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Encontro com a leitura e o desejo de ler: primeiras referências

NICIPAL DE HISTÓRIAS

AUTORES QUANTIDADE DE EMPRÉSTIMOS Clarice Lispector

4. HISTÓRIAS, PRÁTICAS E DISCURSOS DOS LEITORES DA BPMCG: QUANDO O DESEJO DE LER ENCONTRA O SEU LUGAR

4.1. Encontro com a leitura e o desejo de ler: primeiras referências

Uma condição ideal para compreender como se dá o encontro do leitor com a biblioteca seria aquela na qual conseguíssemos responder primeiramente às perguntas: onde e quando nasce o desejo de ler? Como e por que o indivíduo se torna leitor?

Ao mesmo tempo em que se podem formular muitas hipóteses e atribuir a vários fatores a adesão a essa prática, não há uma resposta definitiva e única. Em primeiro lugar, porque a leitura, enquanto bem simbólico (BOURDIEU, 1989) e por isso imaterial, não é passível de apreensão e delimitação precisas – o máximo permitido nessa questão é a identificação de fatores favoráveis ou desfavoráveis para a construção de uma prática leitora em determinado tempo e espaço. Em segundo lugar, supondo que tais fatores e/ou condições sejam identificados, eles podem responder a apenas uma fase da vida do leitor, pois o desejo de ler, se não tem sempre lugar, quando tem, não se mantém da mesma forma e pelas mesmas razões ao longo da vida. Dessa maneira, é inviável o estabelecimento de uma relação de causa e efeito, resumida em afirmações como: lê porque seus pais liam; lê porque tinha acesso fácil aos livros; lê porque a escola o incentivou. Cada uma dessas razões (assim como sua equivalente negativa – o “não lê, porque...”), como tantas outras que poderiam ser apontadas, é parcial e pode funcionar para explicar o desejo de ler de alguns leitores (mas não todos), em determinada fase de suas vidas, mas não sempre, porque essas razões mudam.

Sendo assim, o que podemos fazer, nos limites desta pesquisa, é tentar descobrir, na história de leitura dos entrevistados, algumas das condições que os transformaram em leitores e os guiaram, em um determinado momento de suas vidas, a buscar a BPMCG. Diante da evidente dificuldade em se encontrar registros mais imparciais sobre as práticas desses leitores, resta buscar pistas nas suas próprias palavras ao falarem a respeito de suas práticas.

Solicitar ao leitor que suspenda tempo e espaço e paralise algo – a leitura – que em essência é movimento, é quase o mesmo que esperar dele a habilidade de ler as ondas do mar, como tenta o Palomar de Ítalo Calvino61, explicando o fluxo contínuo de

61 “Mas isolar uma onda, separando-a da onda que imediatamente se lhe segue e que parece empurrá-la, e

que por vezes a alcança e a arrasta consigo, é muito difícil; assim como separá-la da onda que a precede e que parece arrastá-la atrás de si em direcção à costa, salvo quando depois, eventualmente, se volta contra ela, como que para a deter. [...] Em resumo, não se pode observar uma onda sem ter em conta os aspectos complexos que concorrem para a sua formação e aqueles outros, igualmente complexos, a que essa mesma onda dá lugar. Estes aspectos variam continuamente, pelo que uma onda é sempre diferente de uma outra onda; mas também é verdade que cada onda é igual a uma outra onda, mesmo que não seja

algo que por natureza não tem começo nem fim delimitados. É a tentativa de que ele possa flagrar-se lendo, numa atitude que Barthes (2012) associou ao gesto de levantar a cabeça enquanto lê:

É essa leitura, ao mesmo tempo irrespeitosa, pois que corta o texto, e apaixonada, pois que a ele volta e dele se nutre, que tentei escrever. Para escrevê-la, para que minha leitura se torne por sua vez objeto de uma nova leitura [...], tive evidentemente de sistematizar todos esses momentos em que a gente ‘levanta a cabeça’. Em outras palavras, interrogar minha própria leitura é tentar captar a forma de todas as leituras (a forma: único lugar da ciência), ou ainda: suscitar uma teoria da leitura. (BARTHES, 2012, p. 26. Grifo do autor)

Essa captura da “forma”, como propõe o autor, só é possível porque há regularidades, ou, como afirma Palomar sobre a onda, “existem formas e sequências que se repetem, ainda que irregularmente distribuídas no espaço e no tempo” (CALVINO, 1987, p. 12). Assim, a descrição das práticas de cada leitor, bem como de sua história de leitura, é um evento particular, mas que ao mesmo tempo mantém relação com o que se registra de outros leitores.

Feitas essas ressalvas, podemos agora confrontar os dados às perguntas citadas: como e onde se iniciou o desejo de ler desses leitores da BPMCG? Quando, como e por que se tornaram leitores e, mais especificamente, leitores dessa instituição?

Entre os 06 (seis) leitores entrevistados, 03 (três) estão inseridos na categoria dos

estudantes e 02 (dois) na de não estudantes, conforme divisão proposta no capítulo anterior. O sexto leitor (L-133), embora tenha se declarado estudante no momento do empréstimo, se intitulou um autodidata durante a entrevista e assim tomamos conhecimento de que ele não atende exatamente ao perfil definido para essa categoria dos estudantes, pois na verdade não apresenta vínculo com instituições de ensino formal (como os demais leitores que compõem a categoria). Essa característica específica desse leitor será discutida posteriormente. Todos os leitores entrevistados tiveram seus empréstimos analisados no capítulo anterior e, sempre que necessário, os dados serão retomados aqui e confrontados com suas declarações.

Quando perguntados sobre seus primeiros contatos com a leitura, 04 (quatro) entre os 06 (seis) leitores revelaram que esse contato aconteceu em alguns casos antes de sua entrada na escola e que foi importante o estímulo de pessoas mais velhas para ler, seja aquela que lhe é imediatamente contígua ou sucessiva; em resumo, existem formas e sequências que se repetem, ainda que irregularmente distribuídas no espaço e no tempo.” (CALVINO, 1987, p. 11-12)

porque esses atuaram como facilitadores no acesso a materiais de leitura ou simplesmente através do exemplo, isto é, os leitores viam algum de seus familiares lendo e essa prática cotidiana serviu de estímulo nesse momento inicial. É o caso, por exemplo, de L-195, que afirma: “bom a primeira lembrança que eu tenho:: em relação à leitura é:: foi através da minha irmã... minha irmã mais velha... [...] e ela costumava ler... costumava ler assim antes de dormir e eu pequenininho... eu... prestei atenção a esse hábito dela e:: achei interessante e comecei a a seguir [...]” (ver Anexo I62).

Para esse leitor, a irmã foi determinante, inclusive, na escolha dessas primeiras leituras:

L-195: [...] se ela tivesse uns dezoito anos por aí eu tinha oito e é essa a

lembrança que eu tenho... lembro inclusive dos livros que é::: os autores