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Atualmente, as pessoas são repetidamente incentivadas a produzir e resgatar memórias, levando a uma exposição de fatos e atos pretéritos que surgem de maneira descontextualizada, acarretando consequências no tempo presente dos indivíduos relacionados com aquela informação (CONSALTER, 2017, p. 170/173).

Neste contexto, justifica-se o estudo e desenvolvimento do direito ao esquecimento. Para tanto, conforme visto, deve-se levar em consideração duas variáveis essenciais, o tempo e a memória. Explicam, Sarlet e Ferreira Neto (2019, p. 36) que para o estudo deste instituto importantíssimo o “aspecto psíquico do transcurso do tempo”, especialmente no que concerne ao seu impacto na memória dos indivíduos, seja individualmente seja na coletividade, pela lembrança no presente de fatos passados.

Mais ainda, esclarecem os autores (2019, p. 37) que “a memória é a faculdade que conserva e reproduz, na atualidade, as formas sentidas no passado, impondo à consciência do sujeito sejam novamente conhecidos os objetos que apresentaram tais formas no passado.”.

Ou seja, através do transcurso do tempo deixamos no passado fatos e atos que através da memória, serão relembrados em um momento presente, causando novamente um impacto. Contudo, retomando as transformações sentidas pelos avanços tecnológicos dentre as quais a possibilidade de uma informação sem lembrada pela eternidade (LIMA, 2013), as pessoas reviveriam fatos do seu passado infinitamente. Eis aqui o a justificativa para o desenvolvimento e estudo do direito ao esquecimento.

Conforme explica Bezerra Júnior (2018, p. 69) o direito ao esquecimento tem como objetivo impedir que dados sejam revividos na atualidade de maneira descontextualizada. Assim, conceitua Pinheiro (2016, p. 37/38) o instituto

O direito ao esquecimento deve ser compreendido como o direito de não ter relembrado, em uma comunicação atual ou mesmo em uma informação pretérita (acessível por intermédio da internet), um fato do passado, ainda que reputado como verdadeiro e tornado público, à época, de forma lícita, em função da perturbação causada à vida presente da(s) pessoa(s) afetada(s) pela comunicação.

Portanto, o objetivo da construção do direito ao esquecimento é impedir que o indivíduo seja atingido negativamente pelo fato do passado relembrado no presente (PINHEIRO, 2016, p. 38).

Inúmeros são os motivos que podem levar as pessoas as optarem por não lembrar de alguma passagem de sua vida, seja porque acreditam não haver mais pertinência na informação, ou porque o fato em questão lhes traga dor, vexame, lhes exponha fraquezas, ou até mesmo, porque já não condizem as informações pretéritas com a sua atual forma de ser (CONSALTER, 2017, p. 174). Não há que se explorar a motivação, em verdade, cabe verificar que se trata de “direito subjetivo de reagir contra a injustificada utilização de fatos pretéritos, desprovidos de interesse público ou relevância social, com aptidão para malferir, de forma relevante direitos da personalidade” (BEZERRA JÚNIOR, 2018, p.74).

Assim, trata-se, não de um processo de esquecimento, tendo em vista que ninguém pode ser obrigado a esquecer, mas sim, de não obrigar alguém a lembrar permanentemente de seu passado em razão das novas tecnologias (SARLET; FERREIRA NETO, 2019, p. 65).

Apesar da referência às novas tecnologias, não se pode confundir com limitação do direito ao esquecimento à internet. Em sentido amplo, compreende-se o controle informativo a ser realizado nas mais variadas mídias de transmissão e armazenamento de dados, como

mídias impressas, televisão e rádio (SARLET; FERREIRA NETO, 2019, p. 67). Além disso, ao se falar do direito ao esquecimento a doutrina não realizou uma distinção sobre a quais veículos de comunicação este poderia ser aplicado, pois o desejo de ser não ser rememorado é mesmo independente de qual mídia se trate (PINHEIRO, 2016, p. 63).

Autores como Rolf. H. Weber, defendem que haveria inclusive uma diferenciação terminológica entre os termos “right to foget” e “right to be forgotten”8, contudo, conforme

explica Pinheiro (2016, p. 71) no Brasil tal diferenciação não tem sido adotada pela doutrina brasileira, que se atém apenas ao elemento do transcurso do tempo como essencial, inclusive para que se possa realizar o controle de dados pessoais sob a égide do direito ao esquecimento.

