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CONCEPÇÃO DE ESCOLA UNITÁRIA

3.1 O industrialismo

O processo de desenvolvimento de uma nova maneira de produzir e dividir o trabalho humano foi resultado de um longo processo histórico que começou na Idade Média com sua produção baseada na cooperação; depois se transformou durante a Idade Moderna com a manufatura que começou a fragmentação do trabalho humano; e em seguida desembocou a partir de 1760 na introdução das máquinas, em especial das máquinas à vapor, o que representou a criação da grande indústria.

O próprio conceito de indústria pode nos fornecer uma boa explicação para o que significou o advento do “industrialismo”. Etimologicamente, na língua inglesa, a palavra “indústria” significava “presteza”, “assiduidade” e “diligência”. Com o tempo, passou a ser usada como forma de caracterizar os produtos que sofriam alguma interferência humana e deixavam de ser apenas “naturais”.

Depois o uso da palavra “indústria” passou a ser associada com uma instituição ou a locais onde se cultivava o trabalho útil e sistemático, as chamadas houses of industry (casas de indústria).

A essa nova ordem baseada na produção mecânica e otimizada foi atribuída, com o tempo, a denominação de “industrialismo”, termo que, segundo consta, teria sido utilizado com esta função pela primeira vez em 1830.

É importante entendermos as razões que fizeram da Inglaterra e não outro país da Europa ser o berço do mundo industrial. O estado absolutista, símbolo da Idade Moderna, foi combatido pelos ingleses ainda no século XVII, quando realizaram as chamadas Revoluções Inglesas entre 1640 e 1660, culminando na derrubada dos Stuarts e abolindo a monarquia em 1649 depois de executarem Carlos I. Com isso, instaurou-se um regime republicano conhecido como Protetorado (Commonwelth ou Protectorate), baseado no governo do Parlamento.

Esse avanço das novas classes sociais emergentes sobre as velhas estruturas tradicionais do absolutismo, liderados pelos comerciantes e pequenos industriais, ou melhor, liderados pela classe burguesa, embora tenha sido interrompido em 1660 com a restauração da

monarquia e volta ao trono dos Stuarts com Carlos II, representou uma ruptura com velhas estruturas e não parou de promover mudanças tanto nas relações econômicas quanto nas políticas em torno do poder.

Um fato importante e fundamental para o desenvolvimento do ideal de cidadania foi que na disputa com o rei, o Parlamento votou em 1679 o Habeas-corpus Act, instrumento jurídico que passou a ser utilizado como garantidor da proteção aos “cidadãos” que não poderiam mais ser presos de maneira arbitrária pelo monarca. Estávamos a caminho de se conferirem às pessoas os direitos de vida e trabalho na sociedade. Isto ocorreu há mais de um século antes da Revolução Francesa que, como veremos, irá consolidar esses chamados direitos humanos.

Em meio estas disputas ocorreu um processo inovador liderado por uma nova classe formada de “industriais”, diferentes dos burgueses dos setores de financeiro ou comercial. Estes industriais experimentavam técnicas e estudavam formas de aprimorar a produção. A separação entre produtor e os meios de produção representou o fundamento desse processo.

Um estudo mais aprofundado desta nova classe emergente permitiu que hoje pudéssemos identificar uma subdivisão nos grupos de industriais ingleses: de um lado os “manufatureiros tradicionais”, que eram uma maioria cuja visão do processo produtivo se prendia aos velhos métodos; e de outro lado os “industriais modernos”, uma minoria disposta a aperfeiçoar os métodos e introduzir novas “tecnologias” na produção. O engenho destes últimos definiu um perfil empreendedor ao cenário econômico da Inglaterra, e os colocou à frente das transformações culturais da época. Aos poucos, eles se firmaram como classe hegemônica e puderam moldar a nova sociedade à sua imagem e semelhança.

No plano das idéias, a classe industrial se consolidou com o liberalismo. Nada mais adequado para caracterizar o pensamento da burguesia industrial do que a luta pela liberdade de empresa, liberdade de contrato, liberdade dos indivíduos para venderem seu trabalho, enfim, liberdade de produzir mercadorias e as comercializar num mercado sem restrições do Estado. Foi a sociedade industrial que formou o conceito de progresso e de desenvolvimento moderno.

Sem dúvida, entre os autores que retrataram aquela época, foi Adam Smith, “o pai do liberalismo contemporâneo”, com sua obra A riqueza das nações, publicada em 1776, que tratou da questão da educação na sociedade capitalista industrial de forma contundente e inovadora. O que antes era discutido com certo receio, como se ainda não fosse possível assumir uma posição clara, em sua obra apareceu de forma direta e sem rodeios.

Smith se encontra entre os grandes pensadores que sistematizaram o estudo sobre as relações econômicas, criando a economia como um campo de estudo, assim como a sociologia e a psicologia.

