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CAPÍTULO II – SER FRATERNO, “ESTILO” CRISTÃO DE HABITAR O MUNDO

2. Pedagogia e didática para a lecionação da unidade letiva

2.1. Contextos de lecionação

Conforme já foi referido no ponto anterior, a nossa tarefa de lecionação teve lugar no contexto de uma escola bracarense, o Agrupamento de Escolas Dr. Francisco Sanches, numa turma do 5º ano de escolaridade, o 5º 3. A titularidade de lecionação da turma este ano letivo pertence à professora cooperante que orienta o trabalho do estágio na escola. Para tornar possível a PES, a docente cedeu-nos a possibilidade da planificação de uma unidade letiva e da lecionação dessas aulas. Tendo em consideração os constrangimentos e características dos elementos do núcleo de estágio, definimos que deveriam planificar-se 5 aulas. Estas sessões de 45 minutos foram assistidas pelos outros elementos do núcleo de estágio, o que veio permitir um diálogo enriquecedor e uma análise crítica e detalhada das propostas planificadas, das estratégias e interações encetadas em contexto de lecionação, procurando sempre uma maior eficácia educativa junto dos alunos. Assim aconteceu.

2.1.1. Escola Básica de 2.º e 3.º ciclos Dr. Francisco Sanches

O Agrupamento de Escolas de Dr. Francisco Sanches, constituído no ano letivo 2001/2002, é uma unidade organizacional dotada de órgãos próprios de administração e gestão e integra atualmente, verticalmente, sete estabelecimentos de educação e de ensino, que se localizam na área de influência de duas freguesias com grande densidade populacional, onde se identificam bairros sociais.452 Estas escolas, que pertencem a zonas muito antigas da cidade, integram-se no designado Território de Intervenção Educativa Prioritária, dada a heterogeneidade da população estudantil. Efetivamente, pertence a este Agrupamento de Escolas uma população diversificada, onde coabitam diversos estatutos sociais, culturais e económicos, além de haver ali um vasto conjunto de famílias imigrantes, de origens diversas, que não têm o português como língua materna.453

Foi na Escola Básica de 2.º e 3.º ciclos Dr. Francisco Sanches que concretizámos o nosso estágio. Conforme salienta o Projeto Educativo recentemente editado454, este espaço escolar está em fase de requalificação. Por este motivo, nos últimos dois anos letivos, a escola tem

452 Cf. AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DR. FRANCISCO SANCHES, Projeto Educativo, versão: A-20-01-

14, Braga, Agrupamento de Escolas Dr. Francisco Sanches, 2014, 7.

453 Cf. Ibidem, 7.

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ocupado um edifício antigo, bastante degradado e com uma “capacidade real muito inferior à que tem sido utilizada”455. Apesar de ter sido ali que decorreram as primeiras atividades letivas da história da escola, o edifício tinha sido gradualmente abandonado à medida que outras estruturas mais modernas e com outras condições físicas foram surgindo para dar as respostas que a comunidade educativa e os novos tempos iam exigindo. Estes edifícios mais recentes estão, no entanto, agora a ser modernizados, o que tem constituído um claro obstáculo para a vida escolar. Há neste velho edifício poucos espaços disponíveis para o desenvolvimento de atividades importantes para a escola. Sente-se a dificuldade para que se concretizem com qualidade as atividades de enriquecimento curricular: os espaços gimnodesportivos são contíguos a salas de aulas; os laboratórios para a prática instrumental não estão devidamente preparados; sente-se, inclusive, necessidade urgente de se ter espaços de recreio necessários para a ocupação de tempos livres dos alunos.

A Escola Básica de 2.º e 3.º ciclos Dr. Francisco Sanches tem este ano letivo 1019 alunos, 94 professores e 20 assistentes operacionais.

O contexto económico da maior parte das famílias destes alunos é muito frágil. Refere o documento do atual Projeto Educativo que um dos indicadores que o comprova é a percentagem de alunos que beneficiam do apoio da Ação Social Escolar, situação que tende a acentuar-se de ano para ano. Só a título de exemplo refira-se que mais de metade da população da escola apresenta carências económicas, o que exige da instituição uma atenção muito grande face às dificuldades que alguns alunos e respetivas famílias demonstram para obter quer o material escolar necessário, quer mesmo a alimentação essencial.

