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Fluxograma 1: Cadeia produtiva de carne bovina

3. Políticas Públicas e Zoonoses: análise dos programas de

3.2. Programas de sanidade animal

3.2.3. Programa de Controle da EEB

Desde o aparecimento da EEB no Reino Unido, as autoridades sanitárias criaram uma série de procedimentos para preservar o patrimônio genético e, também, a saúde pública da população brasileira. Essas medidas, além de serem construídas por autoridades brasileiras, são também exigências do mercado internacional (THOMAZ, 2006).

Internamente, o Brasil proibiu a entrada de animais oriundos de países onde existe a doença ou de países onde há a probabilidade de sua emergência, bem como produtos oriundos de países em que já foi detectada. Também foram proibidas substâncias originárias de tecidos de ruminantes que são usadas para a confecção de medicamentos, produtos de belezas e outros insumos para a saúde humana (BRASIL, 2004; THOMAZ, 2006; DIHL, 2010). Além destas, outras medidas foram preconizadas, como a coleta de material para fazer o diagnóstico da doença em bovinos que apresentem testes negativos para a raiva, bovinos com sinais clínicos de problemas neurológicos, bovinos em abates de emergência, bovinos acima de 30 meses com doença crônica catequizante, bovinos acima de trinta meses em decúbito (deitado) (THOMAZ, 2006; BARROS, 2003). O material deve ser enviado ao laboratório oficial para o diagnóstico, com informações prestadas pelo clínico veterinário sobre o histórico da evolução clínica da doença, contendo a data e a hora da morte do animal, o tempo decorrido entre a morte e a realização da necropsia e informações sobre qualquer contratempo que houve para realizar a coleta do material (DIEHL, 2010). Estas operações devem ser feitas com cuidados especiais e por profissionais treinados, uma vez que doenças como a raiva e a listeriose são de fácil contaminação por humanos. Entre outras exigências, o mercado europeu da carne, os Estados Unidos da América e o Canadá estão cobrando um serviço de rastreamento pelo qual seja possível detalhar todo o modo de criação bovina brasileira, bem como todos os procedimentos sanitários (THOMAZ, 2006).

No que se refere especificamente ao seu programa de controle, existem no seu conteúdo algumas normativas difíceis de serem cumpridas e de serem fiscalizadas. Os órgãos públicos fiscalizam o modo de criação (alimentação) para os mercados compradores europeus, sendo necessária a conscientização dos grandes produtores de carne

sobre nutrientes que podem ser usados ou não na alimentação dos rebanhos. Todavia, nas pequenas propriedades, estes procedimentos são difíceis, o programa não explicita como devem ser realizados nem cita a sua provável ocorrência a esta modelo produtivo (como trabalhar questões ligadas à pequena propriedade, na qual acontece várias formas de criação e que se inter-relacionam). Nesses modelos de criação, encontramos um problema cultural: os produtores possuem a compreensão de que tudo na propriedade deve ser aproveitado, e usam restos de alimentos com proteína animal ou gorduras para alimentar ruminantes quando têm oportunidade, o que não é permitido. Por isso, o programa precisa considerar aspectos relacionados à interdependência, às externalidades entre cultura e técnica, e cultura e aspectos políticos, o que não acontece.

Outro aspecto que o programa não considera são as redes de interdependência sociais, políticos e econômicas que ocorrem entre uma pequena propriedade, que não segue as normativas, e uma grande propriedade que está cadastrada para exportar carne. O programa intenta identificar a sua incidência e ocorrência em lugar determinado, desconsiderando as relações de mobilidade biológicas que acompanham a ocorrência de uma zoonose.

O programa explicita que a ocorrência da EEB foi devido à alimentação de ruminantes de maneira equivocada. Entretanto, não considera as pesquisas que demonstram que a ocorrência de doenças novas e, ou emergentes são causadas por situações complexas entre elas, por transformações tecnológicas na fabricação da algum tipo de alimento (WALDMAN, 2001; SCHATZMAYR, 2001; MARPH, 1998). Deste modo o programa não explicita a necessidade de relações interdisciplinares com outros campos e conhecimentos (o que foi demonstrado no estudo da doença), e não explica como devem ser as abordagens das equipes em casos de suspeitas da doença. Demarcamos que a origem da doença não está devidamente esclarecida. Para esta tese, torna-se central a posição do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento sobre a epidemiologia da enfermidade.

