• Nenhum resultado encontrado

5.1 Ideal dos pioneiros

5.2.2 LDB 4 024/61

Pois bem. Na seqüência, mal chegamos a mudar de década e já em 1946, de acordo com a “mais nova” Constituição Federal, promulgada neste mesmo ano, o Ministro Clemente Mariani criou uma comissão específica para elaborar um anteprojeto de “reforma geral” da educação nacional (Já falamos mais de uma vez dessa vontade incontrolável de rompermos com o passado a todo instante).

A diferença, agora, foi que se pretendeu elaborar pela primeira vez uma lei de diretrizes e bases da educação, representando um avanço em relação às reformas fragmentadas de que se tinha notícia até então.

Esta comissão, presidida pelo eminente educador Lourenço Filho, que como vimos, fez parte do grupo dos pioneiros em 1932, foi subdividida em três subcomissões: uma responsável pelo ensino primário; outra para tratar do ensino médio; e uma terceira para definir como ficaria o ensino superior. Em poucos meses foi concluída a empreitada e, no final do ano de 1948, foi então encaminhado o anteprojeto da mais recente reforma educacional ao Congresso Nacional, iniciando sua trajetória longa e conturbada.

Foram anos de intensos debates ideológicos, políticos, educacionais, enfim, um período de “ebulição” no país. A idéia de modernização, de um grande salto para o futuro, perpassou e se colocou como pano de fundo daquelas discussões. Ao mesmo tempo, uma disputa intestina entre os responsáveis pelo ensino no país tornou aqueles anos extremamente polêmicos.

Neste caso, um dos conflitos marcantes dessa fase de elaboração da primeira LDB foi entre defensores da escola particular de um lado e da escola pública de outro.

Na “arena” onde se efetivaram as discussões, em diversas publicações e debates públicos, alguns até agressivos, podemos identificar dois grupos nitidamente organizados: “de um lado, os defensores do ensino privado tendo como carro chefe a Igreja Católica, secundada por proprietários de escolas privadas leigas. [...] De outro lado, os defensores do ensino público” (BUFFA, 1984, p. 303).

Uma constatação sutil realizada tempos depois e que tirou um certo “brilho” daquela disputa, especialmente àqueles que queriam acreditar num certo “heroísmo” dos defensores da escola pública, foi que na verdade existiram diferenças entre os grupos sob vários pontos de vista, porém, eles “concordavam” em não questionarem a ordem existente, tão controvertida e merecedora de estudos, ou até mais, que os problemas educacionais.

Para Buffa (1984, p. 305), numa perspectiva mais ampla, esse famoso conflito significou na verdade uma luta entre forças conservadoras da sociedade:

Por um lado, o setor tradicional da burguesia ligado à Igreja, usuário de suas escolas, defensor, portanto, do ensino privado e, por outro lado, a fração da burguesia industrial, representando o setor moderno que via com bons olhos novas conquistas sociais, defendendo o ensino público.

Era, assim, uma luta entre a própria classe dominante. Diante disso, surgiu um difícil questionamento: onde é que entrariam os interesses da grande massa popular nesta história?

Como se não bastasse esse impasse, além disso, devemos reconhecer que o resultado desse conflito foi favorável ao setor “tradicional da burguesia”, abrindo caminho ao privatismo do ensino secundário. Logo, podemos supor que, mais uma vez, o processo de exclusão de boa parte da população da condição de legítimos cidadãos e cidadãs foi reforçado.

Findo o seu processo de elaboração, depois de vários anos tramitando no Congresso Nacional, (e quando falamos em “vários anos”, utilizamos aqui o sentido literal, pois foram 13 anos) já em outro governo, num outro momento da história brasileira, finalmente, ela foi aprovada. Assim, em 20 de dezembro de 1961, foi “entregue” ao povo brasileiro a Lei nº 4.024, a famosa “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”, nossa primeira LDB.

Uma leitura atenta de alguns trechos desta Lei, como os dos dispositivos sobre o conceito e as finalidades da educação, bem como daqueles sobre ensino médio e, ainda, daqueles que sintetizaram as disputas das escolas particulares com as escolas públicas, será fundamental para compreendermos os desdobramentos futuros na sociedade e na educação brasileiras que chegariam, em maior ou menor grau, até os nossos dias.

