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Fluxograma 1: Cadeia produtiva de carne bovina

3. Políticas Públicas e Zoonoses: análise dos programas de

3.1. Contextualização histórica dos aspectos

A preocupação do Estado Brasileiro com as zoonoses estudadas nesta tese é demonstrada com o Decreto-Lei n°. 24.548, de 03 de julho de 1934, publicado no Diário Oficial do dia 14 do mesmo mês e ano. Este decreto cria o Serviço de Defesa Sanitária Animal, bem como, a partir das normativas internas ao Decreto, orienta os procedimentos técnicos a serem realizados em caso de zoonoses. Aqui, também fica declarada a responsabilidade do Estado no combate, diagnóstico, sacrifício e indenização – nos casos de tuberculose, raiva e brucelose (BRASIL, 1934).

Nas disposições preliminares, no Capítulo 1 deste Decreto, está especificado que o Serviço de Defesa Sanitária Animal possui responsabilidade de “[...] preservar o país de zoonoses exóticas”, além de possuir igual responsabilidade no controle de doenças infectocontagiosas e parasitárias que ocorram no país. Como medidas que visam diretamente à orientação técnica das ações, o regulamento proíbe a entrada no território brasileiro de animais com ou suspeitos de estar com doenças; é também vetada a entrada no país de produtos e subprodutos que sejam originários de animais que não estejam em condições de saúde (BRASIL, 1934).

O Decreto de 1934, com medidas especiais, já aponta que, para haver a certificação oficial, é necessária a realização da prova da tuberculinização e a prova de soro aglutinação para a brucelose, ambas usadas até hoje. Além destas provas, para a entrada no Brasil também se exige o certificado sanitário de origem, que, entre outras exigências, deverá ser autenticada pelo consulado brasileiro no país de origem, possuir um atestado de saúde animal, uma declaração das autoridades veterinárias do país de origem de que nos últimos quarenta dias o animal não teve nenhuma doença infecciosa. Estas normativas já demonstram como existia uma preocupação das autoridades com a sanidade animal e já usavam procedimentos que buscavam controlar a entrada no país de determinadas doenças. Portanto, a ideia de responsabilidade do Estado em casos de zoonose e de proteção do rebanho nacional não é nova. Porém, estas normativas do Decreto de 1934 não se restringem apenas à entrada de animais no país, também, existe uma preocupação com a situação interna. Para a movimentação de animais, já existem normas

como a obrigatoriedade da certificação sanitária para o trânsito entre estados como determina o artigo 10:

Ao que se refere ao transporte de animais no interior do país por via férrea, é de responsabilidade do Ministério da Agricultura, sendo que os animais serão examinados em pontos determinados pelos órgãos oficiais sendo então concedido um certificado de “livre de doenças infectocontagiosas” (BRASIL, 1934). Animais com destino à exportação serão examinados nos currais das propriedades por funcionários da Defesa Sanitária Animal, ou por funcionários do Estado, sob a supervisão dos serviços federais. Por sua vez, os animais que forem transportados a pé, por “tropeadas”, também serão examinados pelo Serviço de Defesa Animal, nos pontos indicados pelos órgãos oficiais (BRASIL, 1934).

Sobre os produtos de origem animal, o Decreto de 1934 também se posiciona. Ressalta que a importação fica sujeita a certificados, assinados por autoridades competentes na origem, nos países que produziram. Este certificado deverá ser aprovado pelo Ministério da Agricultura e também deve ter o visto das autoridades consulares brasileiras nos países de origem (BRASIL, 1934).

Os mercados e feiras de gado só poderão funcionar quando supervisionados pelo Serviço de Defesa Sanitária Animal, sendo que devem possuir estrutura material para realizar ações de defesa sanitária. E no caso de ocorrer doenças infectocontagiosas no decorrer das feiras ou dos mercados, estes serão suspensos. Animais de outros estados, para participar destes eventos, deverão possuir atestados de sanidade emitidos pelo Serviço Nacional de Produção Animal (BRASIL, 1934).

Especificamente, o artigo n° 19, do Decreto de 1934, se refere às doenças aqui estudadas: a tuberculose, a raiva e a brucelose. Ainda declara que, quando ocorrerem em animais que estão em processo de importação e exportação, estes devem ser sacrificados, cujos custos devem ser pagos pelos proprietários e sem o pagamento de indenização a eles. Porém, frisa-se que, quando for realizada a necropsia e os animais não apresentarem as lesões nos órgãos, as despesas recairão sobre o Ministério da Agricultura. Esta medida deve ter trazido sérios problemas para o serviço público, porque algumas doenças não apresentam lesões nos órgãos. A tuberculose na fase inicial é uma delas. Em outras, como a raiva, as lesões só aparecem quando o animal morre da doença. De modo que, havendo sacrifício, as lesões não aparecem. Ademais, a raiva, para ser diagnosticada laboratorialmente, precisa de

técnicas avançadas e de procedimentos difíceis de serem executados nos dias de hoje. Portanto, um exemplo de política pública difícil de ser efetuada (BRASIL, 1934).

No que tange à importação de animais para o abate interno, o Decreto de 1934 demonstra que o governo brasileiro já tratava o mercado interno de um modo diferenciado do mercado externo. Segundo o artigo 29, para animais destinados ao consumidor brasileiro, não era necessário provas biológicas, como a tuberculinização e a prova da brucelose para entrarem no Brasil, o que fica evidenciado que o país não possuía cuidados e preocupação com a alimentação, bem como com os trabalhadores do setor. Ou seja, a saúde pública não era prioridade (BRASIL, 1934).

