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Uma das características marcantes deste período em que vivemos é a percepção das transformações no mundo produtivo e as conseqüências e implicações dessas transformações nas relações sociais e, como conseqüência, nos processos educativos.

Acredita-se que as transformações nos processos produtivos e as novas exigências da cidadania moderna, bem como as revoluções da informática e meios de comunicação de massa e a necessidade de se redescobrir e valorizar uma nova ética nas relações sociais, exigem uma reflexão no campo educacional que passa a ter entre seus principais aspectos:

a) um novo perfil de qualificação da mão-de-obra, baseado na inteligência e no conhecimento;

b) qualificação para o exercício da cidadania moderna; c) lidar com novos parâmetros de difusão de conhecimento; d) recuperar a dimensão ética do desenvolvimento econômico.

Nessa síntese expomos alguns pontos bastante debatidos e alguns consensos sobre os quais essa “nova” agenda da educação vem sendo elaborada. O desdobramento e as implicações destes consensos podem ser descritos da seguinte forma:

Primeiro, o fato da educação ter passado a ocupar, junto com as políticas de ciência e tecnologia, um lugar central e articulado na pauta das macropolíticas do Estado, reforçando o seu centralismo exacerbado na sociedade. Como vimos, esta postura de encarar as atividades educativas formais ou, de outro modo, as atividades escolares como “passaporte” para o mundo social é muitas vezes reacionária e esconde a verdadeira face da exclusão da cidadania.

Segundo, sua importância demasiada no esforço para tornar as sociedades mais igualitárias, solidárias e integradas, mais uma vez enxergando nela o “santo remédio” para todos os males.

Terceiro, a necessidade da educação propiciar a aquisição de conhecimentos básicos e a formação de habilidades cognitivas.

E, ainda, um quarto ponto, refere-se ao reconhecimento de que uma visão mais ampla de valores e conhecimentos é base para a cidadania em sociedades plurais, nas quais a hegemonia do Estado, dos partidos ou de um setor social específico tende a ser substituída por uma pluralidade de instituições, qualificadas como da sociedade civil, em equilíbrios instáveis.

Os que defendem o lado “otimista” dessas questões e das condições atuais se dizem estar convencidos de que vivemos, de fato, na “sociedade do conhecimento”, onde os paradigmas foram rompidos e superados e a necessidade de formar o “novo” cidadão é definitiva.

Por outro lado, entre os que criticaram essa tendência reducionista da função da educação subordinada ao sistema produtivo moderno, estão autores que denunciam as mudanças sofridas na educação em sua relação com a crise de legitimidade do Estado e o enfraquecimento dos movimentos sociais. Para eles, todo esse discurso de qualificação para a nova sociedade é resultado, mais uma vez, de um momento de muita interferência das agências internacionais como o Banco Mundial e o Bird. Estas com suas recomendações e estabelecimento de critérios de prioridades para os gastos, territorialização e privatização, que associam–se à submissão da administração, que acaba aceitando a receita do sucesso.

Assim, estaríamos buscando, mais uma vez, um modelo estrangeiro que alie o otimismo tecnológico com o pragmatismo do mercado. Segundo um bom número de educadores, todas as vezes que os brasileiros tentaram em sua história imitar os estrangeiros no que se refere às teorias e práticas educacionais, o resultado foi desalentador, para não dizer, patético.

Os críticos insistem ainda que podemos facilmente identificar que essa submissão aos modelos de desenvolvimento e a importação de pedagogias são próprios do ambiente histórico em que vivemos, onde existe um protagonismo da economia, num momento em que o marxismo e outras perspectivas de análise são desprezados. Com isso, ocorre uma marginalização do Estado nacional que perde sua força e autonomia nas decisões internas e em todas as instâncias. Nesse caso, o mundo globalizado cria uma interação instantânea e incontrolável.

Descrevem como a economia transnacional solapa os Estados nacionais. Existe, nesse caso, um revigoramento do ideal liberal de estado mínimo e corte dos gastos sociais. A defesa dessa situação, com um Estado flexibilizado e descentralizado, serve de argumento para a esfera privada comandar as ações sociais, respondendo à incompetência do

mesmo. Nesse caso, acentua-se o individualismo e a convergência dos objetivos do mercado com os do cidadão.

