• Nenhum resultado encontrado

A esperança de um novo tempo na história do Brasil e da sua educação surgiu quando, enfim, o longo e desastroso período de ditadura militar dava seus últimos suspiros. O espírito democrático motivou as pessoas, principalmente as educadoras e os educadores, confiantes de que estava em curso, mais do que uma transição democrática, uma verdadeira reconstrução da sociedade brasileira. A expectativa gerada pela redemocratização fez com que antigos propósitos, principalmente em relação às transformações sociais, viessem novamente à tona.

No campo educacional o balanço dos governos militares, feito naquele momento de abertura, era lamentável e deprimente. O então Senador Fernando Henrique Cardoso, escreveu:

[...] temos, ainda hoje, por volta de 19 milhões de analfabetos (26% da população) e na faixa etária dos 7 aos 14 anos, 32% de analfabetos. Isto só seria o suficiente para mostrar o câncer que corrói nosso projeto de democracia. Mas, ainda por cima, herdamos a atitude tecnocrática, de descaso pelo professor, de escolas sem alma, de falta de rumo no pensamento educacional.(CARDOSO, 1987, p.5)

Afirmava ainda o Senador, referindo-se à necessidade da democratização e ao papel da educação nesse processo, que numa perspectiva de educar na e para a democracia, “o princípio da obrigatoriedade, gratuidade e universalidade do ensino básico é a pedra de toque de tudo o mais”(CARDOSO, 1987, p.6). (Se ele, Fernando Henrique, esqueceu-se do que escreveu quando se tornou Presidente da República, veremos mais adiante, quando chegarmos aos anos noventa).

No que tange ao ensino médio (ou 2o grau, na época), a acidez da avaliação não era diferente. Foi escrito no mesmo ano de 1987:

O ensino de 2o grau no Brasil atravessa hoje uma crise de identidade, gerada ao longo de sua trajetória histórica e explicitada na desarticulação e no questionamento de suas funções sociais. Essa crise se evidencia principalmente na prática educacional concreta. A proposta de 2o grau que se

tentou implantar a partir da Lei 5.692/71 encontra-se falida.(SALGADO, 1987, p.114)

Entre educadores, notamos um certo realismo em relação à sociedade herdada do antigo Regime Militar, demonstrando que tanto a sociedade brasileira quanto o seu sistema de ensino estavam despedaçados. Este choque de realidade induziu a grande maioria dos acadêmicos, lideranças políticas e demais profissionais da educação a se empenharem na tarefa árdua de “reconstruir” o país.

Das análises contundentes da dura realidade da crise, (como nos ensinamentos budistas), gerava-se a perspectiva de que dela surgiriam novas oportunidades. Vivenciamos, dessa forma, um rico período de debates, discussões e eventos acadêmicos realizados num intenso movimento que vinha embalado pela idéia de democracia, ou melhor, de redemocratização do Brasil.

Nesse sentido, de um seminário realizado em novembro de 1984, em Brasília, vinha a constatação, por parte de importantes estudiosos, de que:

A concentração da renda e o atrelamento das políticas públicas às exigências econômicas criou um débito social cujo resgate exige daqui em diante não apenas que os investimentos governamentais sejam redirecionados, mas que as áreas de Educação, Saúde, Habitação, entre outras, sejam o núcleo central de preocupação do poder público.(MELLO, 1987, p. 14)

E, ao abordar o conceito de escola unitária, muito presente nos estudos daquela época, Mello (1987, p. 23) afirmava:

[...] escola unitária não significa escola-padrão ou única, mas uma educação que, respeitando e contemplando as diversidades culturais e sociais de sua clientela, não permite que o regionalismo ou o localismo estreitos ponham em risco o núcleo mínimo comum de conhecimentos e habilidades que são necessários à unidade cultural da Nação, e à socialização democrática do saber que é patrimônio da sociedade.

