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DESEMPENHO ACADÊMICO E POTENCIAL COGNITIVO

APÊNDICES 235 ANEXOS

4.1 DESEMPENHO ACADÊMICO E POTENCIAL COGNITIVO

Em uma perspectiva ecológica do desenvolvimento (BRONFENBRENNER, 1996), a adaptação ao contexto escolar pode ser concebida como um conceito relacional. Se, por um lado, a criança traz para a escola um repertório prévio para lidar com os desafios da transição, esse repertório se reconstrói dia a dia no novo contexto, mediante as interações entre a criança e as pessoas, objetos e símbolos ali presentes. Portanto, conquistas desenvolvimentais decorrentes da exposição ao contexto da educação infantil, como o desempenho acadêmico, podem resultar das relações cotidianas de atividades escolares estabelecidas anteriormente ao ingresso no ensino fundamental.

Em todos os indicadores avaliados no 3º ano, 4º ano e 5º ano, e nos indicadores avaliados no 3º ano e 5º ano, as crianças com frequência à educação infantil apresentaram melhores resultados acadêmicos. Pode-se dizer que tal vantagem do grupo com frequência à educação infantil é bastante pertinente, uma vez que as três modalidades de avaliação de desempenho acadêmico são diferentes em sua estruturação. Deve-se, por isso, destacar a concordância dos resultados alcançados pelas crianças nas diferentes avaliações de desempenho acadêmico. Os resultados do nosso estudo evidenciaram que as crianças com acesso prévio à educação infantil apresentaram desempenho significativamente superior em relação aos alunos sem acesso prévio à educação infantil, seja qual for o critério de avaliação considerado. Além disso, há ainda que se destacar que os efeitos se mantiveram ao longo dos anos no ensino fundamental e não podem ser atribuídos a diferenças de nível socioeconômico entre os grupos, já que essa variável foi controlada.

São encontrados na literatura resultados que apresentam pontos concordantes, como os achados de Entwise e Alexander (1998), Kashkary e Robinson (2006), Sá (1982) e Trivellato- Ferreira e Marturano (2008). Os primeiros observaram que os alunos que passaram pela educação infantil apresentaram melhores resultados em leitura e matemática no 2º ano do ensino fundamental. Já Kashkary e Robinson (2006) observaram que os alunos com acesso à educação infantil obtiveram notas mais altas em matemática nos três anos iniciais do ensino fundamental. Sá (1982) obteve resultados semelhantes com referência ao desempenho escolar de crianças brasileiras, no 2º ano e no 3º ano. Foi possível observar que os alunos com

educação infantil apresentaram melhor rendimento. Tais resultados foram corroborados por Trivellato-Ferreira e Marturano (2008), que verificaram em seu estudo o melhor desempenho acadêmico para os alunos que frequentaram educação infantil. O presente estudo também estende os resultados dos estudos prévios, ao indicar que os efeitos da educação infantil se mantêm depois do 1º ano escolar para uma diversidade de indicadores de desempenho, com controle de variáveis socioeconômicas.

Ressalta-se que na avaliação pedagógica, todos os grupos apresentaram resultados próximos à média 5,0 ou abaixo da média, demonstrando um desempenho acadêmico pobre, já salientado na literatura especializada que descreve um panorama escolar com alto índice de problemas de aprendizagem e de fracasso escolar (COLLARES; MOYSES, 1996; FERRIARE; GOMES, 1997; LEITE, 1985; MORAES, 1986; PATTO, 1990). As médias das crianças também apresentaram um declínio, principalmente do 4º ano para o 5º ano de escolaridade. Escolano (2004) encontrou resultados semelhantes em seu estudo utilizando a Avaliação Pedagógica, onde o desempenho acadêmico declinou, de forma significativa e gradual, na trajetória do 2º ano ao 5º ano do ensino fundamental.

Na avaliação através do TDE, em relação aos escores brutos, houve uma tendência de aumento das médias do 3º ano para o 5º ano do ensino fundamental. Esse resultado diverge daquele da avaliação pedagógica e também dos achados de Escolano (2004) mencionados em parágrafo precedente, no que diz respeito à diminuição das médias. Porém, há uma concordância com demais estudos descritos a seguir, que apontam para um aumento do escore bruto, porém resultados abaixo do esperado para a faixa etária. Dias, Enumo e Turini (2006), em seu estudo com crianças e adolescentes de 8 a 19 anos, onde utilizaram o TDE, puderam verificar que o baixo desempenho da maioria dos alunos indicou déficits na aquisição de habilidades acadêmicas que deveriam ser adquiridas ao longo dos anos iniciais do ensino fundamental. Os dados mostram que, além do baixo desempenho no início do ensino fundamental, após um ano de escolarização, houve aumento do escore bruto, mas não significativo a ponto de eliminar a defasagem do ano anterior. Os autores completam ainda que foram necessários de dois a três anos de escolarização para que ocorressem diferenças no desempenho, o qual continuou sendo majoritariamente inferior pelo TDE. No presente estudo apesar das médias terem aumentado, os alunos continuaram abaixo do esperado para faixa etária. Esses resultados parecem concordar com as avaliações negativas feitas ao regime de ciclos e progressão continuada por alguns estudiosos do tema (CARVALHO, 2001; GOMES, 2004; MARTINS, 2003; NEVES; BORUCHOVITCH, 2004). Convém ainda salientar que baixos resultados no TDE corroboram a noção de que o fracasso escolar é um fenômeno

derivado da interação de uma série de fatores (DEMO, 1992; FERREIRO, 1992; LEITE, 1988; MELLO, 1979).

