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CAMPINA ISTÓRIA

1. DO GESTO SIMBÓLICO DE FUNDAÇÃO AO ATO POLÍTICO DE MANUTENÇÃO

1.2. Biblioteca Pública Municipal de Campina Grande: primeiras páginas dessa história

1.2.4. A (des)continuidade dessa história

Os anos que se seguiram desde a fundação da biblioteca, em 1938, até os dias atuais, são de descontinuidade em diversos aspectos. Em primeiro lugar, descontinuidade de registros das principais decisões envolvendo a instituição e das fontes onde essas informações são registradas, o que nos leva a ter que recorrer a fontes distintas (como jornais, decretos, publicações no semanário oficial, etc.) para tentar diminuir a quantidade de lacunas a respeito dos fatos acerca deste espaço de leitura. Apenas para ilustrar essa descontinuidade, ao consultarmos duas décadas (1960 e 1970) de publicações do Semanário Oficial da Prefeitura de Campina Grande em busca de dados sobre a biblioteca, constatamos o quanto são raras as referências aos atos oficiais relacionados a essa instituição (em 1970, por exemplo, não há nenhum registro). Essa ausência nos incita à reflexão sobre a sua quase invisibilidade, uma vez que desconhecemos se o registro não ocorreu porque os governos vigentes não tomaram quaisquer decisões sobre a administração da biblioteca, ou se estas decisões não eram consideradas relevantes para serem publicadas como atos oficiais. Em qualquer um desses casos, a biblioteca estaria à margem da política local.

Em segundo lugar, descontinuidade das próprias decisões (as poucas de que se tem registro), envolvendo a biblioteca: é comum a existência, em documentos variados, de informações sobre mudanças de endereço, sobre períodos de fechamento para a realização de reformas ou por outros motivos, sobre alterações no nome e até mesmo

sobre a “criação” de uma biblioteca pública municipal em datas posteriores a 1938. Então, se, por um lado, as lacunas são muitas, por outro os registros encontrados, ainda que escassos e temporalmente irregulares, revelam uma história cheia de incertezas e luta constante para que a biblioteca se mantenha em funcionamento.

Ao longo dos anos, a Biblioteca Pública Municipal de Campina Grande foi instalada em diferentes locais. Como vimos, no seu primeiro ano, funcionou no mesmo prédio do jornal A Voz da Borborema, à R. Afonso Campos. Mas, segundo relatório elaborado em 2004 pela então diretora, Rosineide Régis Alves, ela passou pelos seguintes locais: prédio da Faculdade de Administração (1955), localizada na Rua Getúlio Vargas, onde atualmente funcionam instalações da Casa Brasil/UEPB; porão do Teatro Municipal Severino Cabral (1979-1982); Centro Cultural (1983-1995); prédio do antigo Cinema II (1996-2003), atual Câmara de Vereadores, situada na Av. Santa Clara; e, por fim, no Prédio Anézio Leão, (a partir de julho de 2004 até os dias atuais), na Rua Maciel Pinheiro. Esse prédio que serve de sede para a biblioteca foi inaugurado em 1942 e já foi sede da prefeitura municipal e da câmara dos vereadores (ver Anexo F). : Neste último caso, houve uma permuta: a Câmara foi transferida para o antigo Cinema II, onde a biblioteca funcionava, e esta veio para o prédio da Câmara, bem no centro comercial da cidade. Neste endereço, funcionou até julho/2012, quando foi mais uma vez transferida para que o prédio passasse por uma reforma. Durante esse período, ela funcionou em uma sala do Centro Cultural e, posteriormente, numa sala do antigo Museu de Arte Assis Chateaubriand, onde hoje funciona a Secretaria de Cultura.

Tantas mudanças para instalações em prédios improvisados e inadequados para receber uma biblioteca (como o porão do Teatro Municipal Severino Cabral, por exemplo), sem dúvida, interferiram na qualidade dos serviços prestados e atuaram como fator de deterioração da instituição, não apenas quanto à sua imagem perante a população, como também de seu patrimônio e, neste, principalmente do seu acervo. Como se sabe, as mudanças de instalações das bibliotecas são recorrentes na história dessas instituições no país e é comum a perda de parte do acervo no processo de mudança (seja por danos aos livros ou pelo desconhecimento da localização final dos volumes transportados). Conforme já mencionado anteriormente, assim como ocorreu com outras bibliotecas brasileiras, a Biblioteca Pública Municipal de Campina Grande nunca contou com prédio próprio, projetado para recebê-la. Em 1955, o prefeito Plínio Lemos assinou um decreto que visava à construção de um prédio para abrigar as

instituições culturais mantidas pelo município, como se pode verificar na Figura 9, abaixo:

Figura 9 – Decreto Municipal, determinando a construção de prédio para instalar instituições culturais (1955)

