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2.3 A POLÍTICA CULTURAL DA CIDADE DE MACEIÓ: ALGUNS PROJETOS E SUAS IMPLICAÇÕES

Uma das questões mais evidenciadas pela administração pública41, tanto estadual como municipal, vem sendo a necessidade de “reforçar a auto-estima do povo alagoano”42. Neste intento, várias iniciativas43 foram levadas a efeito com o enfoque na valorização do patrimônio cultural, dentre as quais se destacam a revitalização do bairro de Jaraguá, a restauração da casa do folclorista Théo Brandão com a sua transformação em museu etnográfico, “a casa do povo das Alagoas”, do prédio neoclássico da Associação Comercial, do Museu da Imagem e do Som, do Coreto da praia da Avenida, além da construção de um Centro de Convenções e da reurbanização das orlas marítima e lagunar. A transformação do espaço da cidade de Maceió através da implantação ou restauração de objetos de importância cultural é, portanto, visível. Deve-se questionar, todavia, se essas tentativas de incremento do “capital simbólico” têm contribuído efetivamente para o pretendido reforço da “auto-estima”.

Tome-se como exemplo o caso da revitalização do bairro portuário do Jaraguá. Nesse local, apesar de certo furor inicial, o processo de apropriação simbólica e efetiva pela população vem se mostrando ainda insipiente. O bairro não foi estimulado para o uso também residencial, e, apesar dos investimentos aplicados na reforma do espaço físico e da implantação de uma “agenda cultural” de eventos atrativos, os bares e restaurantes que haviam se instalado foram fechados por falta de público.

Antes dos investimentos aplicados na recuperação e no embelezamento do espaço físico, este bairro era ocupado por população de baixa renda44 habitando antigas moradias cortiços ou favela à beira-mar, por atividades ligadas ao porto, à pesca, comércio de materiais

41 Ano de 2005. Refere-se, aqui, às administrações de Ronaldo Lessa, como governador, e Kátia Born, como

prefeita.

42 Segundo depoimento da arquiteta Mirna Porto, coordenadora de desenvolvimento da Secretaria Municipal de

Planejamento e curadora do Corredor Cultural Vera Arruda, a esta pesquisadora, em 2005.

43 Todas as ações empreendidas baseiam-se na adoção de um modelo de cidade baseado no “Planejamento

estratégico urbano”, teoria que fundamenta a adoção de um conjunto de ações estratégicas com a pretensão de inserir as cidades no mercado global. Está presente a noção de “cidade-empresa”, mas seus críticos objetam que esta tende mais a “cidade-mercadoria”. O modelo de Barcelona foi o definidor das estratégias adotadas em Maceió, com a contratação inclusive de uma equipe de profissionais barceloneses para o desenvolvimento de um plano específico para esta cidade.

de construção e agrícolas, bancos, associações da agricultura, sem contar o meretrício, expulso da área desde a década de 70. Com os investimentos realizados com recursos de empréstimos externos, essas atividades foram em grande parte desalojadas e substituídas por outras, voltadas para o lazer noturno (bares, boates), para atividades culturais e para uma faculdade privada, permanecendo as atividades bancárias. Não obstante a excelente localização do bairro na cidade, durante várias décadas as antigas atividades, entre outros fatores, inibiram investimentos de empreendedores privados e públicos que atuam sobre o mercado imobiliário local. Isso contribuiu para preservar o acervo arquitetônico dos sobrados, palacetes e armazéns (trapiches) do século XIX e XX, época áurea das atividades marítimas de importação/exportação, quando o bairro era então a porta de entrada da cidade, o seu “waterfront”45. Esse acervo foi transformado em patrimônio histórico e incorporado nos planos de “revitalização” do bairro.

Como foi dito, essa iniciativa consistiu em modificar a composição dos seus usuários e consumidores, não sem ter também contribuído de fato para dotar a cidade de um espaço com qualidades de representação de parte importante de sua história. Esta talvez seja a função cultural do bairro, a de facultar à imaginação dos indivíduos um retorno no tempo e, simultaneamente, não sem problemas de interpretação, apresentar uma perspectiva de devir através das novas atividades lá instaladas. Estas são agora essencialmente urbanas, sem qualquer relação com as atividades portuárias que lhe deram origem nos primórdios do século XIX. De qualquer modo pode ocorrer um processo social de apropriação simbólica do “novo” bairro e a sua incorporação na imagem da cidade. Por enquanto, uma apropriação que se resume apenas às qualidades evocativas e paisagísticas presentes na composição física do seu casario e trapiches, pois, quanto à apropriação social propriamente dita, essa está ainda para ser efetivada através da fixação de atividades que atribuam ao bairro uma feição própria.

