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O MODELO BIOECOLÓGICO UMA CONCEPÇÃO SOBRE INFLUÊNCIAS NO APRENDIZADO ESCOLAR

APÊNDICES 235 ANEXOS

1.1 O MODELO BIOECOLÓGICO UMA CONCEPÇÃO SOBRE INFLUÊNCIAS NO APRENDIZADO ESCOLAR

De acordo com diversos autores (por exemplo, KURDEK; SINCLAIR, 2000; MARTURANO, 2005), a Teoria dos Sistemas Ecológicos do Desenvolvimento Humano proposta por Bronfenbrenner (1996) oferece adequado suporte conceitual ao estudo das condições que contribuem para o aprendizado escolar. A ecologia do desenvolvimento humano é definida como

[...]o estudo científico da acomodação progressiva, mútua, entre um ser humano ativo, em desenvolvimento, e as propriedades mutantes dos ambientes imediatos em que a pessoa em desenvolvimento vive, conforme esse processo é afetado pelas relações entre esses ambientes, e pelos contextos mais amplos em que os ambientes estão inseridos (BRONFENBRENNER, 1996, p. 18).

De acordo com essa abordagem, a criança se desenvolve interagindo, de forma cada vez mais complexa, com as pessoas, objetos e símbolos presentes nos ambientes que ela frequenta e onde estabelece relações face a face (BRONFENBRENNER; CECI, 1994). O modelo propõe que o desenvolvimento humano seja estudado com base em quatro componentes inter-relacionados: o processo, a pessoa, o contexto e o tempo. O processo se reporta às interações; para serem efetivas, elas devem ocorrer com regularidade, ao longo de períodos extensos de tempo. Essas formas duradouras de interação são identificadas como processos proximais, considerados como os mecanismos primários do desenvolvimento humano. Seu poder para influenciar o desenvolvimento depende de três outros componentes do modelo bioecológico: características da Pessoa em desenvolvimento, dos Contextos ambientais mais ou menos remotos e das dimensões de Tempo em que ocorrem.

A pessoa é analisada através de suas características determinadas biopsicologicamente e construídas na sua interação com o ambiente. As características da pessoa são vistas ao mesmo tempo como produtoras e como produtos do desenvolvimento, pois constituem um dos elementos que influenciam os processos proximais e, ao mesmo tempo, são resultados da interação conjunta dos quatro componentes do modelo: processo, pessoa, contexto e tempo. Assim, no modelo bioecológico, o desenvolvimento está relacionado com estabilidade e mudança nas características biopsicológicas da pessoa durante o seu ciclo de vida (CECCONELLO; KOLLER, 2003).

Para Bronfenbrenner e Morris (1998), existem três grupos de características pessoais atuantes no desenvolvimento, devido à sua capacidade para influenciar os processos proximais: características de disposição, de recurso e de demanda.

O primeiro grupo de características refere-se às disposições comportamentais ativas. No modelo bioecológico, as características mais prováveis de influenciar o desenvolvimento constituem disposições comportamentais ativas, que tanto podem colocar os processos proximais em movimento e sustentar sua operação, como interferir ativamente, colocando obstáculos, ou mesmo, impedindo que tais processos ocorram. Estas disposições são denominadas, respectivamente, como características generativas e características inibidoras (BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998). As características generativas envolvem

orientações ativas, como curiosidade, tendência para engajar-se em atividades individuais ou com terceiros, resposta à iniciativa de outros e autoeficácia. Bronfenbrenner e Morris (1998) destacam três formas dinâmicas de orientação ativa no ciclo de vida: a primeira e mais precoce manifestação destas forças dinâmicas está relacionada com a responsividade seletiva aos aspectos do ambiente físico e social; a segunda está relacionada com a tendência para engajar-se em atividades progressivamente mais complexas, como elaborar, reestruturar e, até mesmo, criar novas feições para o seu ambiente; e a terceira está relacionada com a capacidade da criança para conceitualizar suas experiências quando se torna mais velha, ou seja, elaborar crenças de controle sobre si mesma e sobre o ambiente. As características inibidoras, por outro lado, representam a dificuldade da pessoa em manter o controle sobre suas emoções e comportamentos. Elas incluem características como impulsividade, explosividade, apatia, desatenção, baixa responsividade, insegurança e timidez excessiva (BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998).

O segundo grupo de características refere-se aos recursos bioecológicos. Esses recursos não envolvem disposições seletivas para a ação, mas constituem deficiências ou dotes psicológicos que influenciam a capacidade da pessoa para engajar-se efetivamente nos processos proximais (BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998). As deficiências representam as condições que limitam ou inibem a integridade funcional do organismo, tais como defeitos genéticos, baixo peso no nascimento, deficiência física ou mental. Os dotes estão relacionados com as capacidades, conhecimentos, habilidades e experiências que, pelo fato de evoluírem durante o curso de vida, ampliam os domínios nos quais os processos proximais podem operar construtivamente.