Contudo, não encontramos indícios de que esse prédio tenha sido construído e, principalmente, que a biblioteca tenha sido, em algum momento, instalada em um complexo cultural dessa natureza. No entanto, localizamos nos arquivos da Câmara Municipal, o seguinte projeto de lei, datado de 1957 (dois anos depois):

Figura 10 – Projeto de lei visando à construção de prédio para instalar a biblioteca (1957)

Esse documento autoriza a abertura de crédito para a construção de um prédio com finalidade semelhante e especifica o local onde esse prédio seria construído, mas também informa que a biblioteca seria instalada nesse local junto a outras instituições que não tinham caráter cultural. Tal documento atesta, portanto, que a biblioteca seguia sem sede própria, dois anos após a assinatura do decreto pelo prefeito Plínio Lemos, que previa a construção de um prédio exclusivo para as instituições culturais do município.

A localização se constituiu ao longo do tempo um problema sério para o funcionamento da biblioteca. Desde os anos 1980 até hoje, a biblioteca já se mudou para três diferentes locais, conforme mencionado anteriormente. Como se vê, há certa instabilidade no funcionamento da instituição, devido às mudanças constantes de endereço. Sem dúvida, isso interfere na frequência dos leitores, tendo em vista que a localização é um fator importante para que o público conheça o espaço e decida visitá- lo.

A descontinuidade a que nos referimos anteriormente também pode ser percebida nos momentos em que esta instituição precisou ser fechada para reforma, ou reorganizada, como atestam alguns documentos, a exemplo do projeto de lei no. 86, de 1948, exposto a seguir:

FIGURA 11 – Projeto de lei, visando à reorganização da biblioteca (1948)

Fonte: Acervo da Biblioteca Pública Municipal de Campina Grande (documentos reunidos pela diretora Rosineide Régis Alves)

Outros registros podem ser encontrados em notícias publicadas no Jornal Evolução, de 1958, e no Semanário Oficial, de 1964. Na primeira notícia, lê-se o seguite:

Fechada a Biblioteca Municipal

Encontra-se fechada, há alguns meses, a Biblioteca Pública Municipal, sob pretexto de reforma interna. Segundo informações colhidas, somente no próximo ano é que será reaberta ao público. Fazendo eco às reclamações recebidas, apelamos para o Diretor de Educação do Município no sentido de providenciar logo uma solução para o assunto, restaurando aquêle importante setor da administração municipal, de vez que o pequeno número de livros de seu patrimônio não justifica, de maneira nenhuma, o seu fechamento por tempo indeterminado, a pretexto de reformas. (Jornal Evolução, 07 a 14/10/1958, p. 8)

Não temos informações precisas sobre o local onde a biblioteca funcionava no ano de 1958, mas, como sabemos, houve um período posterior ao ano de 1955 em que ela funcionou no prédio da Faculdade de Administração; então, é provável que em 1958 ela estivesse instalada nesse mesmo local, de onde foi transferida para o porão do Teatro Municipal anos depois (1979). É possível observar nessa notícia a referência ao pequeno número de livros do acervo, fazendo supor que esta seria a justificativa para que a biblioteca fosse fechada para reforma por tempo indeterminado, sem maiores prejuízos à população; ou seja, o redator insinua que o fechamento ocorreu “sob o pretexto de reforma interna”, mas que se prolonga porque o governo municipal acredita que esta instituição não faria falta aos cidadãos, tendo em vista que seu acervo era bastante limitado e provavelmente a instituição já não exercia a contento o seu papel.

Outro momento de fechamento/reabertura é mencionado em publicação do

Semanário Oficial, de junho de 1964:

Biblioteca “Félix Araújo” será reaberta ao público

Dentro de poucos dias será reaberta ao público a Biblioteca Municipal Félix Araújo, que se encontrava fechada há algumas semanas para reparos indispensáveis.

Todas as suas mesas de leitura foram remodeladas na marcenaria do município e a sala principal foi repintada de modo a tornar mais agradável o ambiente aos que a freqüentam.

A Secretaria de Educação e Cultura está empenhada em criar mais um turno de funcionamento da Biblioteca Municipal à noite, de 19h às 22 horas, para facilitar sua freqüência aos que trabalham ou estudam durante o dia.

Ainda no intuito de melhor atender ao serviço mais eficiente da Biblioteca, o prefeito João Jeronimo da Costa acaba de autorizar a designação da funcionária Fleuriza Andrade para diretora da casa, o que certamente será recebido como um ato de justiça diante dos relevantes serviços e dedicação daquela servidora do Município na Biblioteca Félix Araújo.