Neste sentido, aponta Bezerra Júnior (2018, p. 74) que o exercício do controle de dados ocorre através da análise do critério temporal de utilidade, ou seja, uma vez que não mais se justifica a sua coleta, armazenamento ou que não se tenha mais consentimento do titular das informações pessoais, poderia este pedir que fossem apagados. Neste sentido Sarlet e Ferreira Neto (2019, p. 67)

[...] o direito ao ‘esquecimento’ mantém próxima relação com a pretensão individual de controlar o manuseio e a transmissão de informações pessoais passadas e que sejam, ainda hoje, acessíveis pelos demais membros da sociedade, buscando, com isso, garantir que cada indivíduo possa preservar elementos importantes de sua identidade contra os efeitos danosos de fatos pretéritos, permitindo que ele próprio direcione a construção da sua personalidade futura.

Ainda, que a pretensão de não ser lembrado seja comum as diversas mídias, não se pode ignorar que, além das características gerais, o instituto do direito ao esquecimento tem algumas peculiaridades quando se trata da internet. Mas conforme explica Pinheiro (2016, p. 71) que o tempo é essencial ao direito ao esquecimento, portanto, mesmo ao falar sobre internet, não se pode ignorar esta variável.

Ocorre que ao tratar-se sobre o direito ao esquecimento no âmbito da esfera digital, são apresentados dois conceitos que devem ser trabalhados, sendo eles a desindexação e o

apagamento. Conforme esclarece Pinheiro (2016, p. 74) ambos são “estratégias indicadas

para se tentar garantir o direito ao esquecimento”.

8 Pinheiro (2016, p. 69) explica que para Rolf H. Weber o termo “right to forget” a fatos históricos que não mais

se quer recordar pelo decurso do tempo, enquanto a expressão “right to be forgotten” vincula-se a ideia de um controle dos dados pessoais do indivíduo que estão na internet.

Define a autora (2016, p. 74) que o direito a desindexação se direciona aos motores de busca e consiste na “supressão da indicação de links do resultado da pesquisa do provedor”, sendo que não se apaga a informação da internet, esta apenas deixa de ser exibida na pesquisa que se realiza. Por outro lado, o direito ao apagamento é direcionado a quem é o autor da informação, ou a veicula, buscando “excluir/apagar/deletar informações disponíveis na internet e não apenas impedir que o provedor de pesquisa as indique” (PINHEIRO, 2016, p. 79).

Independentemente se o que se busca é apagar, ou apenas filtrar uma pesquisa, ao relacionar-se com o direito ao esquecimento, não se pode abandonar o elemento tempo. Justificam-se essas ferramentas através da ação do tempo na memória dos indivíduos e com a informação que não se quer lembrar.

Vislumbra-se aqui, uma relação do direito ao esquecimento com os direitos da personalidade, vez que ao tratar da possibilidade de controle dos dados pessoais na internet, remete-se ao primeiro capítulo deste trabalho, onde se versou sobre o aspecto positivo do direito à privacidade. Não importa neste momento adentrar a discussão sobre a qual a exata relação entre eles, contudo, não se pode ignorar que há esta relação. Assim, deve-se abordar aonde se insere no ordenamento jurídico brasileiro este instituto.

O direito ao esquecimento não se encontra expresso nas leis brasileiras, porém, a dimensão de um direito fundamental não se dá apenas através da sua positivação jurídica (SARLET; FERREIRA NETO, 2019, p. 29). Explicam os autores (2019, p. 29)

Na verdade, a noção de um direito fundamental ilustra a necessidade jurídica de proteção e promoção de determinados fins objetivos que ilustram aspectos essenciais do ser humano, individualmente considerado e/ou socialmente integrado, sendo evidente que, sem tais proteções e concessões jurídicas, ninguém estará capacitado a desenvolver as instâncias mais relevantes de uma vida humana minimamente ordenada.

