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2.2.3 CONTEXTUALIZANDO A ARTE URBANA DE MACEIÓ

2.2 – REFERENCIAIS CULTURAIS E ARTÍSTICOS:

2.2.3 CONTEXTUALIZANDO A ARTE URBANA DE MACEIÓ

Hoje em dia, pode-se constatar que as mais significativas manifestações de arte urbana em termos de “contemporaneidade” estavam ou estão situadas nos centros hegemônicos de cultura, quase sempre metrópoles mundiais. O caso da cidade de Maceió é bem outro. Não existem grandes escalas a serem consideradas, a cidade não atrai nem produz “megaeventos”

34 A instalação, a performance e o grafite serão tratados na Seção 5.

35 Isto se deve também à atuação do curso superior em artes cênicas da UFAL.

36 Existe apenas a Pinacoteca Universitária da UFAL, inaugurada em 1981, e uma pequena galeria no SESC

Centro. A Pinacoteca passou alguns anos fechada e só foi reaberta em 1999, contando hoje com uma boa estrutura. A Galeria SESC não é especializada apenas em arte contemporânea.

culturais como bienais ou grandes salões de arte. Entretanto, consomem-se muitos produtos culturais exógenos, conecta-se com o mundo como qualquer capital regional, e, também, insere-se na tendência de realçar as especificidades locais para se lançar no mercado global. Refere-se aqui ao turismo, principalmente, como mola propulsora na busca da definição de uma imagem para a cidade, como, por exemplo, “Paraíso das águas”37. Complementando esta imagem, a arte local aparece mais fortemente em duas instâncias: folclore e artesanato. Não se põe aqui em dúvida a força das referidas manifestações para a cultura popular da cidade, mas acredita-se que estas não abarcam a amplitude da visualidade de Maceió, ou seja, de como os artistas interferem nela, de como as pessoas intervém no espaço onde habitam.

Constatando-se a presença de tendências artísticas mais contemporâneas em Maceió, como contextualizá-las diante do que ocorre em outras cidades? De uma metrópole como São Paulo, por exemplo - considerada o principal centro irradiador da cultura no País, que dispõe de museus e centros culturais importantíssimos, sede das Bienais, com artistas integrados em uma classe profissionalizada e um mercado de arte dinâmico, palco dos megaeventos denominados “Arte / Cidade”. Diante de um contexto privilegiado como este, o que muda em relação à arte urbana em Maceió? Parece, de imediato, haver aí uma questão de escala a ser considerada. Escala dimensional, mas também escala “sensível”. Supõe-se que, diante da quantidade de informações disponíveis e da hiper-saturação de imagens na grande metrópole, que cria um campo altamente competitivo de notabilidades, os artistas se esforcem para trabalhar com a expectativa de que a sua obra seja notada através de sua dimensão e/ou do estranhamento causado. Tudo parece acontecer numa escala que tende para monumental, para as experimentações mais ousadas e as pesquisas mais contemporâneas em termos de linguagens e meios.

A arte urbana de São Paulo, continuando a comparação, parece ser produzida, em sua maioria, por artistas que também freqüentam os espaços institucionais, que expõem em museus e galerias, ou artistas performáticos38 que também se apresentam em teatros e outros espaços de maior visibilidade. Consta que até parte dos grafiteiros estão organizados em

37 Termo utilizado pela Secretaria de turismo (ENTURMA) em peças publicitárias para divulgação da cidade

como destino turístico. Em pesquisa realizada em 2002 em tese de doutoramento, a profa. Emília Sarmento constatou que as mais fortes imagens veiculadas pela imprensa e experimentadas pela população estão relacionadas às praias e à lagoa Mundaú.

38 Refere-se, aqui, a artistas que desenvolvem “performances”, uma forma de expressão artística que alia artes

visuais e artes cênicas, originada dos happenings surgidos em Nova York a partir da década de 1960. Segundo Costa (2004), “o performer geralmente é um artista plástico e a performance pode se realizar por meio de gestos

associações e volta e meia também expõem seus trabalhos. A Prefeitura de São Paulo já chegou a delimitar espaços para a grafitagem39. Finalmente, a Avenida Paulista40 é palco constante das mais diversas experimentações artísticas, um espaço a ser apropriado continuamente. Diante da profusão de obras e experiências neste espaço, geralmente com grande divulgação pela mídia, tem-se a impressão de que quase tudo o que acontece lá parece ser encarado com certa “naturalidade” pelos paulistanos. Ou seja, a constante apropriação da avenida para experimentações artísticas parece já não causar tanto estranhamento. Como um dos principais “cartões-postais” de São Paulo, não surpreende que a Avenida Paulista seja um dos locais preferidos para divulgar a Cidade como referência artística contemporânea.