Além do quê, em certa medida, o próprio texto legal consegue ser auto- explicativo em certa medida. Vejamos, então, alguns trechos extraídos da Lei no 4.024, de 20 de dezembro de 1961, a qual “Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional”:

Art. 1º A educação nacional, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por fim:

a) a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado, da família e dos demais grupos que compõem a comunidade;

b) o respeito à dignidade e às liberdades fundamentais do homem; c) o fortalecimento da unidade nacional e da solidariedade internacional; d) o desenvolvimento integral da personalidade humana e a sua participação na obra do bem comum;

e) o preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos que lhes permitam utilizar as possibilidades e vencer as dificuldades do meio;

f) a preservação e expansão do patrimônio cultural;

g) a condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como a quaisquer preconceitos de classe ou de raça. (BRASIL, 1961)

Quanto ao comentado conflito que existiu na fase de sua elaboração devido às pressões, de um lado, dos defensores da escola privada com “o setor tradicional da burguesia” representado por religiosos e proprietários de escolas e, de outro, defensores da escola pública, com a “burguesia industrial”, resultou nos seguintes dispositivos:

Art. 2º A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola.

Parágrafo único. À família cabe escolher o gênero de educação que deve dar a seus filhos.

Art. 3º O direito à educação é assegurado:

I - pela obrigação do poder público e pela liberdade de iniciativa particular de ministrarem o ensino em todos os graus, na forma de lei em vigor;

II - pela obrigação do Estado de fornecer recursos indispensáveis para que a família e, na falta desta, os demais membros da sociedade se desobriguem dos encargos da educação, quando provada a insuficiência de meios, de modo que sejam asseguradas iguais oportunidades a todos.(BRASIL, 1961)

Já em relação ao ensino médio, tema central deste nosso trabalho, os legisladores que formalizaram no papel uma certa concepção de vida e de educação alinhada ao sistema dominante encontraram a “inacreditável” fórmula para conciliar interesses e realidades tão diferentes que marcavam a dualidade social e econômica naquele Brasil da segunda metade do século XX, o que resultou na seguinte previsão:

Art. 34. O ensino médio será ministrado em dois ciclos, o ginasial e o colegial, e abrangerá, entre outros, os cursos secundários, técnicos e de formação de professores para o ensino primário e pré-primário.

Art. 47. O ensino técnico de grau médio abrange os seguintes cursos: a) industrial;

b) agrícola;

c) comercial.(BRASIL, 1961)

Como vimos, prevaleceu, mais uma vez, a forma populista da conciliação dos conflitos, sejam eles econômicos, sociais ou ideológicos, procurando “mediar” as forças em oposição. Considerando a suspeita de que se tratou de uma luta conservadora com faces distintas e que, na prática, não surtiu muitos efeitos, ficou “no ar” o sentimento de que foi necessária, mas não suficiente para atender nossas necessidades.

Os comentários sobre a nova Lei em vigor, nas palavras de alguns dos protagonistas da época, demonstraram um evidente “conformismo” perturbador.

Citados por Saviani (2000, p. 20): para Anísio Teixeira, defensor da escola pública, foi “meia vitória, mas vitória”; para Carlos Lacerda, defensor da escola privada, “foi a lei que pudemos chegar”; mais desiludido que os primeiros, e com ironia, para Álvaro Vieira Pinto “é uma lei com a qual ou sem a qual tudo continua tal e qual”.

Reforçando esta triste percepção, podemos listar algumas características marcantes desse “jeito de ser” populista da educação brasileira, tais como:

1- O populismo obscureceu o conceito e a prática do trabalho intelectual [...] fixa-se, assim, a dicotomia entre trabalho braçal (emprego simples ou até subemprego) e trabalho intelectual.

2- Ao enaltecer o basismo, contribuiu no afrouxamento do rigor do trabalho escolar. [...] o populismo democratiza a clientela, mas deforma o método, rebaixando a qualidade.

3 – o populismo disfarça, pela equivalência burocrática, a dicotomia entre o ensino profissionalizante e o ensino secundário. [...] os dois mundos não se integram; os dirigentes e os dirigidos continuam em escolas diferentes, mesmo recebendo diplomas “iguais”. O idealismo populista, que pensa criar a escola “unitária”, abre ao trabalhador o longo caminho de uma escola secundária empobrecida, sem lhes proporcionar meios de percorrer os anos da Universidade. É um idealismo cínico.

4 – A cultura popular foi fortemente escolarizada pelo populismo e também pelo corporativismo.

5 – Finalmente, também a política de formação dos professores e dos outros profissionais da Educação traz as marcas do populismo [...] o rico e amplo conceito de “escola” foi reduzido ao pobre e mecânico conceito de “curso”, para “baratear” e “empobrecer” a escolarização.(NOSELLA, 2002, p.54-58)