O terceiro grupo refere-se às características de demanda. Estas constituem atributos pessoais capazes de requerer ou impedir reações do ambiente social, inibindo ou favorecendo a operação dos processos proximais no crescimento psicológico (BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998). Estas características incluem aspectos como aparência física atrativa versus não atrativa e hiperatividade versus passividade.

O contexto é analisado através da interação de quatro níveis ambientais, denominados como microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema, organizados como um conjunto de sistemas abertos, compondo o meio ambiente ecológico (CECCONELLO; KOLLER, 2003).

Bronfenbrenner enfatiza a importância dos microssistemas, ambientes onde a pessoa em desenvolvimento tem experiências diretas. Na vida de uma criança, a família, a escola e o grupo de companheiros são exemplos de microssistemas. Aquilo que acontece em um

microssistema pode afetar as experiências da criança em outro microssistema, compondo os assim chamados mesossistemas. O exossistema envolve os ambientes que a pessoa não frequenta como um participante ativo, mas que desempenham uma influência indireta sobre o seu desenvolvimento (por exemplo, no caso de uma criança, o local de trabalho dos pais). Finalmente, o macrossistema é composto pelo padrão global de ideologias, crenças, valores, religiões, formas de governo, culturas e subculturas presentes no cotidiano das pessoas que influenciam seu desenvolvimento (BRONFENBRENNER, 1996; CECCONELLO; KOLLER, 2003).

De acordo com esse modelo, pode-se dizer que o aprendizado escolar se processa predominantemente por meio das interações entre o aprendiz e as pessoas, objetos e símbolos presentes no microssistema escola, sendo influenciado também por suas interações em outros microssistemas, como a família e o grupo de pares, que constituem, com o microssistema escola, um mesossistema de influências recíprocas.

O tempo é analisado em três níveis no modelo bioecológico: microtempo, mesotempo e macrotempo (BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998). O microtempo refere-se à continuidade e à descontinuidade observadas dentro dos episódios de interação. O modelo bioecológico condiciona a efetividade dos processos proximais à ocorrência de uma interação recíproca, progressivamente mais complexa, em uma base de tempo relativamente regular, não podendo este funcionar efetivamente em ambientes instáveis e imprevisíveis. Em um nível mais elevado, o mesotempo refere-se à periodicidade dos episódios de processo proximal através de intervalos de tempo maiores, como dias e semanas, pois os efeitos cumulativos destes processos produzem resultados significativos no desenvolvimento. O macrotempo focaliza as expectativas e eventos em mudança dentro da sociedade ampliada, tanto dentro como através das gerações, e a maneira como estes eventos afetam e são afetados pelos processos e resultados do desenvolvimento humano dentro do ciclo de vida. Assim, a análise do tempo dentro destes três níveis deve focalizar a pessoa em relação aos acontecimentos presentes em sua vida, desde os mais próximos até os mais distantes, como grandes acontecimentos históricos, por exemplo. Bronfenbrenner e Morris (1998) ressaltam que as mudanças que ocorrem através do tempo, nas quatro propriedades do modelo bioecológico, não são apenas produtos, mas também produtores da mudança histórica.

Com base nos parágrafos precedentes, pode-se dizer que a visão do aprendizado escolar como um processo de coconstrução, cujo resultado decorre de interações entre características do aprendiz e propriedades dos contextos em que este se desenvolve, encontra amplo apoio na pesquisa empírica, como indicado em revisões da literatura sobre condições

que influenciam o aprendizado escolar (MARTURANO, 2005; WANG; HAERTEL; WALBERG, 1990). Sendo assim, o presente estudo focaliza a trajetória escolar de alunos do ensino fundamental, buscando examinar resultados de desenvolvimento em relação a propriedades da pessoa e do contexto, consideradas na dimensão Tempo.

Em relação ao componente Pessoa, no qual o modelo bioecológico distingue recursos, disposições seletivas para a ação e características de demanda (BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998), o interesse da investigação recai sobre: (a) recursos, definidos como potencialidades e deficiências que influenciam a capacidade do organismo para se envolver efetivamente em processos proximais; (b) disposições generativas, que iniciam e mantêm processos proximais; (c) disposições inibidoras, que obstruem, retardam ou impedem processos proximais (BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998).

Na análise do Contexto, são examinadas variáveis relevantes para o progresso escolar, nos microssistemas escola e família. O contexto escolar é representado pela frequência na escola de educação infantil, anterior ao ingresso no ensino fundamental, um importante recurso de apoio para o enfrentamento dos desafios da escolarização formal (SÁ, 1982), que na presente investigação é tratado com destaque. O envolvimento de um adulto da família durante a escolarização da criança é a variável do contexto familiar selecionada. O envolvimento parental tem sido alvo de investigação intensa, com resultados significativos sobre seu papel no aprendizado escolar (MARTURANO, 2005).