Ao tratar do trânsito de animais, o Decreto também apresenta algumas normativas e já demonstra a então necessidade de integração de diferentes órgãos governamentais, bem como uma integração entre empresas particulares e órgãos públicos para realizar uma defesa sanitária com resultados. Assim, as empresas responsáveis pelo transporte fluvial bem como as empresas de transporte ferroviário deveriam construir instalações (banheiros para administração de carrapaticidas, currais equipados com estrutura para a realização de trabalhos da vigilância sanitária). Todavia, a inspeção seria de responsabilidade dos serviços públicos, no caso, do serviço veterinário oficial. Também a elaboração de roteiros para o transporte por “tropas” seria de responsabilidade dos serviços oficiais. Ao que concerne à necessidade de integração entre órgãos governamentais, quando as empresas de transporte ferroviário fossem de propriedade da União, o Ministério da Agricultura deveria entrar em contato com o Ministério da Viação (responsável pelo transporte), para que fossem planejadas medidas para que efetuassem as ações referentes à vigilância sanitária. Porém, estas ações continuaram sob a responsabilidade do Serviço de Sanidade Animal (BRASIL, 1934).

À importação de alimentos, em 1934, era proibida entrada de produtos de origem animal sem a certificação fornecida pelas devidas autoridades competentes. Estes documentos, na entrada do produto no Brasil, deveriam ser validados por profissionais do serviço público federal. Mesmo os produtos de origem animal para o consumo humano seriam vistoriados pelo Serviço de Defesa Sanitária Animal, e após, seriam enviados os resultados ao Departamento Nacional de Saúde Publica. Mesmo se tratando de produtos não comestíveis, como o couro, lã, chifres, cabelos e com fins puramente industriais, só desembarcariam no território nacional, quando trouxessem declaração de que eram

originários de países livres de doenças infectocontagiosas (BRASIL, 1934).

O artigo 61 lista as doenças passíveis de serem aplicadas as medidas de defesa sanitária animal, entre elas está a tuberculose, a brucelose e a raiva, inclusive esta última aparece como doença que acomete os mamíferos e não simplesmente como “raiva dos herbívoros”, o que demonstra que o decreto de 1934, ao que se refere ao controle de zoonose e de como estas devem ser abordadas, é mais abrangente que os programas sanitários da atualidade.

Outra característica, esta lista de doenças podia ser modificada, bem como alterações das metodologias de combate das enfermidades também podiam acontecer. Além disso, este Decreto demarca que qualquer animal, de qualquer espécie, quando apresentar sinais clínicos e sintomas de qualquer enfermidade e que ofereça perigo de ser portador de algum agente causador, pode ser passível de sofrer as medidas do Serviço de Defesa Sanitária Animal. O artigo 63 acentua a política do Estado brasileiro sobre algumas zoonoses, entre elas a tuberculose e a raiva na direção de que para uma saúde animal e humana eficientes, os animais com a doença deviam ser sacrificados. Também sobre doenças que não ocorreram no Brasil, o Decreto estabelece diretrizes: “[...] qualquer doenças infecto contagiosa ainda não oficialmente reconhecida como existente no Brasil é obrigatório o sacrifício de animais atingidos e dos que forem necessários para a defesa sanitária do rebanho nacional [...]” (BRASIL, 1934).

No que concerne à responsabilidade pelas zoonoses, este Decreto coloca a necessidade de envolver toda a sociedade e, inclusive, os governos municipais, dos estados e o governo federal com suas autoridades e funcionários para auxiliar o Serviço de Defesa Sanitária Animal, através de indicação do acontecimento das doenças ou quando alguma normativa não for cumprida. Assim, todas as autoridades passam a participar dos serviços de sanidade animal, incluída a iniciativa privada, como os criadores. Contudo, quanto à competência e à realização das ações, os técnicos federais eram responsáveis por cooperar gratuitamente com os criadores na assistência veterinária, sendo esta constituída de vacinação, revacinação, identificação, profilaxia e tratamento de doenças infectocontagiosas. Cabe aos produtores a responsabilidade de adquirir as vacinas e os medicamentos; A assistência médico-veterinária é gratuita e de responsabilidade do Estado (BRASIL, 1934).

Para as questões que não estavam contempladas neste Decreto, ou em caso de situações duvidosas e que necessitassem de ações rápidas,

foi criado o Conselho Nacional de Defesa Sanitária pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Este conselho era formado pelo Ministro da Agricultura, pelo diretor geral do Departamento Nacional de Produção Animal, pelo diretor do Serviço de Defesa Animal, pelo diretor do Instituto de Biologia Animal, pelo diretor do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal. Também faziam parte deste conselho membros consultivos e presidentes de associação de criadores (BRASIL, 1934).

O Serviço de Defesa Sanitário Animal, através de seu corpo técnico, tinha acesso a propriedades de criação, de industrialização, depósitos, armazéns, estradas, aeroportos, a bordo de navios, enfim em qualquer lugar que pudesse haver animais ou despojos.

Importante demarcar com a descrição do Decreto de 1934, a preocupação do Estado brasileiro com as zoonoses. Desde então, o país passou por inúmeras modificações constitucionais, mas no que se refere ao controle destas doenças, a situação continuou a mesma, principalmente o relacionamento com o mercado internacional de carne. Foram criados os programas para combater algumas destas doenças infectocontagiosas de modo pontual e que envolvem as propriedades em todo o país. Não obstante, os processos de tomada de decisão e responsabilidade continuam como preconiza o referido decreto. Realçamos que as políticas públicas construídas pelo Brasil estavam de acordo com as organizações internacionais, e consequentemente eram aceitas pelo mercado internacional de carne bovina, o que não significa que em determinados momentos não ocorriam crises de relacionamento e a consequente quebra de acordos comerciais.