Nesse âmbito, vale citar duas iniciativas, ambas do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) Alagoas, que enfocaram o bairro de Jaraguá como local de implantação de suas ações. O primeiro é o programa “Arranjos produtivos locais (APL) Cultura”, iniciado em outubro de 2004, que tem por objetivo, segundo consulta ao site do SEBRAE, “Fortalecer o bairro do Jaraguá como Pólo irradiador de negócios com a cara

alagoana, aumentando a produtividade e sustentabilidade do setor cultural”46. O segundo foi o programa “Jaraguá Cultura e Negócios”47, que, segundo o mesmo site, objetivou “promover a cultura como oportunidade de negócios, valorizando raízes, artistas, promotores culturais e a história cultural do povo alagoano”. Este último foi realizado nos verões de 2001, 2002 e 2003, caracterizando-se mais como um calendário de eventos culturais, mas cuja intensidade movimentou efetivamente a vida cultural da cidade.

Fig. 25: Mapa turístico de Jaraguá (Fonte: APL, 2007)

Já o APL Cultura continua a atuar, empreendendo um conjunto de estratégias que visam incentivar o surgimento e a manutenção de equipamentos culturais no bairro. O programa declara como resultados esperados até dezembro de 2007: “1 - Aumentar o número

46 A coordenação do programa é do SEPLAN/AL e do SEBRAE. A justificativa da localização do APL em

Jaraguá, consultada no resumo do programa, é a seguinte: “Localização privilegiada; existência de

“equipamentos culturais”; vocação para “vitrine” da cultura alagoana; existência de projetos e iniciativas culturais; existência de patrimônio histórico e arquitetônico; bairro preservado pela Lei Municipal 4545 (Zonas Especiais de Preservação); revitalização do bairro já iniciada; marco do desenvolvimento do Estado de Alagoas e de Maceió como Capital; e vocação para o turismo cultural.” Como especialização produtiva, o

programa enumera as seguintes: “expressões artísticas (musica, teatro, artes plásticas, multilinguagem,

literatura, cinema/vídeo e dança), patrimônio histórico, arquitetônico e urbano; e lazer; apresentando um nível tecnológico e intelectual significativo; com alcance do mercado local, regional e internacional.”

de empreendimentos culturais e de lazer no bairro do Jaraguá; 2 - Aumentar o nº. de pessoas ocupadas nos empreendimentos culturais e de lazer no bairro do Jaraguá; 3 – Aumentar a Taxa de Ocupação, número de eventos culturais e o público freqüentador do Bairro de Jaraguá”. Entretanto, como se colocou inicialmente, essas iniciativas ainda não conseguiram alcançar resultados duradouros acerca da fixação de atividades culturais no bairro e, conseqüentemente, do estímulo à apropriação deste espaço pela população para além da presença em eventos culturais efêmeros.

Outra iniciativa pública de incentivo ao desenvolvimento da arte em Alagoas, mas de um âmbito menos urbanístico e localizado, deu-se sob a forma de uma premiação anual, o “Alagoas em Cena”48. Este “Programa estadual de fomento e incentivo à cultura”, como o mesmo é denominado, premiou, com valores distintos, obras nas seguintes categorias: audiovisual, literatura (conto, poesia e romance), artes cênicas (teatro e dança), artes plásticas (pintura e escultura), fotografia e música. A premiação é benéfica como incentivo, mas é sem dúvida insuficiente para um real fomento das artes em Alagoas. Nesse sentido, um acompanhamento em forma de “bolsas-projeto” talvez surtisse melhor efeito, em especial no domínio das artes visuais. Principalmente se, juntamente com tal bolsa, fosse oferecido um acompanhamento de críticos/ curadores como suporte ao processo. Tem-se conhecimento de propostas semelhantes49 que lograram bons resultados em termos de incentivo ao desenvolvimento da cena artística, principalmente em relação aos jovens artistas iniciantes.

Além das iniciativas públicas em parceria com o setor privado, contam-se também iniciativas individuais de implantação de projetos culturais com o objetivo de movimentar a cena artística local, mas de forma ainda muito pontual. O projeto “Corredor das Artes”50, por exemplo, consiste na realização de exposições periódicas de obras de artistas profissionais e amadores no espaço ao ar livre do Corredor Cultural Vera Arruda51. Tal projeto surgiu como alternativa a uma situação flagrante: em Maceió existe apenas uma galeria em funcionamento,

48 Programa implantado através da lei federal de incentivo à cultura, Ministério da Cultura. Contou, até agora,

com duas edições.

49 Um exemplo é o programa de bolsas da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife. Em Alagoas pode-se citar o

programa de bolsas de extensão “Iniciação Artística” da UFAL, cuja primeira edição foi implantada no início de 2007. As bolsas anuais também foram distribuídas para projetos selecionados por categoria, as mesmas citadas em relação ao Alagoas em Cena, à exceção da categoria audiovisual, substituída por produção cultural. Mas esta bolsa dirige-se apenas aos alunos desta universidade, não contemplando a sociedade como um todo.