Já no que diz respeito ao contexto cultural, apesar da heterogeneidade de características sociológicas, são recorrentes as referências a agregados familiares com baixa escolarização, realidade a que se associam o crescente desemprego e as situações de precaridade social. Estes fatores condicionam sobremaneira o acesso aos bens culturais, realidade que tem impacto direto no acontecimento da lecionação. Verifica-se ainda um elevado número de alunos que apresentam Necessidades Educativas Especiais, além de que 11% dos alunos do agrupamento sujeitos a avaliação cognitiva se situam nos domínios “inferior” ou “muito inferior”.

Facilmente percebemos que o aproveitamento escolar dos alunos é condicionado por todos estes fatores que, vindos de fora, invadem cada sala de aula e marcam os ritmos de trabalho, muitas vezes abalados pelo insucesso escolar e por comportamentos disruptivos que precisam constantemente de ser trabalhados.

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2.1.2. A turma de intervenção

Na turma do 5º 3 da Escola Básica de 2.º e 3.º ciclos Dr. Francisco Sanches, onde concretizámos a nossa lecionação, encontramos toda a heterogeneidade económica, cognitiva e sociológica de que falávamos na contextualização da escola. Ali vemos o reflexo de algumas situações de carência económica, mas a que mais sobressai talvez seja a sociocultural.

Num primeiro contacto, ao conhecermos o grupo-turma antes da lecionação, percebemos que os 22 alunos da turma apresentam características humanas (são sobretudo essas que aqui valorizamos) que consideramos normais para a faixa etária dos 10/11 anos. Num preliminar exercício de apresentação, sobressaíram do grupo a maturidade e infantilidade próprias da idade, a irrequietude dentro da sala de aula, a régua que bate na mesa, o lápis que cai constantemente ao chão, as conversas em surdina, o aluno que se levanta e vai ao lixo sem dar satisfações ao professor, os gestos de provocação para destabilizar o(a) colega, e tantas situações pequeninas que juntas nos dizem que estamos perante um turma que, não sendo desrespeitadora do trabalho do docente, precisa de um pulso que saiba equilibrar devidamente a participação na aula e que não lhe dê uma margem de manobra tão grande que, num ápice, perca o controlo do comportamento da turma.

A docente titular instituiu, desde a primeira aula do ano letivo, uma única regra fácil de memorizar para que as aulas de EMRC decorressem com a normalidade desejada. Todos a conhecemos: “ouvir e respeitar os outros”. Mediante estas simples palavras, sempre que o grupo se desvia do rumo do trabalho da aula e entra numa espiral de maior, chamemos-lhe, indisciplina, basta recordá-las ou pedir aos alunos mais responsáveis da turma que as lembrem para que o ritmo habitual do trabalho seja retomado.

Nesta breve caracterização da turma não nos debruçaremos em dados estatísticos, nem em gráficos que ilustrem os níveis de aproveitamento da turma, nem tampouco no número de minutos que os alunos demoram da escola para casa e de casa para a escola. Incidimos a nossa análise no modo como os alunos se relacionam entre si, nos diversos processos de interações que fomos descortinando. Neste âmbito, encontrámos uma turma ligeiramente quezilenta e percebemos que há ainda um demorado caminho humano a percorrer. A par das lacunas resultantes da falta de hábitos e métodos de estudo, de dificuldades de aquisição, compreensão e aplicação de conhecimentos, e de recorrentes faltas de concentração na sala de aula por parte de alguns alunos, encontramos também uma turma de “gente” simpática e bem-disposta, capaz de se deixar motivar e apaixonar pelas atividades e tarefas letivas que o

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professor propõe, sendo alunos dinâmicos, participativos e empenhados na realização das tarefas da aula. De facto, ao querermos qualificar o grupo, não podemos deixar de sublinhar os olhos curiosos e ansiosos pela aula, o brilho de cada interrogação que procura vislumbrar o que vai acontecer a seguir e as palavras que se aprenderão.

Nesse sentido, depois da experiência com esta turma, apesar de breve, podemos afirmar que fomos bafejados com a sorte de ter na nossa frente um conjunto de singularidades com vontade de aprender e de uma turma que vimos amadurecer. Os laços que os unem, embora sejam frágeis, revelam que são capazes de “chegar lá”. Por outras palavras, talvez mais adequadas e menos corriqueiras, os alunos do 5º 3 cedo revelaram que a fraternidade humana habita aqueles coraçõezinhos, mesmo em potência, o que nos enche o ego e dá esperança para continuar a lecionar, porque sentimos que vale a pena.