Ele descreveu o surgimento das novas disciplinas e propôs que a educação, numa sociedade moderna, fosse útil, ou seja, o ensino clássico de formação humanista fosse superado pela objetividade comum à própria sociedade capitalista que se formava. Para tanto, o setor público deveria investir num ensino direcionado e de resultados, pois dessa forma seria possível gerar uma sociedade competitiva, mas, ao mesmo tempo, equilibrada, considerando a desigualdade social como inerente ao sistema.

Considerando os conteúdos dos discursos e debates educacionais recentes, suas palavras parecem refletir, ainda de forma nítida, até os dias de hoje.

Outra afirmação também polêmica foi ter considerado que numa sociedade caracterizada pela busca de resultados e de inspiração tecnicista, a natureza dos seres seria determinante. Portanto, as diferenças sociais seriam naturalmente admissíveis, ao contrário de outras correntes que entendiam o trabalho humano como fator determinante e as diferenças sociais como produtos históricos.

Contudo, a contribuição marcante de Smith foi seu pensamento econômico baseado, essencialmente, nos fundamentos do “liberalismo” cujas origens remetiam ao pensamento “Iluminista”. Os liberais encontraram na obra de Smith a definição teórica acabada do pensamento liberal, condenando a política econômica mercantil e afirmando os princípios burgueses da propriedade privada, do individualismo econômico, da liberdade de comércio e produção, do respeito às leis naturais da economia e da liberdade de contrato de trabalho com os operários sem a intervenção do Estado.

Chegamos, enfim, num momento histórico em que a civilização ocidental estava no auge das suas transformações provocadas pelo capitalismo e o trabalho humano passava a ser tratado meramente como uma mercadoria, assim também como a própria vida do homem passava a ser encarada como mera mercadoria.

A “sociedade industrial” gerada pela revolução ocorrida na Inglaterra e espalhada pelo resto do mundo se encontrava em sua forma acabada. Em síntese, Mota (1986, p. 93) descreveu o cenário da seguinte maneira:

[...] do sistema feudal ao sistema capitalista, passa-se da sociedade de estamentos para a sociedade de classes. [...] essas revoluções serão denunciadas por terem implantado um sistema de classes, separando duas

em seus interesses fundamentais: a burguesia e o proletariado. Assim, a nova sociedade industrial – a sociedade contemporânea – nasce com essa característica trágica: a divisão em sua unidade, “unidade” discutível que o pensamento liberal se esforçará em justificar e defender.

Essa tendência histórica em se manter a “divisão em sua unidade”, própria do novo modelo social, encontrou na educação, principalmente, na educação escolar, um instrumento valiosíssimo. Nota-se, nesse caso, uma situação curiosa percebida por Arroyo (1987, p. 36):

[...] a educação passa a ser encarada como um santo remédio capaz tanto de tornar súditos cidadãos livres, como controlar a liberdade dos cidadãos. [...] a distribuição da dose de educação passa a estar condicionada ao destino de cada indivíduo na nova ordem social e à dose de poder que os diversos grupos sociais vão conquistando.

Quanto ao “liberalismo”, ou o pensamento liberal, este era a filosofia dos tempos, a grande expressão da realização das ambições iluministas e libertárias com as quais muitos sonharam durante os anos que antecederam, porém muito dirigida por uma concepção de liberdade arraigada na idéia de liberdade mercantil, de ser livre para se relacionar no sentido mercadológico, de compra e venda no mercado.

O liberalismo, principalmente, nesta primeira fase, encontrou na relação de oferta e procura de mercadorias sua dinâmica elementar. O modelo liberal estava definido. Não havia muitas dúvidas que o ideal era mesmo admitir a máxima do laissez faire, laissez

passer, le monde va de lui même.1

Nesse cenário, agravou-se a dualidade entre as classes sociais mediada pelo processo educacional. Essa lamentável condição prevaleceu ao longo das décadas e chegou até nossos dias ainda com bastante vigor.

Ao longo do tempo, como vimos, os seres humanos foram se dividindo socialmente, de várias formas. A partir da revolução industrial essa divisão será essencial e se pautará na relação do trabalho com a generalização e otimização de um novo elemento: o “capital”.

Este novo fator gerou uma situação de novo tipo, entre o produtor e os meios de produção, entre os donos dos meios de produção e os trabalhadores. A igualdade e a

1

“deixa fazer, deixa passar, o mundo caminha por si mesmo”. Lema do pensamento liberal. Tradução livre do autor.

liberdade se transformaram em igualdade de todos que podiam produzir na sociedade industrial e a liberdade de trocar e vender qualquer mercadoria, inclusive o próprio trabalho.

Interessa-nos que o industrialismo foi admitido por Gramsci, como veremos posteriormente, como o “princípio educativo” da educação moderna e da “escola unitária”.

Segundo Nosella (1989, p. 18),

Gramsci nega (pois a própria história o negou) aquele trabalho que não gera sobretrabalho, isto é, aquele trabalho que gera apenas a sobrevivência individualizada sem jamais produzir riqueza universal, base objetiva e necessária para a construção do novo homem culturalmente desenvolvido e potencialmente socialista. Por isso ele defende, e cada vez mais radialmente, o trabalho industrial como a forma moderna de atividade produtiva e princípio educativo do homem moderno.