No mesmo evento, sugeriu-se que, considerando outro ângulo da “desigualdade dentro do sistema educacional a que o ensino de 2o grau é particularmente vulnerável, cumpre relembrar o princípio da escola unitária, evitando-se cuidadosamente propostas que possam resultar em sua segmentação”.(SALGADO, 1987, p.133)

Essa perspectiva de uma “escola unitária”, como veremos, apresentou alguns problemas, pois, por um lado, pretendeu-se estabelecer determinados padrões comuns nos sistemas educacionais brasileiros oferecendo a todos e a todas um espécie de escola única; por

outro lado, essa perspectiva sofreu variações quanto a sua abrangência e até mesmo conceituação, tendo como parâmetro alguns escritos marxistas, em especial os de Gramsci, que, aliás, estiveram muito presentes nos debates sobre educação brasileira naquele momento.

Continuando o breve resgate histórico das discussões sobre ensino médio nas últimas décadas e acompanhando sua evolução no cerne da própria elaboração da nova LDB, notamos que ao chegar o mês de agosto de 1986, em Goiânia, foi realizada a IV Conferência Brasileira de Educação, com o tema “A educação e a constituinte”.

Na oportunidade, a classe acadêmica vislumbrou uma possibilidade concreta de interferir diretamente na Constituição do Estado brasileiro; “era agora ou nunca” a chance de garantirmos à educação o papel e o espaço que ela merecia, colocando-a como elemento central na reconstrução da sociedade brasileira num ambiente, agora, democrático.

Como resultado dos trabalhos desenvolvidos naquele encontro foi apresentada a “Carta de Goiânia”, um documento que pretendia servir, e serviu, de referência ao trabalho dos constituintes quando trataram dos artigos reservados à educação.

Instalada em fevereiro de 1987, a Assembléia Nacional Constituinte contemplou boa parte das propostas defendidas na “Carta de Goiânia”, inclusive a proposta de manutenção do artigo atribuindo à União a competência em elaborar lei de diretrizes e bases da educação nacional. Este fato foi fundamental, pois a expressão “diretrizes e bases”, em uma perspectiva histórica, parece remeter sempre à questão da intervenção do Estado em educação.

Nesse sentido, convergiram os ideais de construção de uma sociedade planificada e foi possível acreditar que ao defenderem a elaboração das diretrizes e bases educacionais por parte do Estado, estivessem os educadores defendendo o próprio papel do Estado, considerando-o necessário na estruturação e desenvolvimento dos sistemas educacionais.

O princípio republicano de uma educação pública, universal, gratuita e, quem sabe, unitária, pareceu embasar os anseios da comunidade educacional naquele momento, que por sua vez, acreditou que este mesmo princípio republicano estaria nos demais segmentos e classes da sociedade brasileira. Este talvez tenha sido o primeiro equívoco.

Quanto seu conteúdo relativo à educação, a Constituição Federal de 1988 previu:

Art. 205 – A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.(BRASIL, 2005)

Mais adiante, no artigo 208, entre seus sete incisos, os dois primeiros são importantíssimos para entendermos os desdobramentos em relação ao ensino médio a partir de então. A princípio, o texto constitucional atribuía ao Estado os seguintes deveres:

Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II – progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio. (BRASIL, 2005)

Dissemos “atribuía” porque, anos depois, em 1996 (três meses antes da aprovação da LDB 9.394/96), o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional nº 14, de 12 de setembro de 1996, que modificou os artigos 34, 208, 211 e 212 da Constituição Federal, e deu nova redação ao artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Como resultado prático da Emenda nº 14, entre outros, o ensino médio deixou de ser considerado no âmbito da “obrigatoriedade” para ser tratado no sentido de sua “universalização”. Dessa forma, a redação dos incisos I e II do artigo 208 passou a ser a seguinte:

I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II – progressiva universalização do ensino médio gratuito.(BRASIL, 2005)

Com tal alteração, estava legalmente assegurado o texto da LDB que iria ser aprovado em dezembro de 1996. Mas, para entendermos as razões e as conseqüências dessas manobras legislativas, faremos um breve retrospecto do processo de elaboração da LDB 9.394/96.