Portanto, o reconhecimento do direito ao esquecimento como um direito fundamental não deve partir da sua positivação, mas sim, do imperativo de dignidade, deve estar na proteção do desenvolvimento da pessoa, na garantia de liberdade para o indivíduo decidir o seu projeto de vida (BEZERRA JÚNIOR, 2018, p. 71/72).

Sarlet e Ferreira Neto (2019, p. 49) ainda colocam que esquecer é inerente a condição humana, consistindo em uma necessidade básica do ponto de vista neurológico e psíquico, ou seja, para que se garanta uma vida saudável e possibilite uma integração social do indivíduo, é preciso garantir que este possa “esquecer”, eis a sua posição como direito fundamental.

Neste mesmo sentido, importante mencionar o Enunciado nº 531 elaborado na VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, o qual traz que “A tutela da pessoa humana na sociedade de informação inclui o direito ao esquecimento”.

Bezerra Júnior (2018, p. 72) explica que a proteção do desenvolvimento da personalidade, com base na proteção da dignidade e liberdade de escolha, sendo que esse âmbito de proteção contaria com a dimensão da formação livre da personalidade e a proteção da liberdade de ação, na qual se insere a autodeterminação decisória, ou seja retoma-se aqui a ideia do indivíduo ter a liberdade de escolher o seu projeto de vida.

Neste ponto, necessário relacionar o instituto estudado com a legislação infraconstitucional. Conforme a justificativa do Enunciado nº 531 das Jornada de Direito Civil

Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.

O direito penal, conta com previsão legal que dá suporte ao instituto do direito ao esquecimento, estando nos artigos 63 e 64, inciso I, do Código Penal e o art. 748 do Código de Processo Penal, tratando sobre o instituto da reincidência (FRAJHOF, 2019, p. 115).

O direito consumerista traz o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8. 078/90), onde se encontra o art. 43 que estabelece critérios para abertura de cadastros e para a manutenção das informações neles contidas (BRANCO, 2017, P. 147).

Ainda, a Lei do Cadastro Positivo (Lei 12.414/11) no art. 4º, que deve ser lido em conjunto com a Súmula 550 do STJ, assegura ao consumidor o direito de esclarecimento sobre seus dados e os critérios utilizados para atribuição de pontuação no sistema (SARLET; FERREIRA NETO, 2019, p. 133-134).

A doutrina majoritária, no direito civil, tem tratado o direito ao esquecimento como uma face do direito à privacidade, relacionada a autodeterminação informativa (FRAHHOF, 2019, p. 115).

Outrossim, de maneira mais ampla, Sarlet e Ferreira Neto (2019, p. 135) apontam como fundamento para o direito ao esquecimento dispositivos do capítulo dos direitos da personalidade no Código Civil (artigos 11 e 12, bem como artigos 16 a 21).

A legislação esparsa é de importância central na fundamentação do instituto estudado, contando com a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), principalmente nos arts. 31 e 34; o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014); e a recém aprovada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais brasileira (Lei 13.709/2018)

Apesar de não estar expressamente previsto no ordenamento jurídico brasileiro, o direito ao esquecimento pode ser extraído da interpretação sistemática desses dispositivos legais, de modo se reconheça na ordem jurídica brasileira (SARLET; FERREIRA NETO, 2019, p. 144).

Conclui-se, portanto, que o direito ao esquecimento está presente no ordenamento jurídico brasileiro, independente de previsão expressa, sendo fundamentado pelas leis infraconstitucionais. Porém, não se pode ignorar sua status jurídico de direito fundamental ínsito ao imperativo da dignidade garantido constitucionalmente.

Contudo, há que se observar que não se trata de direito absoluto e que por diversas vezes entrará em conflito com outros direitos garantidos constitucionalmente, e, portanto, sofrerá limitação. Como possíveis conflitos, portanto, fatores limitantes, do direito ao esquecimento, podem-se elencar o interesse público, a liberdade de expressão e o direito á memória.

O Brasil, após a décadas de ditadura, preocupou-se na Constituição de 1988 em garantir a liberdade de expressão, de pensamento, de comunicação e de imprensa, construindo com a Carta Magna “documento simbólico de blindagem de um sistema de garantias”, não deixando qualquer dúvida acerca da importância das liberdades para o regime democrático e a promoção da dignidade humana (BEZERRA JÚNIOR, 2018, p. 123).