A EEB foi adquirida pelos bovinos por meio de alimentação com rações da farinha de carne ou de osso contaminados pelo agente etiológico. A fonte de infecção poderia ser ovinos contaminados por scrapie ou bovinos afetados por uma forma esporádica da doença, até então não detectada. A entrada dos primeiros bovinos contaminados na cadeia alimentar por certo aumentou a epidemia.

A alteração no processo de fabricação dessas rações de farinha de carne ou de osso, ocorrido no fim da década de 1970 e no início da década de 1980, pode ter contribuído para o aparecimento da doença. Não há evidência que a EEB dissemine-se horizontalmente, mas sugere-se que a transmissão materna ou vertical possa acontecer. No entanto, acredita-se que isso ocorreria em níveis muito baixos, insuficientes para perpetuar a epidemia (THOMAZ, 2006, p. 104).

A posição oficial do governo brasileiro sobre a doença mostra a necessidade de realização de estudos sobre sua origem e transmissão. Estas incertezas também estão presentes nas organizações internacionais e em outros países produtores de carne, bem como nos meios acadêmicos e científicos.

3.2.3.1 Encefalomielite Espongiforme Bovina

A EEB faz parte de um grupo doenças para o qual a comunidade científica ainda não conseguiu elucidar muitos fatores. No que se refere a esta tese, pode ser enquadrada como uma doença nova (pelo menos nesse atual estágio do conhecimento cientifico sobre ela) e, ou uma doença emergente. Deste modo, como o conhecimento cientifico ainda não conseguiu explicar de forma convincente sua etiologia, sua evolução clínica, seus sinais clínicos, sua sintomatologia, e sua profilaxia, a consequência é a dificuldade de o Estado controlá-la através de suas políticas públicas. Nos estudos realizados até o momento, esta doença demonstrou a necessidade da construção de um campo interdisciplinar para solucionar os problemas de seu surgimento.

Alguns estudos apontam que a doença foi diagnosticada pela primeira vez no Reino Unido em 1985, entretanto esta posição não é consensual. Para alguns pesquisadores, a origem da encefalomielite espongiforme bovina pode ter ocorrido de uma mutação e que já existia na Inglaterra nos anos setenta e oitenta. A entrada da doença na cadeia alimentar teria ocorrido devido à necessidade de produzir uma farinha com melhor qualidade nutricional, o que se conseguiria a partir de sangue, miúdos e ossos de ovinos. Para se conseguir um produto viável economicamente, suspendeu-se a utilização de hidrocarbono como solvente de gorduras, o que, por sua vez, necessitava de altas temperaturas e umidade. Essas baixas temperaturas, em torno de 76° C, não exterminavam as proteínas príonicas. Mais tarde, descobriu-se que

tanto a primeira forma de produzir a ração (com hidrocarbono e altas temperaturas) como a segunda (sem hidrocarbono e baixas temperaturas) não possuem poder esterilizantes para príons (HORN et al, 2001).

A epidemia avançou rapidamente. Inicialmente, em 1986, aconteciam cerca de oito casos por mês. Já no final de 1987, quando a doença foi relatada pela revista Veterinary Record, a incidência da doença já ultrapassava 70 casos por mês. No auge da epidemia, que ocorreu entre os meses de dezembro de 1992 e janeiro de 1993, ocorreram mais de 3.500 casos.

As encefalopatias espongiformes bovinas (as alterações em formato de esponja encontradas nos exames microscópicos deram este nome à doença) caracterizam-se como um grupo de doenças que causam a degeneração do sistema nervoso e comprometem todo o sistema nervoso central. São causadas pelo acúmulo de uma proteína normal que se origina a partir de uma alteração desta própria proteína no hospedeiro. A doença, conhecida vulgarmente como “doença da vaca louca” ou BSE (Bovine spongiform encephalopathy), afeta os bovinos domésticos. A doença surgiu na Inglaterra em 1986, e seu agente patogênico é uma forma especial de proteína chamada de “príon” (em Portugal, de Prião); é uma zoonose, e causa no homem uma variante da doença chamada de Creutzfeldt-Jacob (THOMAZ, 2006; COSTA; BORGES, 2004).