Para se ter uma noção clara dessa fragilidade estatal, poderíamos descrever que

[...] o intenso processo de internacionalização dos mercados, dos sistemas produtivos e da tendência à unificação monetária e financeira que o acompanharam, levou a uma perda considerável da autonomia dos Estados Nacionais, reduzindo o espaço e a eficácia de suas políticas econômicas e demonstrando a precarização de suas políticas sociais. (SOARES, 2002, p.12)

Nesse cenário de impotência no atendimento dos problemas sociais de maneira eficaz, a educação parece ser “dada” como alento e condição mínima para o convívio na nova realidade.

Portanto, a deslegitimação e desqualificação do Estado nacional educador abriram espaço para novas regras sociais, passando para a sociedade civil a obrigação de conduzir o desenvolvimento.

A denúncia que se pode fazer é de que são iludidos e servem ao domínio das classes dirigentes as pessoas que acreditaram na veracidade da capacidade e da necessidade dos “consensos” construírem a nova sociedade, pois estes precisariam do envolvimento de todos e estariam encontrando entre muitos estudiosos o terreno fértil para se desenvolver.

Como vimos, foram realizadas nos últimos anos algumas críticas sobre as políticas atuais de educação, em especial da educação escolar de ensino médio, muito duras e precisas, merecedoras de aprofundamento e valorização.

Como resultado dessas análises minuciosas, encontramos definições bastante intrigantes do modelo vigente. Para Bueno (2000, p. 46), os valores e a função da escola atualmente estão subordinadas a um economicismo que impregna seu princípio educativo (competitividade e consumo), bem como suas formas de organização e gestão (racionalidade, produtividade e qualidade), segundo critérios de definição das políticas (seletividade e parcimônia).

A lógica da competição se apresenta, assim, como sustentação da equidade, da democratização, da modernização e do desenvolvimento. Também sustentam a idéia de capital humano, de gestão de qualidade total e educação para a competição.

Estaríamos, portanto, vivendo um momento histórico em que os eixos temáticos nos quais se baseia a educação são a revolução tecnológica e a sociedade do conhecimento. E essa revolução técnico-científica exigiria novos saberes profissionais e novas

qualidades morais e psicológicas dos operários. Só não garante uma participação de todos e de todas, cidadãos e cidadãs, como seria de esperar.

Para o mundo empresarial, a educação formal precisa responder por uma nova qualificação que possibilite efetivar a reconversão tecnológica que torne os educandos competitivos no embate da concorrência intercapitalista.

Essa visão da sociedade do conhecimento, como afirmamos, sustenta a maioria das propostas educacionais atuais. A dimensão crítica e reflexiva do conhecimento e seu caráter cumulativo são desprezados e tudo vira informação, globalização, operação e interatividade.

Porém, seria pertinente pensarmos se as mudanças tecnológicas, por desobrigarem o homem das funções estritamente mecânicas, podem abrir um caminho novo onde seja possível desenvolver uma educação de formação geral, que propicie às pessoas a oportunidade de conquistarem a autonomia e a consciência crítica. Assim, teríamos a chance de vivenciar um novo modelo de sociedade ou nosso destino estaria definido em perpetuar as injustiças.

Diante de tudo isso, podemos levantar inúmeros questionamentos, tais como: essa chamada sociedade do conhecimento, pós-industrial, na qual afirmam que vivemos, existe, de fato? Em que medida e como ela se apresenta? Quais as suas características objetivas, precisamente em relação ao mundo do trabalho e da cultura?

É possível admitirmos essa relação direta e convergente entre fatores de desenvolvimento humano e fatores de desenvolvimento produtivo? Para qual desenvolvimento humano e para qual desenvolvimento produtivo? Qual cidadania?

As demandas educacionais do mundo contemporâneo, como se referem os defensores do atual modelo de educação, são realmente as que encontramos na base das políticas e reformas atuais? Até que ponto os “consensos” sobre essa demanda não são apenas produto dos interesses dos detentores do poder econômico? Qual concepção de indivíduo e sociedade embasa tal modelo?

Ou ainda, focando na proposta do novo ensino médio, questionarmos

O que é propriamente a formação geral? O que significa preparar para o mundo do trabalho e não simplesmente para exigências do mercado de trabalho? [...] quais são, teórica e praticamente, as diferenças entre formação para o mundo do trabalho e formação profissional? Como esta última poderia ser organizada, no sentido de incorporar avanços científicos e tecnológicos e, conseqüentemente, responder a demandas do setor produtivo, empresarial (mercado de trabalho)?(SOARES, R, 2002)