Admite-se que São Paulo, enquanto principal centro de referência para as artes nacionais, conta com uma intensa vida cultural que promove um efeito mobilizador, estimulando o desenvolvimento do mercado artístico local. Os eventos ligados à cultura são parte importante da economia da Cidade. Contam-se muitos investimentos nesta área, seja por parte do poder público ou do setor privado, geralmente com garantido retorno lucrativo. Ocorre sempre um intenso afluxo de visitantes aos principais eventos culturais, mas lucra-se principalmente com a imagem: em rede nacional, depara-se com informações acerca da importância e do teor de novidade dos acontecimentos da vida cultural paulistana. Por outro lado, ao se falar de cultura no resto do Brasil, à exceção de poucas cidades (como Rio de Janeiro e Belo Horizonte), a mídia nacional enfoca quase tão somente festas populares de cunho folclórico. Isto promove a errônea impressão que não existem manifestações artísticas contemporâneas nesses lugares, ou, até mesmo, que não existe vida cultural suficiente para se justificar levar exposições importantes para fora daquele circuito metropolitano capitaneado pelo eixo Rio - São Paulo. Como resultado desta situação, os investimentos na área de produção cultural tendem a se concentrar apenas nestas cidades centrais. Grande parte dos artistas nativos de cidades periféricas emigra então para as metrópoles, atraídos por esses “mercados”. Sem contar com as mesmas oportunidades, cada vez mais parece se intensificar a defasagem de gosto e de conhecimento do público das cidades que não tem acesso às principais manifestações da cultura contemporânea.

39 Um exemplo é o “Projeto Passagem da Consolação”, onde a Prefeitura da cidade cedeu o espaço do túnel que

liga a Avenida Paulista à Rua da Consolação para fins artísticos. Fonte: SILVA, 2001, p.5

40 Cristina Freire (1997) confirma essa vocação da Avenida Paulista:

“Se a Avenida Paulista é uma galeria privilegiada de obras de arte é porque se oferece como terreno propício para o olhar.” (p. 283); “A maioria dos artistas, que realiza obras para o espaço público, não raro, almeja que suas obras sejam colocadas na Avenida Paulista - fator de distinção para aqueles que pretendem que seus nomes sejam plenamente visíveis através de suas obras.” (p. 279)

Diante desse fenômeno, acredita-se não ser pertinente a adoção de parâmetros semelhantes para a análise da arte urbana em Maceió. Não se está aqui partindo do pressuposto de que tudo o que se faz em São Paulo é necessariamente mais significativo. Fala-se simplesmente da presença de uma estética que não deveria ser julgada tomando-se a arte de uma metrópole como parâmetro de valoração. Existe uma especificidade local que deve ser respeitada, uma diferença de escala sensível que solicita do pesquisador e do público um espírito aberto, desapegado dos paradigmas metropolitanos como padrões de referência. Acredita-se que cada cidade desenvolve uma forma diferente de arte urbana, ligada às suas próprias referências e realidade. É necessário, assim, que se observe cada cidade “falar” através de sua criatividade artística particular e dos seus meios específicos, para então traçar uma estrutura norteadora de pesquisa, como a que foi definida para se trabalhar a questão da arte urbana na cidade de Maceió.

Em Maceió pareceu ser preciso observar também a escala do detalhe para se perceber as manifestações artísticas, pelo menos para além do óbvio, do imediatamente perceptível. Para isto, foi necessário primeiramente redefinir o conceito de arte, agregando expressões artísticas que de alguma forma repercutem na vida urbana, mesmo que estas já não possam ser englobadas dentro das categorias da arte erudita. Ao conceituar “arte urbana” como o conjunto das formas de expressividade, comunicação e intervenção estética que se fazem fora de ambientes institucionais ou totalmente privados, não se deve, então, descartar nenhuma forma de arte, mesmo se tratando de um conjunto artístico aparentemente caótico. Talvez, só através da diversidade se consiga desvendar características específicas em termos de visualidade, imaginário e sociabilidade em Maceió. O método de investigação adotado para a análise das manifestações de arte urbana na cidade de Maceió foi então redefinido para que esteja de acordo com esta focalização do objeto de estudo.

Se a princípio tinha-se clara a intenção de inventariar e caracterizar uma arte urbana que em sua maioria poderia ser categorizada como “escultura pública” (figurativa ou abstrata), percebeu-se, através do olhar atento à cidade, que existiam manifestações que escapavam desta delimitação originalmente proposta. Uma opção possível seria concentrar-se em apenas um meio expressivo (como a escultura, por exemplo) para o desenvolvimento desta análise. A outra possibilidade, mais complexa, seria trabalhar a arte urbana em suas várias formas de manifestação (popular ou erudita, institucional ou espontânea). O posicionamento pela segunda opção, apesar de seus percalços, permitiu perceber a diversidade, a complexidade dos elementos através dos quais se expressa as manifestações artísticas de caráter público ou

comunitário: linguagens algumas vezes conflitantes que marcam a “epiderme” da cidade e que participam do imaginário de seus habitantes.

2.3 - A POLÍTICA CULTURAL DA CIDADE DE MACEIÓ: ALGUNS