A próxima meta da Secretaria de Educação em relação à biblioteca será a ampliação de seus livros. Aliás o livreiro José Pedrosa há algum tempo pretende iniciar, em acordo com a Secretaria, uma campanha de aquisição de livros para a Biblioteca Municipal através de doações de amigos de Campina Grande e amigos da juventude estudiosa de nossa cidade. (Semanário Oficial, 06/06/1964)

Como vimos, as reformas estruturais, na parte física da biblioteca, vez por outra eram alvo de investimento do governo municipal; contudo, a biblioteca ainda permanecia sem um prédio próprio, o que fazia com que essas reformas fossem sempre destinadas a pequenos reparos (como remodelamento de cadeiras e pinturas das paredes), e não chegassem a atingir o acervo através da aquisição regular de livros. Esse interesse é mencionado ao final da notícia do Semanário, mas note-se que, embora seja

mencionado o interesse na aquisição de livros, a ênfase maior recai sobre a iniciativa do livreiro José Pedrosa em iniciar campanha para doação. Não é uma realidade muito diferente do que constatamos atualmente, quando a biblioteca encontra-se fechada desde julho/2012, para reforma total no Edifício Anésio Leão, mas cujas obras só começaram de fato em agosto/2013.

Além dos fechamentos, reaberturas, reorganizações, mudanças de endereço e recriações, há ainda as mudanças de nome: ela foi fundada como Biblioteca Pública Municipal, mas ao longo do tempo foi tendo seu nome alterado, conforme o interesse de cada administração. Como é possível observar nos documentos já citados até aqui, ela recebeu o nome de Biblioteca Municipal Félix Araújo (provavelmente como parte das homenagens póstumas a este homem público, que foi assassinado em 1953), mas passa a se chamar, Virginius da Gama e Melo em 1975, como comprova o decreto abaixo (ver Figura 12), assinado pelo prefeito Evaldo Cruz. Segundo informações obtidas através de funcionárias da biblioteca, ao reorganizar esta instituição e instalá-la no prédio do Cinema II, em 1996, o então prefeito Félix Araújo Filho retomou o nome que homenageava seu pai, Félix de Souza Araújo, nome que permanece até os dias atuais. Devido a essas diferentes fases, com nomes diferentes, optamos sempre por nos referirmos a esta instituição nesta pesquisa como Biblioteca Pública Municipal de Campina Grande.

FIGURA 12 – Lei que atribui novo nome à Biblioteca (1975)

Fonte: Acervo da Biblioteca Pública Municipal de Campina Grande (documentos reunidos pela diretora Rosineide Régis Alves)

Um dado que chama a atenção na Figura 13, a seguir, é a referência ao fato de que o acervo da Biblioteca Pública Municipal tenha sido incorporado à FURNE. Essa incorporação se configurou como um momento de ostracismo daquela biblioteca, a tal ponto de ser necessária uma lei “criando-a” novamente, a fim de dar existência jurídica a ela. Ou seja, é como se a biblioteca, naquele momento, tivesse deixado de existir oficialmente. Essa Mensagem é prontamente atendida pelo prefeito Enivaldo Ribeiro, que, em 05 de maio de 1982, assina a Lei No. 836/82, criando novamente a Biblioteca Pública Municipal de Campina Grande (ver Anexo A).

FIGURA 13 – Mensagem à Câmara de Vereadores, apresentando o projeto de criação da Biblioteca Pública Municipal

Fonte: Acervo da Biblioteca Pública Municipal de Campina Grande (documentos reunidos pela diretora Rosineide Régis Alves)

É importante retomar todos esses fatos porque eles revelam a integração da biblioteca na vida cultural do município: tamanhas descontinuidade e instabilidade apontam para o descompasso entre o gesto simbólico de sua fundação e o ato político de manutenção: assim como ocorreu na história de outras bibliotecas brasileiras, essas duas decisões nem sempre são correspondentes. Enquanto a fundação é sempre festejada e

seu caráter simbólico de desenvolvimento cultural é celebrado, o entusiasmo inicial tende a não se converter em investimento dos governos para que a instituição atinja seus objetivos a contento.

Assim, vemos as bibliotecas (incluindo aí a Biblioteca em estudo) se transformarem, em alguns casos, de promissoras instituições culturais e educativas, em depósitos inúteis de livros “velhos e empoeirados”, espaços nos quais o cidadão não se sente convidado a entrar e com o qual não conta para a sua formação. Na própria história destes espaços, vemos, portanto, fases em que a visão depreciativa e a idealizada se alternam e por vezes se mesclam, numa luta constante das bibliotecas para sobreviverem, a despeito das decisões (ou da falta delas) a seu respeito. Não é de estranhar, portanto, a quase invisibilidade da biblioteca como instituição cultural na cidade, o que se mostra, por exemplo, na ausência desta no livro Paraíba – Memória

Cultural, de Pereira (2011), sobre o patrimônio histórico paraibano desde o início da história da Paraíba, no século XVI, até os dias atuais. Embora o livro seja bastante amplo e recupere informações de diversas áreas da cultura paraibana, a Biblioteca Pública Municipal de Campina Grande sequer é mencionada. Sem dúvida, essa ausência é bastante representativa do status desse espaço de leitura no contexto cultural do Estado e do município.