Os príons não possuem material genético (DNA-RNA), multiplicam-se rapidamente e são capazes de converter, a partir de alterações estruturais, proteínas normais em substâncias perigosas. São responsáveis por doenças transmitidas hereditariamente, entretanto produzem doenças de formas esporádicas, em que não se detecta sua transmissão, tampouco sua hereditariedade, o que dificulta o diagnóstico. O príon pode estar presente em vários tipos de células, porém o agente infectante possui tropismos pelo tecido neural. Nas células dos demais tecidos dos organismos, a doença não se desenvolve, mas quando atinge o sistema nervoso torna-se patogênica (PRUSINER, 1995).

Existem vários tipos de encefalopatias, no entanto todas elas desenvolvem algumas características peculiares: um tempo de incubação prolongado (meses ou anos); uma doença progressiva, debilitante e sempre fatal, sendo que as alterações patológicas estão associadas ao sistema nervoso central (exclusivamente ao sistema nervoso); o agente infectante não induz uma resposta imune detectável; são transmissíveis, tanto naturalmente quanto experimentalmente; e ocorrem tanto em

humanos quanto em animais (THOMAZ, 2006; COSTA; BORGES, 2004).

O animal doente apresenta desordens no comportamento causado por alteração do sistema nervoso (apreensão, nervosismo, agressividade), dificuldade de locomoção e de se alimentar, não responde a nenhum tratamento com medicamentos e em três semanas morre. A doença acomete todas as espécies de bovinos, ocorrendo com mais frequência em gado de corte (THOMAZ, 2006).

Após vários estudos epidemiológicos, os pesquisadores chegaram à conclusão que a doença estava ligada ao uso de um produto nas rações: farinha de carne e osso (comprada para produzir ração na propriedade ou como constituinte das rações compradas prontas). Este alimento produzido a partir de bovinos, que devido algum problema não foi usado em alimentação humana, resulta de transformação industrial. Na Inglaterra, inicialmente, sem conhecimento técnico, os animais doentes de EEB, ao morrerem ou serem sacrificados, eram usados em ração, o que fazia com que a doença aumentasse sua incidência (DIEHL, 2010; THOMAZ, 2006). Não obstante, esta posição quanto à origem da doença não é consensual (COSTA; BORGES, 2004).

Não há evidências que a doença se transmita de bovino para bovino, ou seja, horizontalmente (APHIS, 2002). A doença pode ocorrer por meio de alimentos contaminados com tecidos bovinos. A contaminação denominada vertical (da vaca para o bezerro) é muito baixa (HORN et al, 2001), mas pode acontecer do príon sobreviver no solo por um período de três anos (BRUGÉRE-PICOUX, 1994). Por isso, cadáveres com sintomas da doença devem ser incinerados.

Recomenda-se a realização do diagnóstico diferencial de outras encefalomielites e intoxicações alimentares que acometem os bovinos e possuem um quadro de sinais clínicos semelhantes. Não existe teste para detectar a doença em animal vivo. Ela pode ser diagnosticada por exames microscópicos em tecido encefálico, por microscopia eletrônica ou ainda por métodos imunológicos (THOMAZ, 2006).

Quanto à profilaxia, a retirada de proteína de origem animal das rações de bovinos é a principal medida preventiva. Por outro lado, a OIE recomenda uma série de medidas para o controle da doença e classifica os países que apresentaram a EEB em: países com riscos da ocorrência da doença e países com baixos riscos de ocorrência da doença (BRASIL, 2004; THOMAZ, 2006).

A doença de Cretzfeldt-Jacob variante (vCDJ) é uma forma diferenciada da Doença de Creutzfeldt-Jacob, e ocorreu nos mesmos locais e nas mesmas épocas que a EEB. Não obstante, outros

indicadores fizeram com que os pesquisadores concluíssem que pessoas alimentadas com produtos de origem animal contaminado com o Príon da EEB desenvolvessem a vCDJ, sendo que o primeiro caso ocorreu em 1994 e existem 127 casos confirmados (WHO, 2000).

3.3: Sistema brasileiro de identificação e certificação de origem