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Fomos vendo ao longo da primeira parte deste estudo que a literatura ocupa (ou deveria ocupar) um lugar importante no ensino aprendizagem de uma língua, seja ela materna ou estrangeira. Ficou claro o potencial educativo do conto, tradicional ou de autor, na medida em que as suas características fundamentais estão intrinsecamente relacionadas com o desenvolvimento integral da criança / jovem em formação. Em termos teóricos, nota-se uma crescente preocupação com a revitalização deste género literário em contexto escolar, com inúmeras vantagens, já atrás apontadas.

Contudo, o nosso estudo também tornou evidente o pouco destaque que é dado à tipologia genológica que estamos a estudar, tanto ao nível dos documentos oficiais que orientam o ensino – aprendizagem do espanhol como língua estrangeira, bem como na consecução dos próprios manuais de ensino. A nossa análise aos compêndios usados em Portugal nos últimos dez anos revela a resistência que ainda existe por parte de professores, nomeadamente os elaboradores de materiais didáticos, em usar a literatura (e especialmente o conto) como base de trabalho nas aulas de espanhol. Muitas explicações são possíveis, mas o que verdadeiramente interessa é demonstrar que este caminho pode ser invertido, trazendo inúmeras possibilidades novas e motivadoras para os alunos, principal eixo orientador do nosso trabalho.

Vamos, agora, centrar-nos na apresentação de possíveis leituras de um corpus textual escolhido para ser depois aplicado em contextos concretos de aula. À questão óbvia de saber o porquê desta escolha e não outra, responderemos da seguinte maneira: foi realizada uma exaustiva busca de contos espanhóis e hispano-americanos, tradicionais e modernos. Chegou- se ao número de nove, devido ao gosto pessoal, à dificuldade em eliminar algum destes textos, à qualidade literária e, sobretudo, porque são histórias com um elevado potencial para uso nos diferentes níveis de ensino / aprendizagem do espanhol, já que encerram temáticas e mensagens diversificadas e passíveis de serem usadas em múltiplos contextos, adaptando-os à realidade dos alunos que temos ou teremos à nossa frente. Iremos, pois, realizar uma leitura bastante livre dos contos em causa, deixando alguns apontamentos sobre categorias da narrativa e semiótica, mas centrando-nos essencialmente na questão temática. Deste modo, iremos misturar referências a Greimás, Courtès, Ana Cristina Macário Lopes ou até mesmo Propp, numa análise muito própria, que não tem a pretensão de entrar no domínio da teorização literária, mas apenas mostrar possíveis caminhos a trilhar em sala de aula.

No que respeita a Greimás, recuperaremos as estruturas actanciais que provam a habitual recorrência a temas, personagens e situações semelhantes, para fomentar a interiorização da mensagem. Como aponta George Jean, “lorsqu’il (Greimas) montre que les

structures actantielles recouvrent, en fait, dans les contes, une série de phénomènes sociaux. (…) les constantes structures de cette dialectique de l’extraordinaire et du banal masqueraient en réalité (…) des processus de restauration d’un ordre social détruit. » (Jean 1990 : 108). Parece-nos impossível analisar contos, sejam eles tradicionais ou modernos, anónimos ou de autor, sem falarmos no sincretismo actancial do teórico, que Maria Luísa Castro Soares resume da seguinte forma: “as personagens do conto tendem a combinar funções diferentes na narrativa. Por vezes uma única personagem ocupa várias esferas de ação.” (Soares 2013: 13). De facto, a estudiosa de literatura explica que “quaisquer que sejam as personagens, as suas ações reduzem-se a um pequeno número de constantes que asseguram a progressão da narrativa.” (Soares 2013: 19). É este modelo actancial, que reagrupa as ações constantes da sintagmática, que usaremos nas nossas análises.

Por outro lado, não deixaremos de focar, superficialmente, a análise semiótica à dinâmica da narrativa, nos moldes defendidos tanto por Joseph Courtès como por Ana Cristina Macário Lopes. O primeiro divide a ação de qualquer sintagmática em três momentos cruciais, que denomina provas: qualificadora, decisiva e glorificadora (Courtès apud Soares 2013), que não são mais do que o estado inicial (de apresentação da situação em causa), o desenvolvimento ou peripécias e a conclusão, ou estado final (normalmente de equilíbrio restaurado) (Reis 2002: 149-154).

Nesta ordem de ideias, a segunda autora amplia e completa, de certo modo, as provas de Courtès, aumentando para cinco os momentos da dinâmica narrativa, introduzindo o estado inicial, ligado ao equilíbrio primordial; a perturbação, espécie de “…força que vem romper com a situação de falta ou com estabilidades iniciais” (Soares 2013: 14). Segue-se a transformação, que funciona como uma força “…em sentido inverso, que corresponde à procura de resolução do conflito.” (Soares 2013: 14); bem como a resolução“…resultado do conteúdo da transformação ou nova situação criada pelo herói” (Soares 2013: 14). Por fim, o estado final “…resulta dos momentos anteriores. (…) pode ser uma confirmação do estado inicial ou pode ser a sua inversão” (Soares 2013: 14).

Daqui em diante, cada vez que referirmos estes termos, optaremos por colocá-los em itálico, recordando ao leitor que se trata de conceito de outros autores, mas abster-nos-emos de referir sempre o nome do teórico a ele associado. E passaremos, sem mais delongas de cariz teorético, ao estudo do corpus textual que selecionámos, dividindo o nosso trabalho em dois capítulos, um referente aos contos atuais, de autores reconhecidos, e outro destinado aos textos da tradição oral.

1- Contos contemporâneos

Iniciaremos, então, a nossa análise textual pelos contos de autor, com uma divisão entre os que são de origem espanhola e os que nos chegaram da América Latina. Mais uma vez se destaca que a escolha destas sintagmáticas tem apenas a ver com opções subjetivas da autora do estudo, ressalvando que qualquer outro conto poderia ser submetido ao mesmo processo com iguais possibilidades de sucesso. Excetua-se o conto de Pedro Pablo Sacristán, cuja escolha foi deliberada, para poder integrá-lo na unidade dedicada ao desporto, a ser lecionada no 10º ano de escolaridade. Ao longo da nossa proposta de leitura, limitaremos as referências biobibliográficas ao mínimo essencial, remetendo, desde já para a consulta dos textos originais, que seguem em ANEXO. (Documentos 1 a 7).