50 Coordenação de Freddy Correia.

51 Grande praça situada no bairro de Jatiúca, dotada de equipamentos de lazer, parque de esculturas e painéis

a Karandash. De propriedade de dois artistas bastante atuantes, Maria Amélia Vieira e Dalton Costa, este espaço funciona há mais de vinte anos ininterruptos. Recentemente, diante da dificuldade da inserção mercadológica de obras de arte contemporânea, a galeria terminou por se especializar em arte popular. Assim, à parte as lojas de arquitetura e decoração, não existem espaços para a venda de obras de artistas contemporâneos em Alagoas. Nesse sentido o “Corredor das Artes” é uma iniciativa interessante, por usar o espaço público como espaço expositivo, uma “galeria” ao ar livre. O problema é que não existe seleção de trabalhos, muito menos linha curatorial. A exposição se torna assim mais como uma “festa” em meio a obras distribuídas de forma caótica, que, além disso, devem “concorrer” a atenção com as esculturas públicas e outros elementos já presentes no Corredor.

Finalmente, cita-se aqui, no contexto das iniciativas individuais, a promoção periódica de cursos e palestras de nomes atuantes na cena contemporânea brasileira pela dupla Ana Glafira e Tchelo de Barros, representantes da Câmara setorial de artes visuais de Alagoas. Além de premiações e exposições, a existência de cursos beneficia a discussão e o entendimento das questões atuais envolvendo o campo das artes, uma vez que não existem na cidade cursos superiores em artes visuais que possam promover uma formação artística profissional.

As iniciativas públicas e privadas citadas não consistem nos únicos projetos culturais existentes em Alagoas. Objetivou-se aqui abordar apenas alguns exemplos que oferecessem um panorama das políticas culturais que enfocam as artes visuais e sua interação com o espaço da cidade. A nosso ver, as políticas culturais do Estado ainda são incipientes para promover um efetivo fomento das artes locais, mas já constituem um avanço em relação a épocas anteriores. Espera-se, assim, que nos próximos anos haja um maior desenvolvimento da cena artística local como resultado das atuais iniciativas, além da implantação de outras políticas que possam melhorar ainda mais o quadro atual.

SEÇÃO 3 - ARTE URBANA “OFICIAL”:

ESCULTURAS PÚBLICAS

De todos os meios expressivos de que se vale a arte urbana, ao longo de toda a história, nenhum tem presença mais predominante na cidade do que a escultura. Devido a esta presença, antes de passar a tratar das esculturas presentes na cidade de Maceió, é preciso destacar as características que fazem deste meio expressivo a “arte pública” por excelência.

Quanto ao inventário das esculturas presentes no espaço público de Maceió, por se tratar do maior acervo de arte urbana da cidade, optou-se por abordá-lo por períodos. Esses períodos correspondem a um intervalo de tempo, que vai de 1861 (primeira escultura implantada em Maceió) a 2006 (momento atual). A subdivisão efetuada pretendeu acentuar a prevalência de determinadas características em termos de concepção, implantação e materiais utilizados em cada um desses períodos.

Não são todas as esculturas públicas da cidade que serão aqui abordadas textualmente. Do levantamento efetuado, optou-se por analisar apenas algumas, mais relevantes, ou que se destacam por algum motivo. Além disso, algumas obras serão tratadas apenas na quarta seção (“Memoriais e Corredor Cultural”). Conforme colocado anteriormente, estes espaços, apesar de habitualmente conterem esculturas, foram especialmente concebidos como espaços de memória, prevendo a inserção das obras e a evocação de fatos ou personagens históricos. Estas características distinguem esses espaços do caso da inserção de esculturas em espaços públicos comuns da cidade, tais como as praças. Como as duas seções (três e quatro) tratam da arte urbana “oficial”, elas são complementares. Evidencia-se, nas análises efetuadas, a ênfase no momento contemporâneo.

Apresentados como complemento às seções três e quatro, dois documentos integram esta seção: uma listagem das esculturas presentes em Maceió e dois mapas marcando os locais de implantação das mesmas. O levantamento foi organizado sob a forma de tabela. Nele buscou- se incluir todas as obras existentes em Maceió, especificando local de implantação, autoria e data. Algumas informações não foram possíveis de serem encontradas, sobre outras não existem fontes seguras que comprovem sua veracidade. Apesar das dificuldades encontradas, acredita-se que estes materiais são documentos importantes para a localização e visualização dos espaços referidos nas análises, além de outros desdobramentos possíveis, como levantamentos quantitativos de obras por bairro ou por categoria.