ensino

fundamental até a terceira série. Os autores constataram que o programa aplicado teve influências positivas, especialmente sobre as crianças dos níveis socioeconômicos mais baixos. Tais crianças apresentaram um desempenho melhor, o que salientou a importância da frequência na educação infantil.

Estudantes enfrentando algum tipo de dificuldade de aprendizagem tendem a ter mais dificuldade com os conceitos básicos (NELSON; CUMMINGS, 1981). Sendo assim, a criança na educação infantil que está em risco de dificuldade de aprendizagem apresenta muitas vezes uma linguagem atrasada, em especial no uso de adjetivos e nos aspectos de espaço, tempo e quantidade. As crianças que frequentam a educação infantil aprendem os conceitos básicos, ao passo que a criança que não frequenta a educação infantil pode iniciar o ensino fundamental sem a aprendizagem de muitos destes conceitos básicos, o que pode acarretar problemas para elas. Segundo diversas pesquisas, crianças que ingressam no primeiro ano sem conceitos básicos conquistados na educação infantil estão em risco aumentado de baixo rendimento acadêmico durante todo o seu percurso escolar (ALEXANDER; ENTWISLE; HORSEY, 1997; ENTWISLE; ALEXANDER, 1988; FINN, 1989).

No Brasil, Sá (1982), investigando os efeitos da frequência à educação infantil sobre o rendimento escolar no 2º e 3º ano do ensino fundamental, verificou que as crianças que haviam frequentado o pré apresentaram melhor rendimento escolar, nas duas séries investigadas. Trivellato-Ferreira (2005), em um estudo prospectivo, buscou identificar precursores da transição da primeira série, que possam atuar facilitando ou dificultando essa transição. Um dos alvos foi a experiência prévia da criança em escola de educação infantil. Seus resultados sugerem que o fato de frequentar a pré-escola contribui para melhor desempenho e adaptação no ensino fundamental. Em comparação com crianças que não haviam passado pela pré-escola, crianças que concluíram um ano de educação infantil foram mais bem avaliadas por seus professores quanto ao desempenho em português e matemática, saíram-se melhor em um teste padronizado de desempenho escolar, foram consideradas pelos professores como mais ajustadas na sala de aula e relataram menor exposição e reatividade a eventos estressantes no contexto escolar. Cafiero, Rocha e Soares (2007), avaliando o processo de alfabetização em Minas Gerais, mostram que há uma diferença estatisticamente significativa de desempenho escolar dos alunos que frequentaram a fase introdutória (entrada aos 6 anos de idade).

Como assinalado nos parágrafos precedentes, pesquisas demonstram que a frequência na educação infantil contribui para melhor desempenho e adaptação no ensino fundamental

(ENTWISE; ALEXANDER, 1998; SÁ, 1982; TRIVELLATO-FERREIRA, 2005; TRIVELLATO-FERREIRA; MARTURANO, 2008). Porém a frequência a uma escola de educação infantil, por si só, não é garantia de uma trajetória escolar favorável, sendo que dificuldades adaptativas precoces podem afetar os resultados escolares por vários anos (HAMRE; PIANTA, 2001).

Algumas pesquisas com um enfoque ecológico enfatizam preditores relacionais detectados precocemente, no contexto da educação infantil (BUHS; LADD; HERALD, 2006; LADD; BURGESS, 2001; VALIENTE et al., 2008). Demonstram que experiências de aceitação ou rejeição por parte dos colegas, formação de laços de amizade e exposição a estressores relacionais no início da vida escolar podem ter efeitos persistentes no aprendizado e na adaptação posterior.

Com relação às habilidades sociais e ao ajustamento pessoal, Entwisle e Alexander (1998) não encontraram efeitos da educação infantil em indicadores de popularidade, comportamento e maturidade pessoal, avaliados no 2º ano. Taylor, Gibbs e Slate (2000) verificaram efeito positivo da educação pré-escolar sobre indicadores de autoconceito, iniciativa e responsabilidade, mas não sobre indicadores de participação em atividades de grupo e realização das tarefas atribuídas pelo professor, no jardim de infância.

Com base nessas observações, pode-se sugerir que a criança que frequenta uma escola de educação infantil desenvolve competências cognitivas, afetivas e interpessoais que farão diferença no decorrer dos anos no ensino fundamental. Por outro lado, os efeitos da educação infantil sobre indicadores interpessoais não foram, até o presente, tão claramente estabelecidos quanto os efeitos cognitivos.