De mesmo modo, também se verifica a preocupação do constituinte em garantir os direitos individuais, por meio da enumeração de direitos especiais, tutelando a personalidade (BEZERRA JÚNIOR, 2018, p. 123-124).

Importante observação deve-se fazer, no sentido de que, a Constituição Federal traz proibição categórica à censura9, o que motiva autores como Sarlet e Ferreira Neto (2019, p.

77) a afirmar que as liberdades de expressão, de pensamento e de imprensa, receberam preferência. Bezerra Júnior (2018, p. 124), por sua vez, entende que pela previsão de ambas

9 “Censura é forma de controle da informação: alguém, não o autor do pensamento e do que quer se expressar,

impede a produção, a circulação ou a divulgação do pensamento ou, se obra artística, do sentimento. Controla-se a palavra ou a forma de expressão do outro. Pode-se afirmar que se controla o outro. Alguém – o censor – faz-se senhor não apenas da expressão do pensamento ou do sentimento de alguém, mas também – o que é mais – controla o acervo de informação que se pode passar a outros.” (STF, 2001).

garantias, seja de liberdade seja de proteção a personalidade, não teriam qualquer relação de superioridade ou preponderância.

Mais ainda, explica o autor (2018, p. 126) que ao versar sobre os direitos da personalidade, e assim, o direito do esquecimento nesse âmbito, como majoritariamente é relacionado, em que pese buscar-se na Constituição Federal fundamentação, há que se observar que a discussão desloca-se para o âmbito das relações privadas, atraindo regras do direito civil, sem que precise perpetuar a discussão no âmbito Constitucional, onde o estudo se daria seria direcionada aos conflitos normativos.

Conforme colocado, busca-se muitas vezes fundamentação para o direito ao esquecimento em valores plasmados na Constituição, sendo que, por vezes, ocorrem tensões, que podem limitar esse instituto jurídico. Não cabe aqui, analisar qual a melhor maneira de resolver essas tensões, porquanto não é objeto desta pesquisa, mas torna-se imprescindível mencionar esses conflitos aparentes, tendo em vista que podem constituir verdadeiros limites, dando forma ao direito estudado.

A primeira tensão a ser mencionada é relacionada o interesse público, porquanto, se houver interesse da população nas informações nas quais o indivíduo que quer ser esquecido está envolvido, este não poderá ter sua pretensão atendida (CONSALTER, 2017, p. 294/295). Explica a autora (2017, p. 296/297) que “se ainda persistir o interesse pelo fato na atualidade, não há que se falar em direito ao esquecimento, sendo lícita a retomada do mesmo”, porém se não houver mais interesse, poderá ser exercido o direito de impedir a veiculação daquela informação.

Outra questão é o conflito que pode surgir entre o direito ao esquecimento e o a liberdade de expressão. Bezerra Júnior (2018, p. 119) explica que a liberdade de expressão abarca a liberdade de opinião, a liberdade de informação, a liberdade de imprensa e a liberdade de radiofusão. Especificamente sobre o direito de informação, Consalter (2017, p. 302) explica que este divide-se em direito de se informar, de ser informado e de informar.

Por fim, importante mencionar o direito à memória, que versa sobre os fatos que ocorreram na evolução de um país, construindo uma verdade histórica da qual todos os indivíduos da sociedade são titulares (CONSALTER, 2017, p. 308/313). Afirma a autora (2017, p. 313) que neste caso deve-se observar se é fato que faça parte da memória coletiva,

ou se apenas fato que diz respeito ao particular, pois no caso do primeiro, não há que se falar em apagar a informação.

Desta maneira, conclui-se da fundamentação exposta que o direito ao esquecimento tem guarida no ordenamento jurídico brasileiro, encontrando seus fundamentos não só na Constituição Federal, bem como nas leis infraconstitucionais e também sofrendo limitação pela liberdade de expressão, de pensamento de imprensa, direito à memória e o interesse público.

Contudo, ainda necessário analisar se o direito ao esquecimento é um novo direito, se é autônomo e até mesmo se é necessário à tutela de direitos, diante do ordenamento jurídico brasileiro.

3.3 CORRENTES SOBRE DIREITO AO ESQUECIMENTO: DO DIREITO AUTÔNOMO

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