Completando, para Ferreiro e Teberosky (1999), o êxito na aprendizagem depende das condições nas quais as crianças se encontram no momento em que são expostas ao ensino formal. Deste modo, as crianças participantes do estudo, que ingressaram no ensino fundamental com o repertório do processo de alfabetização já iniciado na educação infantil, reuniram condições potenciais favoráveis para se beneficiar do ensino acadêmico, na medida em que já haviam adquirido noções básicas de leitura e escrita. Nessa direção, Escolano (2004) constatou que 89% das crianças do seu estudo frequentaram a educação infantil, o que pode ter contribuído para o repertório de entrada no processo de escolarização, com noções de leitura e escrita adquiridas.

Na avaliação da competência acadêmica, destacam-se os alunos com frequência à educação infantil, que foram avaliados por seus professores como mais competentes, ao passo que os alunos sem acesso prévio à educação infantil apresentaram médias significativamente mais baixas, sendo que tais médias se mantiveram ao longo dos anos. Estes resultados são concordantes com alguns estudos que apontam a experiência prévia como oferecendo oportunidades para a criança desenvolver habilidades necessárias para aprender no ensino fundamental. Considera-se que os bons resultados escolares são frutos de certos precursores de desempenho que devem ser desenvolvidos previamente (BARRERA; MALUF, 2003; BENITEZ; FLORES, 2002; MILES; STIPEK, 2006).

Os resultados obtidos indicaram que os recursos da criança, quanto ao potencial cognitivo, que é um precursor do sucesso escolar, o desempenho em português, matemática, leitura, escrita e aritmética, bem como a competência acadêmica, que são indicadores de sucesso, encontram-se associados à frequência na educação infantil. Esses recursos são referidos na literatura por Neisser et al. (1996) e por Rutter (1989), os quais apontam o potencial cognitivo como recurso para uma aprendizagem efetiva. Dessa forma, um melhor funcionamento intelectual pode resultar em uma trajetória de desenvolvimento mais satisfatória, facilitando o desempenho escolar (MASTEN; COATSWORTH, 1998). No presente estudo, em relação ao potencial cognitivo, avaliado através do Teste Matrizes Progressivas de Raven no 3º ano e no 5º ano, apesar do progressivo aumento nas médias, os alunos sem educação infantil apresentaram médias classificadas como “definidamente abaixo da média na capacidade intelectual”, tanto no 3º ano como no 5º ano, ao passo que os alunos com um e dois anos de frequência à educação infantil apresentaram médias classificadas como “intelectualmente médio”. Alguns estudos que caminham nesta direção têm utilizado a

avaliação psicométrica da inteligência como um instrumento relevante, com poder de discriminação de grupos com e sem problemas de aprendizagem, como demonstrado nos trabalhos de Bandeira e Hutz (1994), Linhares et al. (1996) e Marturano et al. (1997). De acordo com os resultados das comparações entre grupos, no presente estudo, os alunos sem educação infantil, com desempenho acadêmico mais pobre, ocupam em relação aos demais uma posição semelhante à dos alunos apontados nos estudos acima mencionados, no que se refere ao baixo rendimento no potencial cognitivo medido por teste psicométrico.

Houve um aumento das médias dos alunos do 3º ano para o 5º ano no ensino fundamental, na avaliação do potencial cognitivo. Nesse sentido, Maia e Fonseca (2002) observaram em seu estudo acerca do quociente de inteligência e aquisição da leitura um aumento de escores de QI, em um intervalo de seis meses, para mais de 80% das crianças avaliadas. Pode-se supor, através destes resultados, que a inteligência facilita o desempenho escolar e este, por sua vez, contribui para o avanço da capacidade intelectual, estabelecendo uma relação de retroalimentação. Na mesma direção, Leew (2001) destaca que o desempenho acadêmico melhora quando as crianças com dificuldades de organização de informação e impulsividade aprendem a utilizar estratégias cognitivas adequadas na resolução de problemas. Além disso, a inteligência tem sido apontada como relevante fator de proteção à adversidade ao desenvolvimento infantil (LEWIS et al., 1988; RUTTER, 1987).

Os resultados do presente estudo no que tange ao desempenho acadêmico nas suas diversas dimensões e o potencial cognitivo, em relação aos anos na educação infantil, confirmaram resultados anteriormente encontrados em outras pesquisas, acrescentando as diferenças mantidas no decorrer dos anos no ensino fundamental.